RETRATO DE DORA MAAR — PICASSO (1937)

RETRATO DE DORA MAAR — PICASSO (1937)

A CASA DO CASAL ficou aos cuidados de uma mulher magérrima que mais parecia uma pessoa mumificada que se movia e, por vezes, falava, como se fossem suas últimas palavras, entre um e outro fôlego que mais parecia um arquejo terminal: tia Raidin. Ela era mãe de duas garotas que moravam próximas ao principal puteiro da cidade: a famosa comunidade da Rua Paissandu, onde a sociedade local da pequena burguesia ia esporrar ou esguichar suas frustrações no canal retal e vaginal das mocinhas da sociedade do lupanar. Os homenzinhos da mamãe treinavam nelas para o casamento. Também os bem treinados em sacanagem de estrada: os caminhoneiros.

AS FILHAS DA TIA Raidin moravam com uma parente em frente à Loja Maçônica do Oriente. Ela também tinha um filho, então funcionário do Banco do Brasil. O rapaz tinha a bunda arrebitada, e diziam dele, à boca pequena, que era de tanto dá o fiofó. Também diziam que tanto ele como os primos, filhos do tio dele por parte de pai, que moravam ao lado da Loja Maçônica Grande Oriente, eram chegados a atos de moralidade indefinida.

A MOLECADA DA RUA, sempre curiosa por novidades, subia por reentrâncias abaixo da janela da casa do pai dos primos do filho da tia Raidin, para ver o que acontecia na sala. Contavam estórias nas quais eu não acreditava. Mas, certa vez um deles, me chamou para escalar o parapeito da janela quando o dono da casa estava de viagem. O que vi foi surpresa. O filho da tia Raidin chupava o membro de um de seus primos, enquanto um casal de marmanjos dançava ao som de um bolero. Era uma cena que mais parecia uma narração sobre personagens de Nelson Rodrigues. Dramaturgo dos costumes mórbidos da sociedade carioca e brasileira.

AS DUAS IRMÃS dele, primo filho da tia Raidin, moravam com uma tia e, não se bem se avó paterna. Minha mãe biológica, abusou de sua força de mulher adulta, ela e o marido, para me convencer (não convenceram) a ceder meu lugar de direito de primeiro filho para que ele, segundo filho e um “favorito” de Paizão na rede de tucum, embarcasse com eles para a cidade, dita maravilhosa, do Rio de Janeiro.

ELES ME NEGARAM o direito de progênie, levaram na viagem, ao invés de mim, meu segundo irmão e a irmã mais velha dentre suas filhas: mano Manso e Vanja, respectivamente. Eu não tinha a mínima simpatia do casal, meus pais. Primeiro por ter sempre me posicionado contra as sessões de pedofilia paterna. Segundo, por dizer a meus irmãos, já crescidos, que continuavam vítimas dela, pedofilia, também no período posterior à volta deles da viagem ao RJ, que um dia, se tivesse condições, eu denunciaria esses atos “que não poderiam estar certos”. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica esses atos como sendo apenas “transtornos de preferência sexual de pedófilos adultos”. Não são crimes???

MEUS IRMÃOS DIZIAM a Paizão de minha disposição de, um dia, quem sabe, eu pudesse tornar público essa abjeção cometida contra eles. Eu insistia com eles: “isso não pode estar certo”. E um deles sempre me respondia a mesma coisa:

— Ele é nosso pai e está fazendo o que acha que é certo.

— Ele não pode estar errado. Ele é nosso pai, insistia ele. — Meus irmãos não tinham desconfiômetro. Não intuíam que aceitar ser vítima dessa perversão paterna, ao se sentirem sexualmente envolvidos por essa prática, ainda que não levada aos finalmentes, desde que não havia penetração anal, não poderia ser saudável sob nenhuma opinião civilizada ou crença religiosa.

A ESTIMUJLAÇÃO genital de Paizão Coisinha, dele por si só, no bumbum dos filhos, era uma aberração. Um pai fornecer esse transtorno psicológico aos filhos, transtorno esse que futuramente lhes causaria sérias sequelas.” Isso não poderia estar certo”. Tanto ele como ela sabiam que pedofilia não era crime constante no Código Penal. E segundo a Organização Mundial de Saúde, era apenas uma doença, um transtorno psicológico. Estavam, dessa forma, livres de acusações e de cadeia.

EU DESDE CEDO gostava de leituras. Havia lido “tio” Freud em livros e HQs. Era de meu conhecimento que traumas infantis causavam transtornos de comportamento perigosos em adolescentes. O que confirmei futuramente em leituras mais bem pesquisadas sobre psicologia e psicopatologia. Mas, acredito que ainda hoje as instituições psicológicas não se moveram no sentido de, no Congresso, criar leis contra ela, e criminalizar na intensidade que ela, pedofilia, merece.

O RESULTADO DESSA impunidade é este que presenciamos hoje, nos dias de agora: milhões de crianças e adolescentes sendo vitimadas por drogas e traficantes que as usam e abusam em vídeos visualizados na Internet Profunda. Uma quantidade exponencial de adolescentes de ambos os sexos e de adultos, quem sabe também de idosos, dedicados às afeições de afetividade destorcida. O país Brasil é um exportador dos mais funcionais de travecos para países europeus, árabes e para a América do Norte.

SE ADÃO E EVA foram criados e nominados no Livro do Gênese, homem e mulher, ou seja, o Deus Et os criou macho e fêmea, então, segundo o sequenciamento do DNA da Criação está tudo errado. É possível que nos dias de hoje a humanidade esteja mais dedicada ao sexo padrão da sodomia, do que ao sexo papai-mamãe, como era conhecido nos tempos muito idos do Paraíso Perdido.

PAIZÃO COISINHA e a sua mulher sabiam que me abandonar em mãos da tia Raidi, a mim e a irmãos menores, dando a ela uma certa quantia em dinheiro para fazer o mercado e alimentar a todos os que ficaram, era uma temeridade. Raidin era uma criatura que respirava com dificuldade. Cada respiração e cada transpiração eram acompanhadas de um chiado que denotava a dificuldade dela em sorver o ar para os pulmões, desde que havia sido, por um período de sua vida, tuberculosa.

MAS PAIZÃO COISINHA e cônjuge não queriam saber disso. Estavam se divertindo a valer na cidade maravilhosa. Não pagavam hospedagem nem tampouco alimentação. Tinham levado dinheiro acumulado por ele e as economias roubadas de mim. De minha caderneta de poupança na Cooperativa próxima à Casa Almendra, um armazém de venda de comestíveis, eletrodomésticos e fazendas, tecidos de todos os tipos.

HAVIA NELES UM propósito. Eu ficara à mercê das influências do veadinho filho da tia Raidin, funcionário do Banco do Brasil. O primo, quando andava, rebolava mais do que a Carmen Miranda com suas frutinhas tropicais na cabeça. Ele, após dois meses de espera que voltassem do sudeste do país para socorrer os dependentes menores que ficaram sem roupa, sem alimentação, sem recursos mínimos de sobrevivência, começou a reclamar da falta absoluta de recursos que fazia a pobre tia Raidin, sua mãe, ficar sem saber o que fazer para alimentar a filiação abandonada do casal.

O PROPÓSITO DELES era fazer com que a longa convivência com o veadinho, sobrinho deles, meu primo por parte dela, tia Raidin, irmã de Mãezona, pudesse exercer influência sobre minha sexualidade. E eu também me tornasse um sujeito tipo “florzinha”, tal como ele e seus primos por parte de pai, filhos do Toledo, e irmão do ex-marido da tia Raidin, que, segundo narrativa materna, fora assassinado por motivos que até hoje não sabiam dizer ao certo. Porque nunca me disseram, nem eu me interessei saber. Afinal, numa sociedade de flozôs, filhinhos de papai, eu poderia, se também alguém semelhante à normalidade da progenitura dessa sociedade, abrir janelas em direção à empatia familiar e social de suas crias. De sua progenitura.

MÃEZONA E PAIZÃO passaram dois ou três meses fazendo turismo no RJ, isto aconteceu há décadas, não lembro exatamente se, 45 dias, dois meses ou 90 dias. Enfim voltaram para à cidade natal e encontraram uma residência devastada pela pobreza: os filhos vestindo roupas rasgadas, magérrimos, mal alimentados, com uma refeição por dia, ingerindo café da manhã de favor, em casas de vizinhos e conhecidos próximos. Talvez, ao rememorar esses acontecimentos Paizão tenha se ajoelhado diante de mim, muito tempo depois, quando, sexagenário, eu fazia faculdade de Letras, repetindo:

— “Me perdoe, me perdoe, me perdoe”. Como perdoá-lo??? Todos os dias de minha vida infantil, adolescente e adulta foram dias de perdão. Ainda idoso eu teria de mais outra vez vir a perdoá-lo??? Setenta vezes sete, o número bíblico do perdão já havia sido ultrapassado há muito. Muito tempo. Mãezona, a mãe da zona no larbirinto, se queria mulher de Paizão e minha amante??? Afinal, vivíamos sob o mesmo teto. Eu não a considerava minha mãe. Exceto em sentido biológico.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 29/10/2022
Reeditado em 15/12/2022
Código do texto: T7638151
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