A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — XXXVI —
A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE
(REVELA AÇÕES) — XXXVI —
UMA VEZ cordialmente expulso da casa do tio em Niterói, passei a, num primeiro momento, sob a influência da amizade de meu avô paterno, com o advogado e administrador do jornal O Fluminense, Alberto Torres, que me sugeriu falar com seu genro e superintendente da empresa, Ephrem Amora. Consegui que me autorizasse a escrever uma coluna de cinema de uma lauda e meia, diariamente. Nos finais de semana, página inteira.
NA ÉPOCA o país fervilhava de inovações em todos os setores e instâncias populares da sociedade. Tudo tinha à alcunha e o slogan “Novo”. Novo isso, Novo aquilo, Novo talco, Novo batom, Nova calcinha, Nova sandália, Novas drogas, Nova pizzaria, Novos jornais nanicos, Novos instrumentos de tortura da ditadura, Cinema Novo, Cinema Marginal, Novo cigarro, Novas bandas de rock: A sociedade se disfarçava por trás de novas novidades, mais velhas que as velharias de museus de penitenciárias.
NOVOS CANTORES, novas práticas sexuais mais antigas do que os Hititas. A juventude buscava desafogar-se do fundo do mar das iniquidades familiares. A mocidade buscava uma independência até então reprimida e estimulada por pais que não sabia de mais nada, exceto que deveriam fazer de tudo para manter seus filhos sob a batuta de uma orquestra de fantasmas que estavam sendo, em vida, jogados nas covas de um tempo o qual não mais poderiam agenciar suas influências deletérias.
NÃO QUE AS novas influências também não fossem doentias e mórbidas. Eram sim. A tampa da panela de pressão dos instintos represados a tanto tempo, abriu-se com um espetacular e fantástico redemoinhar de estranhos jovens no ninho de uma sociedade da propaganda consumista de Novos carros, Novos eletrodomésticos, Novas motocicletas, Nova gasolina aditivada, Nova banda de rock.
OS BEATLES faziam a cabeça da juventude. Os Beatles e as bandas que se seguiram nas paradas de sucesso do rádio e na TV, em busca de qualquer motivação musical que pudesse ajudá-la a se desapegar de seus carcereiros da família tradicional, conservadora, maquiavélica, mórbida. Sem mais poder de influência. Exceto nas sinecuras familiares da tradição mais suburbana no interior do país de interior: Brasil.
OS CONCURSOS públicos pululavam, os cursinhos pré-vestibulares se materializavam em todos os cantos e recantos dos bairros centrais e periféricos. Os Beatles eram ouvidos, divulgados em todas as emissoras de rádio cantando, principalmente, “Hey Jude”. Gal Costa bancava a Janis Joplin brasileira cantando “Baby”. E Janis Joplin, mais que fascinante, berrava a necessidade do Senhor Et de todas as nações comprar-lhe um “Mercedes Benz Blue”.
ENQUANTO TUDO isso acontecia simultaneamente ao sadismo de perseguidores das FFAA, brasileiros eram acossados, presos, supliciados pelos oficiais armados da ditadura militar. Torturadores sádicos que ainda hoje são lisonjeados por personagens psicóticos, tipo o Bozo na presidência da República. Ele não se cansa de fazer discursos abertamente festivos em homenagem saudosista ao torturador do Exército, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército: Carlos Alberto Brilhante Ustra, vulgo “doutor Tibiriçá”. Na linguagem dos indígenas guaianás que habitavam o planalto paulista quando da chegada dos portugueses, Tibiriçá queria dizer “vigilante da terra” ou “sentinela da serra”.
ERA NESSA incrível confluência de influências as mais diversas que eu, vindo do interior do país, estava em busca de me sociabilizar em pleno Estige urbano da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Aprendia, por iniciativa própria, na universidade da cultura popular de Aleksei Maksimovich Peshkov, vulgo Máximo Gorki, Anton Tchekhov, Tolstói, que eu já havia acessado na biblioteca de Paizão Coisinha e na literatura de Dostoiévsky.
DENTRE OS autores que eu lia avidamente estava o inglês George Orwell, autor de “1984”, romance diatópico e distópico, que reflete a dinâmica de uma sociedade onde o egoísmo autoritário de grupos fascistas de dominação, a impede de se educar formalmente e prosperar. “A revolução dos bichos”, do mesmo autor, proporcionava a ampliação dessa visão do sentimento ambicioso que motiva, atualmente, o cercadinho de um político brasileiro atuando na reinação do Palácio do Centrão no Planalto Central do Brasil.
OUTRO AUTOR também inglês, chamava a atenção das pessoas que estavam a se atualizar na habilidade de se afirmar numa visão “visionária” do tempo presente em mudança acelerada: Aldous Huxley, seu precioso livro “Admirável Mundo Novo”, que antecipava mudanças de diretrizes na configuração do poder de dominação totalitária da sociedade, desde as novas formas de gerar, através da tecnologia reprodutiva, abstração, concentração, manipulação PSI/Hipnopedia, ou transmissão de informações condicionantes a alguém, recém-nascidos, enquanto dormem.
A SOCIEDADE de classes nunca mais teria lutas e hostilidades entre as categorias familiares, trabalhistas e sociais, desde que todos nasceriam e cresceriam num ambiente condicionante à aceitação de suas funções na sociedade. Não haveria mais conflito de classes, desde que a normatização “high-tech” dos condicionamentos, disciplinaria todas as relações do trabalho e a qualidade dos custos sociais dele.
O LIVRO QUE realmente mais me impressionou na época chama-se: “O Macaco E A Essência”, editado dezesseis anos depois do “Admirável Mundo Novo”: o papel social da maternidade num mundo pós-conflito nuclear, no cotidiano de uma sociedade devastada, as mulheres são apropriadamente definidas no que diz respeito à maternidade. A mim parece que nunca houve uma definição mais congruente do papel da mulher procriação ou geração de filhos. O mito da “Mãe” é perfeitamente desconstruído.