A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — VII —
A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE
(REVELA AÇÕES) — VII —
O QUE PODERIA fazer uma criança contra adultos e familiares que a mantinham sob constante ameaça??? Que mãe se prestaria ao papel de uma madrasta tão perversa e senhora de si??? Não quero falar do tipo de educação que ela dispensava ao todo familiar. Isto porque o todo familiar é quem deve se manifestar sobre a educação deles, não eu. Eu me manifesto no que me diz respeito.
AS CRIANÇAS ESTAVAM terminantemente proibidas de crescer. Amadurecer significava uma ameaça para ele. Tinham de, a qualquer custo, fazer os filhos ficarem para sempre adormecidos na condição infantil. Se despertassem a consciência para as barbaridades de que eram vítimas, certeza que eles estariam sob a acusação de um tribunal de mentes a reivindicar direitos a um educandário familiar de verdade.
COM AQUELA MULHER de Paizão Coisinha não havia conversa possível. Diálogo era algo que ela tinha por injustificável. Ela os havia parido e dizia estar educando os filhos conforme a mãe dela a educou. Mas, que educação poderia fornecer uma velhinha que terminou seus dias fazendo cocô na cama e comendo pão seco com café??? Que dizia ela, minha avó materna, ao me ver sendo massacrado física e mentalmente por uma soberba carência de recursos??? À vista de todos eu estava sendo desprovido do mínimo e do muito pouco para que pudesse agenciar meu crescimento moral e intelectual.
A BOA VELHINHA, vó materna, na residência da qual eu convivi quando fazia o segundo ano do curso comercial, dizia a mim, em tom lamentoso, de quem estava a compreender que eu não poderia crescer tendo uma mesada que mal dava para cobrir as despesas com pagamento de mensalidade e condução de ida e volta ao colégio: “a Edinah nunca teve olhos para vê os filhos, você é o mais abandonado de todos, ela só tinha olhos para ser a puta de te teu pai. Tudo que ela queria na vida nunca foi mais do que ser a marafona do Tonholins”.
FICA CLARO QUE a mãe dela, minha avó, não aprovava o estado de carência exacerbada com que eu vivia tentando sobreviver com o mínimo dos mínimos. O hipnotismo da voz dessa criatura das trevas, desse espírito das sombras, que eu deveria considerar minha mãe, era constante, diário. Ela me impunha um estado de inconsciência deliberado. Focava minha atenção no que ela dizia como se o que ela dissesse fosse inquestionável. E se eu ousasse objetar, replicar seus argumentos com a defesa de minha educação futura, ela ficava afogueada, a face transtornada de raiva. E as ameaças saiam fáceis de sua boca em sua face psicótica, inquieta, aflita, estressada.
ELA, EDINAH, NÃO admitia nenhum tipo de diálogo. Ela queria preservar o caos familiar como estava, não obstante meus apelos para que fizesse algo que me salvasse. Salvasse meu futuro que estava sendo canalizado para os subterrâneos de uma sociedade familiar extremamente perversa. Ela e o marido não tinham um projeto familiar que me incluísse, senão enquanto vítima de seus escombros.
MEU CAMINHO NA vida eu visualizava como sendo de grandes dificuldades. Não poderia obter socorro deles, porque eles haviam planejado para mim uma vida de tormentos, crises, privações, adversidades. Meu desespero infantil estava em que eu não podia quase nada contra as ameaças conjugadas deles. Eu tentava tornar argumentos em me favor audíveis a seus ouvidos que me negavam receptividade.
AS TENTATIVAS DE me salvar deles estavam sistematicamente sendo boicotadas. Mas, por quê??? Se eram meus pais, porque me tratavam como se eu fosse uma ameaça a eles e demais familiares, irmãos e irmãs, que também me viam enquanto ameaça às suas sobrevivências tornadas também miseráveis e cheias de impedimentos que só poderiam causar uma série de futuras carências, privações e ansiedades.
EU BUSCAVA UMA explicação para o comportamento dela que desagradava também seu cúmplice e marido. Não foram poucas as vezes que o vi reclamar da disposição da mulher em piorar as condições de sobrevivência familiar, ao parir todos os anos, uma boca a mais para alimentar, vestir, promover escolaridade elementar. Ela, sempre a se fazer de mal-entendida. Defendia-se dizendo que o Papa de Roma condenava o uso de preservativos. Ela queria ter filhos e dizia sempre e raivosamente: “quantos mais melhor”.
“POR MIM, — DIZIA ela com voz alterada e enraivecida — eu não teria abortado nenhuma vez e teria tido os vinte cinco filhos dos quais fiquei grávida”. Ela era uma potência de fazer os filhos nascerem todos, se todos vivos, para ser educado por sua potência lamuriosa e materialmente miserável, concedida por seu espírito mal, que, com certeza, queria se vingar da educação que teve dos pais que não lhe deram oportunidades e conforto. Ela queria porque queria fazer o mesmo com os filhos. Quantos mais, maior a vingança por suas próprias dificuldades quando criança e adolescente.
ELA TALVEZ SE achasse uma deusa parideira que tinha o poder de dar vida a crianças que queria, no final das contas, maltratar. Talvez só quisesse se enganar e a todos que a cercavam. Era sua maneira de dizer que era mulher, quando na realidade de seu físico graúdo, encorpado, corpulento, parecia uma antiga madona raivosa, autoritária, sem nenhuma feminilidade à vista. A vida familiar, por mais desastrada ficasse, tinha de ser conforme ela queria que fosse. Afinal, quem ficava grávida e paria era ela.