LES DEMOISELLES D´AVIGNON
LES DEMOISELLES D´AVIGNON
MEU NOME É DANTE. Estou a viver no inferno consciente desta realidade.
ELA ERA APENAS UMA quase menina, mas já estava escolada nas esquinas, nos clubes, nas praças, nos locais que aconchegam a prostituição juvenil masculina e feminina. Ela comercializava o corpo em troca de grana para financiar sua vida escolar e depois as disciplinas da academia. Passara toda a puberdade fazendo programas a troco do sustento de seu sonho do diploma de Economia.
AO ACERTAR O PROGRAMA já estava inclusa a cloaca no pacote. Ela já havia transado com todo tipo de marmanjo: profissionais da política e do serviço público. Deputados, senadores, vereadores, juízes, promotores, militares, médicos, padres, pastores, atores, atrizes, modelos. Havia criado um portfólio de personas e personalidades até conseguir transar apenas com a elite das celebridades na escolha seletiva das companhias de cama.
ENQUANTO CUMPRIA O contrato verbal do programa sob o efeito de faturar seu orçamento secreto, ela agia conforme a satisfação do freguês. Enquanto o fuque-fuque rolava na intensa cidade da sodomia, ela dizia de si para consigo, repetindo o que havia lido no Livro de Dante: “a razão vos é dada para discernir o bem do mal”. Ela mesma de há muito desconhecia o significado desse discernimento. Na hora de ganhar a subsistência, ela agia como age qualquer político: o caminho do bem e da ética vem depois, se vier.
ESTAVA A SE FORMAR. Já havia obtido emprego no gabinete de um senador de boa reputação. Após diplomar-se em sacanagem com os mais diversos personagens da sociedade, e se familiarizado na ambientação da capital federal, ela agora se preparava para as “bodas de ferro” do casamento. Ela tinha plena consciência de que parte do salário de seu namorado vinha do balanço do samba canção dos compositores do troca-troca de favores e mordomias entre os poderes da República dos ditadores da democracia.
ERA ELA MULHER DE talento. Não dava ponto sem nó. Uma vez inserida nos ambientes festivos do Recife, ela aprendera como se direcionar de acordo com as tendências do momento nas quais se destacava como se fosse uma diva entre divas de famílias. Havia aprendido a interpretar a falsa eloquência vulgar das conversas de madames, de seus amantes e maridos, nos diversos dialetos das senhoras do high-Society.
A LINGUAGEM DO povo mutuamente se prodigalizava nas conversas de rua a partir das dicas dessas madames que também se influenciam de ouvido, nos dialetos populares. O país inteiro sempre viveu dessa troca de influências e vivências entre as classes que, de modo consciente ou inconsciente, sempre se mesclam em uma mesma massa mídia de mútua socialização. Apesar do distanciamento financeiro e econômico entre elas.
POR BAIXO DOS PANOS suas filhas e filhos se habituaram a mesclar de uma forma ou de outra, suas personalidades. Afinal essa aculturação vem de longe, do tempo em que as madames ainda não tinham seus cabeleireiros, manicures e pedicures. Nem faziam massagens e depilação nas academias de beleza, nos salões de Pilates onde pontificam as conversas de lavadeiras de máquinas de lavar. A Tv visão popularizou a horizontalização padronizada da cultura e da civilização massificada pela força propulsora do Inconsciente Coletivo nacional. Tv visivo.
A EDUCAÇÃO PELA TV visão é a que conta nos finalmentes do reflexo social de todos, em confronto com as misérias de uma espiritualidade que nivela a sociedade por baixo. Drogas, sexo e cancioneiros de bandas de rock e duplas sertanejas, cantores e cantoras de romances dos mais diversos e apaixonados lupanares. A cultura e a civilização dos vira-latas unidos de todas as classes sociais, dificilmente serão vencidos em sua maternal horizontalização mundializada.
EDINAH VIVIA SUA DIVINA Comédia pessoal adaptando-se ao carnaval de influências que se entrecruzavam numa barafunda de mulheres como se todas se chamassem Raimunda. Todas submissas às alegorias e simbolismos vigentes nas atitudes sociais de seus contra pares machistas. Edinah precisava ser a primeira pessoa de sua própria narrativa. Falar diretamente consigo mesma, ter independência da submissa sujeição às práticas de sodomia às quais se submetia por imposição de seu ganha pão.
ELA SE SENTIA A VIVER num mundo ao mesmo tempo mitológico, político, religioso, filosófico. Do contrário não suportaria um dia a mais de realidade. Numa selva de intencionalidades sombrias na qual tinha de aceitar conviver. As personalidades importantes da sociedade não passavam de simulações de respeitabilidade e autonomia. Os membros dos poderes se defendiam entre si em momentos nos quais eram questionados de acordo com as graves faltas de natureza político social.
OS PODEROSOS ESTAVAM sempre cercados por traidores do interesse do povo ao qual deviam responder por seus atos criminosos, mas, devido à proteção comum entre eles, sempre saíam impunes de seus crimes. Edinah infiltrara-se entre eles, bajuladores, defensores ferozes de privilégios, servis puxa-sacos de seus senhorios sociais. Ela se via perdida em meio à cobiça dessas turbas. Nesse meio tempo achou-se igual a eles.
SENTIA-SE SOZINHA, MAS protegida por sua beleza morena. O tempo chegou da aparência anciã. Com a ajuda dos cosméticos, regredia ao Narciso que fora na juventude. Seu prazer era amargo como a morte. A ele se expunha, sem sonolência, a essa sexualidade que impulsionava a própria demência. Ela comia do fruto da mesma árvore do jardim povoado das Evas dos lupanares Belle Époque da cidade.
ERA COMO SE SATANÁS se apresentasse com sua serpente disposta a penetrá-la e a submeter todos os sentidos de seu corpo, alugado para esses momentos de prazer unilateral. Ele mastigava o fruto da árvore do bem e do mal, mas sabia que dessa árvore a serpente trazia apenas os aconchegos da adversidade e da atribulação de ter os sentidos alugado por contingência das leis da necessidade de se submeter.
NÃO HAVIA NESSES momentos a presença de leis bíblicas, mas de uma sensualidade diabólica, de natureza probatória, que permitia aos seres decaídos, filhos aflitos, perdidos e abatidos pela libertinagem e lascívia das demandas de mulher. Ela nada podia, de imediato, fazer-se outra, contra as demandas da humanidade resultante da queda de Adão sugerida pela fraca inteligência e anêmica sensibilidade humana de Eva.
QUE PODERIA AQUELA mulher ancestral contra a serpente pendente do Anjo Torto que tinha acesso ao Paraíso??? Ela era produto, resultado do plano primitivo engendrado pela engenharia de colonização do planeta Terra. Ela tinha de aceitar aquele tipo de submissão. Sem ele, como poderia Ele, o Senhor dos exércitos de outro mundo, outro planeta, outra dimensão, ter a seus pés bilhões de seres conformados a essa destinação???