A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — VI —
BRETON BOY IN A LANDSCAPE WITH GOOSE (6)
LEGIÕES DE ÍNCUBOS tentavam inutilmente em meu cérebro se instalar. Não conseguiam. Meu corpo e minha mente estavam atentos a essa possibilidade que não parava de se querer afirmar. Meu corpo e espírito, eu tinha a sensação de que estavam envolvidos num campo de força a me defender de suas constantes investidas.
MEUS TIOS POR parte dela, a quem eu deveria chamar mãe, tio Nenê e a tia Acássia, eram mostra de que nem tudo estava perdido ao meu redor. Nem todos polarizavam contra minha tentativa de existência. Eles pareciam saber que eu estava devida a pobreza de recursos do casal, e a quantidade de filhos à qual todos os anos se somava mais um, sempre pressionado à aceitação do mínimo necessário à minha educação.
EU NÃO PARAVA de reclamar a falta de recursos para minhas necessidades de crescimento. Enquanto eles, a quem eu deveria considerar pai e mãe, não paravam de me saturar de inumeráveis tentativas de idiotização. Os espancamentos eram constantes e visavam fazer com que eu me subordinasse de uma vez por todas a todas as suas inumeráveis incongruências. Faziam questão de me mostrar todos os dias que eu estava sobrando nos planos deles de educar o restante dos filhos.
INSISTIAM SEMPRE QUE eu tinha obrigação de me sacrificar por eles. Que qualquer migalha que jogassem sobre mim significava tirar o pão da boca dos demais. Era como se jogassem sobre mim a responsabilidade de alimentar seus demais filhos que eram deles, não meus. Não paravam de me acumular da responsabilidade de suprir as necessidades básicas deles, como se eu fosse o responsável por tê-los feito nascer.
MINHA SIMPLES PRESENÇA na sobrevivência diária deles era uma ameaça. Alegava, minha mãe/madrasta que eu deveria me conformar com o mínimo e muito pouco, porque qualquer reivindicação de mais do mínimo, seria como que tirar o pão da boca dos irmãos menores. Suas taras físicas iam se acumulando. Enquanto o dentista, marido dela, acumulava o vício de cheirar cocaína que me mandava comprar na farmácia do Tomazinho. Quando não a coca, usava medicamentos para adormecer as gengivas dos pacientes, à base de lidocaína.
EM VERDADE EU não passava de um menino que era visto e usado por minhas parentelas próximas, irmãos e irmãs, para as quais eu deveria ser submisso e me sacrificar por eles, demais filhos e filhas deles, como dizia sempre aquela mulher autoritária a quem eu deveria chamar de mãe: “você deve ter orgulho de se sacrificar por seus irmãos”. A loucura dela eu deveria aceitar calado, porque senão, haja tapas na boca e ameaças de “vou dizer a seu pai que você está me faltando com o respeito”. Isso significava espancamentos: murros, tapas, surras de cinturão ou corda: e o que mais estivesse à mão.
TODOS SABIAM EM casa que qualquer acusação que me fizessem, quando aquela pessoa a quem chamavam pai perguntasse algo de mim, eles inventavam um mal feito para caírem na graça do Paizão Coisinha, que os agraciava com bombons e chocolates. Deveriam inventar, qualquer tipo de realidade que motivasse uma culpa qualquer, quando não tivessem a realidade de um feito ao qual me pudessem acusar. Todos naquela família, zelavam por inventar acusações a mim que pudessem gerar agressões, ameaças e espancamentos. Todos eles tinham plena consciência de que eu estava sobrando naquele arremedo de família.
PAIZÃO COISINHA NÃO poderia, de jeito nenhum, continuar fazendo o pinto subir depois de um dia estafante de trabalho árduo no consultório de dentista, pegado ao quarto dele e dela, sua mulher e mãe de seus filhos e filhas. Dormir não conseguia devido a excitação emocional causada pela droga. Sua sexualidade era dia a dia mais carente e castrada pela sobrecarga de trabalho no consultório dentário. Ter mais um filho ou filha todos os anos, após um período de nove meses, era para aquela mulher, a quem eu deveria chamar de mãe, uma rotina que escondia sua falta de tino e feminilidade.
ELA SE ESCONDIA por detrás da barrigada, como se estar grávida, todos os anos, pudesse esconder sua falta de ser feminil. Desesperada por lhe faltar o prazer que o marido não mais sentia nas relações sexuais, na cama do quarto ao lado do consultório dentário, ela apelava para as gemas de ovos batidas por pela mulher de sensibilidade masculinizada. Apelava para as gemadas: gemas de ovos batidas com açúcar e leite quente. Por insistentes madrugadas, lá estava ela, tentando combater na cama com sua cara metade. Cansada de um dia estafante de trabalho no consultório, ambos tentavam levantar a pinta brocha, estafada por mais um dia de trabalho.
MAIS OUTRO DIA de trabalho sem resultados financeiros compensadores. Gemas de ovos batidas com açúcar e leite quente, as famosas gemadas, não estavam mais surtindo nenhum efeito. Papa tinha virado um simples escravo da mulher dele, dos filhos e filhas dela que se acumularam todos aqueles anos de trabalho árduo no consultório dentário. Não havia gemada possível de fazer a cobra subir. Ou o pinto piar de galo.