Matei dois

Dr. Carlos, em preto e branco, aperta o botão de gravar.

- Miguel, conta aquela história do cara que matou o melhor amigo.

- Putamerda! De novo Dr. Carlos?

- Última vez. Prometo!

- Sefudecaralho.

Primeiro Ato - Cena Única

(Dentro de um quarto à noite. Penumbra no ambiente iluminado por um pequeno abajur disposto no chão. Janela aberta e muitos sons vindo da rua. Mateus assegura trêmulo uma arma).

Mateus – Matei! (grita contra o teto e chora)

Segundo Ato - Cena Um

(Na delegacia)

Cícero – Pode repetir?

Mateus – Sim! (Aperta as mãos contra as algemas)

Cícero – Por que atirou?

Mateus – Foi tudo muito rápido.

Cicero – Oh! Arrombado! Vai pagar cadeia, cê tá ligado?

Mateus – Ele era como um irmão. Nossas mães tinham o mesmo nome. Crescemos juntos. Na mesma rua. Com os mesmos sonhos.

Cicero – Matou?

Mateus – Sim! Matei meu irmão, meu amigo.

Cena Dois

(Na prisão. Três anos depois).

Agente Penitenciário I – Oh! Arrombado. Não limpou o chão. Limpa! Agora! (Esculacha com tapa na cara).

Mateus – Sim, senhor.

(Entra outro agente penitenciário).

Agente Penitenciário II – Mateus? É você? Responde, ganso!

Mateus – Sim, senhor. (Pensa que vai cair. Vai rodar).

Agente Penitenciário II – Vem comigo!

(Caminhada pelo corredor escuro até a uma pequena sala).

Agente Penitenciário II – Hoje chegou o parecer do capa-preta. Pode sair. Junta teus trapo.

Terceiro Ato - Cena um

(Dentro de um consultório deitado no divã. 15 anos depois).

Francisco – Mateus, como foi isso para você?

Mateus – O tempo parou. Lembro de cada segundo em detalhes. Lembro de tudo. Tudo!

Francisco – Quais?

Mateus – Ele fez um barulho estranho. Não entendi. Como um pássaro. Uma vez nós matamos um passarinho com uma pedrada. Lá na nossa rua. O passarinho estava no chão. Não conseguia voar. Não lembro que idade nós tínhamos. Éramos muito sintonizados. A ideia surgiu simultaneamente. Cada um pegou uma enorme pedra. Sinto falta dele.

Francisco – Do que?

Mateus – Ele era uma inspiração. Eu copiava tudo que ele fazia. Às vezes, penso que falo com ele. E, de certa forma, ele virou a minha maldição. Depois que o livro foi publicado e o filme lançado, ele ganhou outra vida. Eu virei uma sombra. Hoje, quando dou entrevistas, começo a inventar coisas que não existiram. Não aguento falar a mesma história zil vezes. Às vezes, penso nele com a arma na mão.

Francisco – O que você acha que teria acontecido?

Mateus – Ele era igual a mim.

Cena Dois

(No Shopping. Muita conversa paralela. Assina o novo exemplar publicado).

Gerente da Livraria – Senhoras e Senhores, o nosso estimado escritor ficará mais 10 minutos. Peço a compreensão de vocês.

Mateus – Não se preocupe. Qual o seu nome?

Quarto Ato

(No céu).

Mateus – Achei que era piada.

Deus – Por quê?

Mateus – Desculpe-me. Estou nervoso. Como posso te chamar?

Deus – Como quiser.

Mateus – Certo! E, agora?

Deus – É Mateus! E, agora?

Mateus – Eu sei. Eu sei. Mas, existe a tal de redenção? Não é?

Deus – Para que?

(Silêncio).

Mateus – Eu sei.

Deus – O que?

Mateus – Eu matei!

Fim

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Dr. Carlos ri de se contorcer.

- Quem inventou essa história?

Miguel exaltado berra:

- Walt Disney!

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 21/10/2021
Código do texto: T7368348
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