A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — XLIV—

A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE

(REVELA AÇÕES) — XLIV—

A AFIRMAÇÃO da liberdade pessoal precisa de motivação. Eu estava ao mesmo tempo conhecendo meus limites. Meu Inconsciente Pessoal estava se configurando fora do Inconsciente Coletivo Familiar. Eu vivia a convicção de que minha mente se ampliava. Se ela permanecesse do mesmo tamanho, eu não estaria tendo uma participação bem mais ampla de minhas possibilidades de novos ajustes estruturais. Novas ordenações de conteúdo. Ou eu continuaria o mesmo rapaz traumatizado por uma dupla de pessoas rudimentares, sem princípios, sem coração, sem empatia. Ignorantes da própria ignorância. Pior: orgulhosos dela. Eu estava preparado para conhecer, na intimidade, O Violino de Ingres.

EU ESTAVA em estado de suspensão da consciência anterior à minha experiência fora do quadradinho viscoso, xarope gelatinoso do Inconsciente Coletivo Familiar. Eu estava fora do larbirinto, finalmente. Todo o conteúdo anterior de meu psiquismo estava sendo questionado por minhas novas vivências. Vivências não apenas objetivas. Minha subjetividade estava a questionar o Templo da perversidade que vivi no “lar doce lar” das frustrações e adversidades. A experiência da liberdade pessoal não é algo que se pode vivenciar estando dentro, sugado, chupado, carregado pela força do Horizonte de eventos do buraco negro da realidade familiar e social anteriores.

NO PERÍODO que habitei o apartamento próximo ao Arpoador, conheci Maria Helena. Sua moradia não era em Troia, mas na Barão da Torre, uma rua em Ipanema. Fui atraído até seu apartamento por um casal do qual me aproximei num papo de bar da esquina. O que aproximava as pessoas era uma certa energia PSI coletiva. Quando havia afinidade entre seres que se conheciam e se aproximavam por atração de ideias, ou por estarem numa mesma condição de espontaneidade, havia uma intimidade súbita e sincera.

ADENTREI SEU festivo apartamento, conduzido pela simpatia do casal. Senti que o ambiente era propício à minha carência de um fuque-fuque que logo havia se tornado presente, devido à identificação súbita de nossas carências. Helena era só sorriso. E eu entregue às suas solicitações eróticas. O pessoal do sarau foi saindo e ficamos sozinhos sobre sua cama. Ambos pelados e sugados pela libido de Eros.

A DELÍCIA de ter seu corpo moreno e amoroso. Eu fazendo de conta que podia resistir por mais tempo com o membro sem penetração. Ela logo me desafiou:

— “Mete logo essa porra aí, cara”. Eu não me fiz de rogado.

FIQUEI AO mesmo tempo ativando o vai e vem e usufruindo da nitidez enfática de sua pele e da flagrância suave e perfumada do incenso que perpassava o quarto:

— Vai caramba, tudo é teu, disse ela — é assim que eu curto deus.

SUAS PALAVRAS não continham mais que um desafio de intensidade afetiva: uma fêmea com carência de mulher que sabe o que quer. Na ocasião me lembrou Jean Seberg no movie “Os Pássaros Vão Morrer No Peru”. A lembrança dela ativou o tesão que se fez isso mesmo: Helena pareceu-me a encarnação de uma cortesã da Corte egípcia de um Faraó que dedicou a ela um sarcófago. Um jazigo que consumiu há milênios sua carne. E que trouxe até o século XX, renovada, a sensualidade e a concupiscência de seu espírito nela reencarnado.

EU GOSTARIA de que nossa amizade tivesse durado mais, muito mais. Mas aquela bizarra intervenção dos agentes do DOI-CODI precipitou os finalmentes de nossa promissora relação. Essas vivências que divergiam entre si, me incentivavam o psiquismo de modo intenso. As formações subjetivas se multiplicavam no tempo real que estimulava a “padma” ou lótus do simbolismo budista de um estado primevo de pureza do corpo e da mente: uma espécie de força estética e espiritual que atinge o âmago do ser e faz acontecer a suspensão das influências de atribuição emotiva anterior.

O DESEQUILÍBRIO que gera estresse e descontrole não estava presente nesses momentos. Pelo contrário. Tais mudanças constantes de humor criavam em mim uma aura de grande confiança em que essas experiências me distanciavam da morbidez emocional daquelas pessoas que me infligiam desesperança, pessimismo e a sensação de incômodo, por minha proximidade não lhes causar qualquer sensação de empatia e solidariedade. Mas, ao contrário, rejeição e desamor.

AFINAL, UM adolescente não suporta uma tensão familiar e social, incômoda e insistente, sem entrar em crise. A falta de esperança, a rejeição, a neblina, a turvação e a tristeza que Mãezona e o seu marido maluco causavam, me faziam sentir como se fosse um personagem bíblico tipo Jacó. Ele lutou contra um guerreiro divino, quem sabe o próprio Jesus, que no Antigo Testamento era Jeová. A luta persistiu até o amanhecer. Ao sugerir que a luta deveria terminar, Jacó encarou o adversário dizendo:

— Não te permitirei ir se não me abençoares.

— Qual o teu nome???

— Jacó.

— Não te chamarás mais Jacó, mas Israel. Igual a um príncipe lutaste contra Deus. Contra os homens, e prevaleceste.

— Dá-me, peço-te, a saber teu nome.

— Por que queres saber meu nome??? E abençoou-o ali.

E chamou Jacó de Peniel o nome do lugar porque: “tendo visto a Deus face a face, minha alma foi salva”.

DESSE EVENTO é possível se apreender a lição de que Deus Et se revela àquele ou àqueles, que ousam lutar contra as adversidades pessoais e coletivas, tragédias e catástrofes para, na luta, conhecer a força que antes nele, ou neles, não poderia de outra forma se manifestar.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 09/07/2022
Reeditado em 21/10/2022
Código do texto: T7555663
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