A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — LXIV—

A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE

(REVELA AÇÕES) — LXIV—

THE STARRY NIGHT (64).

EU ESTAVA A conversar com o agora major PM na Companhia de Guarda do Palácio do Governo. Visava obter a entrevista com alguém do Gabinete do Governador para expor as ideias e o alcance delas na promoção do turismo arqueológico. Eu estava querendo entrar na luta pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara. Incentivar o turismo local através da propaganda, o estudo das normas estruturais da vida social primitiva. Suas diferenças simbólicas: linguagem, relações econômicas: arte ciência, religião. O irmão PM da Companhia de Guarda seria o contato que me permitiria acesso à burocracia do Secretaria competente, talvez com o aval do governador.

NIÈDE GUIDON, arqueóloga franco-brasileira com especialização em culturas pré-históricas, estudiosa da arqueologia no interior do Piauí a partir da década de setenta, tinha contribuído para a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara. Não era benquista pelos políticos da cultura conservadora e reacionária piauiense porque havia se formado na USP, considerada uma universidade de esquerda. Sua tia tinha um amigo que era general naqueles dias de chumbo da ditadura militar. Ele a havia alertado para que Niède desse o fora do Brasil logo, urgente. Ela estava prestes a ser presa.

POR QUÊ??? A maré não estava para peixe. Na década de sessenta na USP, professores deduravam alunos. Discentes deduravam docentes para obterem vantagens, as mais diversas. Niède tinha passado num concurso para docente na Universidade de São Paulo. Alunas que ficaram colocadas aquém dela para provimento de cargo de Professor de Magistério Superior em caráter efetivo, a acusaram de subversão, visando ficar em seu lugar, uma vez que ela fosse detida pela repressão em tempos de chumbo da ditadura. A “Noite Estrelada” de um tempo pessoal, familiar e histórico sombrio. As trevas dominavam o país no qual pontificava o totalitarismo. Agora eu sabia também o que sentira o pintor holandês Van Gogh quando pintou o quadro “A Noite Estrelada”.

A CAMPANHA de publicidade que eu criara estava, à priori, supostamente minada, porque Niède Guidon havia sido acusada de subversão por pessoas interessadas em tomar seu lugar preferencial no concurso para o corpo docente da USP. Meu sócio na Agência de PP&RP havia me alertado para esse evento. Resumindo: não houve simpatia da secretaria de governo que poderia conceder aval para promover o turismo, em caráter nacional, divulgando o roteiro de viagem pelo Piauí, para pessoas que se interessassem em decifrar, discernir e estudar os sítios arqueológicos do Estado do Piauí.

ANTES QUE ME roubassem a ideia da campanha e seus desdobramentos, recolhi o portfólio dos trabalhos de criação exibidos às pessoas que se mostravam interessadas apenas em ficar com as peças publicitárias, sem sequer passar recibo das mesmas. Quando cobrei dessas pessoas que no protocolo de recebimento fossem enumeradas as peças publicitárias, elas logo me disseram, revezando-se em argumentações tipo:

— “O protocolo menciona o recebimento da campanha. Isso deve bastar”.

— “Somos uma secretaria de governo, não vamos nos apropriar indevidamente dela”.

— “Se você quiser que o secretário avalie, o recibo é esse. É assim que funciona”.

É MUITO, MUITO desgastante trabalhar com pessoas de uma burocracia tão “honesta”. Na verdade, minha Agência investiu capital em anúncios assinados pelo Governo do Estado que ainda hoje, décadas e décadas depois, ainda não me foram pagos. A exemplo de anúncios de página inteira, publicados em jornais de Teresina, sobre a entrega das obras de restauração da Igreja de São Benedito, na Praça da Liberdade, s/n, centro da capital, próxima ao Palácio de Karnak.

AS SECRETARIAS de governo no Piauí, acredito que em todo o Brasil, funcionam à base de aparências. Não há transparência mínima em seus argumentos e relacionamentos com pessoas que não fazem parte, diretamente, do nepotismo nelas vigente. Se você não é parente próximo do governador ou de um de seus sicários políticos, nem tente trabalhar para eles. É prejuízo na certa.

POSTERIORMENTE a esses eventos, que, somados os problemas de comunicação difícil, terminariam por inviabilizar minha empresa, estava eu a solicitar ao irmão oficial PM da Companhia de Guarda do Karnak, uma bolsa de estudos para a filha de uma mulher de meu conhecimento. Ele também era sócio-diretor de um colégio de nome Sapiens, nome esse roubado de um livro de minha autoria chamado Mama Nordeste (Infanticídio). O então major falou que se havia esgotado o período de cessão de bolsas de estudo. Mesmo aquelas parciais, em que o aluno paga uma parte da mensalidade.

A MÁ VONTADE dele para comigo, fosse em quaisquer circunstâncias, era óbvia. Certa vez meu carro estava ameaçado de ser rebocado por PMs do serviço de trânsito local. Solicitei que esperassem enquanto eu telefonava para o então coronel PM. Eles depois me disseram que, ao contrário de minha solicitação que resolvesse o problema, ele, coronel disse que levassem de reboque o carro:

— “Para que ele aprenda a lição e esteja em dia com a documentação do carro”.

ESSE COMPORTMENTO se repetiu em outras ocasiões semelhantes. Era uma conduta familiar cristalizada: nenhum daqueles que eram meus irmãos de sangue, eram meus irmãos na compreensão e no companheirismo. De repente adentrou a sala em que estávamos o famoso criminoso PM, o coronel José Viriato Correia Lima, que por mais de duas décadas chefiou o crime organizado no Piauí com mão de ferro e de sinistra memória coletiva. Todos tinham medo dessa aberração de farda.

EMPRESÁRIOS, POLÍTICOS, juízes, eram vítimas de chantagens, extorsão, sequestros e assassinatos. Todos em seu entorno mais próximo eram policiais militares. Por cumplicidade e medo, o coronel Correia Lima tinha apoiadores em todos os poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e na imprensa marrom. O promotor Afonso Gil, o Ministério Público Federal, o juiz federal Rui Costa Gonçalves, assim como a pressão da sociedade, agiram no sentido de que fosse preso e terminasse a onda macabra de seus muitos crimes. O governador Mão Santa decretou sua prisão administrativa.

OS OFICIAIS PM que estavam na sala, rapidamente levantaram-se afetadamente, de supetão, fazendo continência numa atitude exagerada de medo e respeito, retesaram-se rígidos na presença do coronel Correia Lima que tinha adentrado a sala. Meu irmão era um dos mais afetados. A emoção dele foi tão grande, que as lágrimas saíam dos olhos a escorrer nas faces. Ele olhou para mim e falou que eu me levantasse. Depois pediu para que eu batesse continência. Ora, eu não era militar, tinha passado muito tempo fora do Piauí, e do coronel criminoso eu conhecia apenas pelos comentários e as notícias de seus covardes e hediondos crimes.

LEVANTEI-ME A SORRIR das atitudes afetadas, tanto de meu irmão quanto dos demais oficiais PM presentes na sala naquele momento. O coronel Correia Lima apenas olhou a todos detidamente, como se prescrutasse as atitudes deles, a buscar, talvez, uma motivação para quem sabe ao certo, monitorar o ambiente. Após trocar algumas poucas palavras com um dos oficiais PM, ele saiu rapidamente, tal como entrou.

PESSOAS VÍTIMAS de assédio sexual e/ou pedofilia têm, na minha compreensão dos fatos, uma espécie de subordinação emocional intensa. Uma vontade de obedecer e de ser subalterno às autoridades, civis ou militares, de modo geral essas pessoas parecem ser mais vulneráveis do que as demais. Não exercitam o espírito crítico, a atenção aos preceitos de moralidade. “Minha honra é obedecer”: pareciam dizer aqueles PM na sala na Companhia de Guarda do Palácio do Governo. “Minha honra é obedecer” era lema/slogan das SS nazistas.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 28/08/2022
Reeditado em 22/10/2022
Código do texto: T7592934
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