A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — XLVII—

PLATAFORMA ESPIRAL (47)

NÃO É FÁCIL uma pessoa aprender a ler a si mesma. Ao voltar àquela casa onde Mãezona e Paizão dividiam suas aldravas e trancafiavam a prole em desdobramentos de suas próprias inadequações à função de pai e mãe. Aquele casal jamais quis exercitar o aprendizado de aprender a ler suas ações espúrias, corrompidas, depravadas. Mãezona estava muito, muito à vontade com a situação de vera insolvência moral familiar. A insolvência material só ajudava seus intuitos e finalidades inconfessáveis. Aquelas, escondidas nos nó que ele dava em fios de pano, em sessões de alta concentração mental, onde parecia estar em outra dimensão.

QUANTO MAIS miserável fosse a situação de seus membros, mais ela se julgava apta a dar conselhos. Não tenho avaliação precisa de quantas vezes tentei dialogar com ela. Mostrar um caminho numa direção que não fosse tão superlativamente suicida. Em todas essas vezes ela vinha com toda a força de suja alienação com argumentos gritados do fundo de sua perversidade altiva. Aquela mulher era um ser empoderado por forças sobrenaturais, perversas, que a mantinham sob comando, comunicação e controle. Full-time. Ele sabia e gostava disso.

TALVEZ ESSAS forças tivessem a ver com os contatos que ela mantinha com a enfermeira nazista, mulher do doutor Franca, que tinha o portão de entrada de sua mansão, frente ao portão de entrada da casa de Paizão. Sabe-se que nazistas fugiram da Alemanha em direção a países da América do Sul: Argentina, Uruguai, Chile (Colônias Dignidade ou “Sociedade Benfeitora E Educacional Dignidade”). O Brasil não ficou de fora dos lugares para os quais os oficiais nazistas fugitivos da IIª Guerra, migraram.

E LÁ ESTAVA Mãezona, que se queria descendente dos deuses nórdicos, que orgulhosamente se dizia proveniente de posteridade alemã, em conversas às escondidas, com a ex enfermeira de um campo de concentração nazi. Quando não conversavam no pequeno jardim da casa de Paizão, ficavam a palestrar no interior do portão de entrada do solar do doutor Franca, do qual a doutora Rosen era mulher. Depois dessas conversas Mãezona parecia particularmente energizada. Falava da existência de índios brasileiros brancos, oriundos da migração dos sobreviventes atlantes após o afundamento do continente em que viviam.

MÃEZONA DIZIA, de maneira reservada, que o Jardim do Éden havia sido na Atlântida. Que toda civilização havia iniciado lá. Que de lá saíram os deuses gregos e as mitologias dos povos antigos. O certo é que ela guardava um misto de simpatia e antipatia por aquela mulher, doutora Rosen, que vi apenas uma vez, quando foi aplicar, de madrugada, uma injeção em Paizão Coisinha que tremia intensamente por sobre a cama, como se estivesse sendo eletrocutado. Era uma cena de intensidade visual impressionante. O corpo inteiro não parava de estremecer, como se uma força externa estivesse a agir sobre ele e ele não tivesse nenhuma condição de pará-la.

EU HAVIA despertado sob a mão de Mãezona a me sacolejar, dizendo: vá chamar o doutor Franca, seu pai está precisando urgentemente de um médico. Anda, levante-se logo, seu pai está muito mal. Foi nessa ocasião que a vi, a doutora Rosen. Ela estava a manipular uma seringa hipodérmica. A agulha sugava o líquido de um vidro no qual havia-se misturado com um pó. A doutora tinha um aspecto físico que à primeira vista foi para mim assustador. Muito comprida e magra, excessivamente afetada, parecia estar dissimulando-se. Eu não consegui fixar nela meu olhar, porque seu rosto como que se desfigurava em outro. Parecia-me um grande lagarto assustador.

ANTERIORMENTE, quando ainda habitávamos na rua Senador Teodoro Pacheco, de madrugada, eu abri os olhos e vi pessoas ao redor de minha cama. Uma delas estava com uma seringa em mãos. Mas, eu estava como que dopado, via vultos de pessoas de modo a não as reconhecer posteriormente. Mãezona dizendo:

— “Está tudo bem, meu filho, você vai dormir, é só uma picadinha de injeção. Logo você dormirá de novo”. — Não lembro se esse evento se repetiu outras vezes. Eu era apenas uma criança. Minha memória daqueles dias não se manteve nítida nos dias de hoje.

NÃO SEI DIZER qual a finalidade daquelas pessoas naquele momento, ao redor de minha cama. Talvez estivessem associadas ao grupo nazi da casa da doutora Rosen. No café da manhã, quando ainda habitávamos na casa antiga, Paizão costumava despejar em minha xícara de café com leite, bolinhas prateadas de mercúrio odontológico. Ele as despejava em minha xícara, mas não dizia nada. Ato contínuo, ele saía de perto e voltava ao quarto ou ao consultório. O mercúrio é um metal pesado. Segundo a Associação Brasileira de Odontologia pode causar problemas neurológicos e dores de cabeça.

O EFEITO cumulativo da aspiração de vapores de mercúrio ocasiona efeitos tóxicos em profissionais que manipulavam o amálgama dentário de modo incorreto. Ele pode contaminar a água e o meio ambiente caso o descarte seja feito de modo errado. A liga prata-mercúrio era muito usada em odontologia na restauração de dentes.

A VERDADE é que eu tinha crises de dores de cabeça imensas. Em intensidade e duração. Elas vinham com vômito de bílis. Talvez porque meu fígado estivesse atingido e prejudicado sob o efeito da ingestão das bolinhas prateadas de mercúrio que Paizão costumava jogar dentro da xícara de café com leite antes que eu saísse para a escola.

TALVEZ ELE próprio e a mulher, Mãezona, que costumava, às vezes, servir de enfermeira para ele no consultório, estivessem sob o efeito tóxico dos vapores de mercúrio, daí as sequelas cumulativas das aspirações tivessem tido alguma ação neurológica, que haja perturbado de modo irreversível, o já naturalmente perturbado e estressado sistema nervoso central de ambos.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 12/07/2022
Reeditado em 21/10/2022
Código do texto: T7558188
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