MANDY VII - HEITOR - PARTE 2
II – HEITOR
Marco e Amanda foram até a sala de reunião e Heitor já estava com Edu, assessor de Marco, e Bárbara, todos sentados à mesa.
- Boa tarde, Heitor, ele cumprimentou, apertando educadamente a mão do gerente.
- Eu só vim pra colocar os pingos nos is sobre aquela questão do comercial. Ver a que conclusão vocês chegaram.
- Nós só queríamos que você assistisse uma coisa antes da gente discutir. Nós refizemos o comercial com outras duas garotas. Assista primeiro, depois a gente fala.
Heitor se sentou de novo, Marco apagou a luz da sala e colocou uma fita no data show. Todos olharam para a tela branca na parede oposta.
O gerente e eles assistiram ao mesmo comercial feito com Cristina, a garota que Amanda tinha descoberto, com Giovana, outra modelo mirim de sete anos e com Letícia. Ao final, Heitor balançou a cabeça parecendo ter gostado dos três. Marco perguntou:
- O que você achou?
- Ficou bom, muito bom. O conceito do que a gente queria era esse mesmo, mas a que conclusão chegamos? Qual dos três vai ser veiculado?
- Você vai escolher. Você é o cliente.
Marco colocou as fotos promocionais do comercial com os três rostos sobre a mesa na frente dele. Heitor olhou para as três fotos por um momento e apontou para a que tinha Letícia. Marco olhou para Amanda e ergueu as sobrancelhas. Ela captou o que ele estava pensando.
- Tem certeza de que você não preferia a Cristina, a garotinha do primeiro comercial? Nós achamos que ela é ideal para o que você precisa.
- Você disse que eu podia decidir. Essa garota é...
- É o quê?
Heitor ficou em silêncio e olhou para Amanda, Edu e Bárbara.
- O que tem a garota, Heitor?
- Ela é... negra...
- E...?
O rapaz ficou sem saber como dizer e tentou se explicar na maneira mais leve possível.
- Realmente nós queríamos uma criança que se parecesse com a classe que a gente quer atingir, média/baixa, mas...
- Que não fosse negra... Marco continuou, sabendo exatamente o que ele queria dizer.
Heitor se calou e encolheu os ombros. Marco foi até o arquivo atrás da mesa e pegou um pasta preta, colocando sobre a mesa, diante dele.
- Eu quero que você veja essas fotos.
Marco abriu uma pasta onde havia várias fotos grandes de Cristina e de Letícia.
- Se você tivesse que mudar a garota do comercial, quem você escolheria?
Heitor apontou sem pensar para a foto de Letícia e Marco respirou fundo.
- Não é a garota do terceiro comercial que a gente acabou de ver? Eu escolhi ela.
Marco apoiou os braços na mesa.
- Heitor, a AR&MAR trabalha com todos os tipos de criança. De todas as classes. E eu acho que você procurou a agência errada pra fazer o seu comercial. A gente está dispensando essa conta do Banco Itaú. Nós pensamos que vocês quisessem chamar a atenção de pessoas de baixa renda pra atrair um público menos privilegiado pro seu banco. E esse público não tem só crianças de cabelos loiros e de olhos azuis ou verdes. São Paulo é enorme e aqui tem todo tipo de gente.
- Mas eu gostei do trabalho de vocês. O conceito do comercial é exatamente o que eu estava querendo. Custa trocar só a criança?
- Custa. A Cristina é linda também, em todos os sentidos. Se expressa bem e tem carisma.
- Mas essa outra é...
- Essa outra é minha filha e eu não quero que ela faça o comercial pra você. Você está querendo dispensá-la só por ela ser negra. Acho melhor você procurar por outra agência.
Heitor se levantou.
- É sua última palavra?
- É, disse Marco, olhando-o nos olhos.
- Marco, você está fazendo uma besteira. O Itaú é cliente de vocês há três anos, praticamente desde que a AR&MAR começou. Você vai dispensar o banco por...
- Eu não estou dispensando o banco. O Itaú é sempre bem vindo e pode contar com a gente sempre. Eu estou dispensando você.
Heitor olhou para os três por um instante e saiu da sala. Marco apoiou-se na mesa e fechou os olhos.
- Marco, você está certo do que fez? - Edu perguntou. – É uma conta de milhões.
- Eu sei... mas nós fizemos a nossa parte. O comercial está pronto. Se o Superintendente do Itaú estiver disposto a vir até aqui e conversar sobre ele, a gente ainda pode rever tudo, mas eu não abro mão da Cristina. Aquele calhorda racista não vai vencer.
Marco olhou para o teto, fechou os olhos e colocou as duas mãos na cabeça, sentando-se numa cadeira próxima.
- Marco! - Amanda exclamou, levantando e tocando o ombro do marido. Edu e Bárbara também se assustaram.
- Eu acho bom vocês irem pra casa, disse Bárbara. - O dia hoje foi barra. Vai descansar, Marco, aliás, você devia fazer o que eu seu pai está fazendo. Tirar umas férias.
Marco cruzou os braços sobre a mesa e escondeu a cabeça neles.
- Você está sentindo alguma coisa, amor? - Amanda perguntou, preocupada.
- Tontura... ele respondeu. – E... minha cabeça está explodindo.
Bárbara correu e foi pegar uma aspirina e um copo de água e colocou diante dele.
- Toma, Marco, quem sabe resolve.
- Eu vou ligar pro Guilherme, disse Amanda.
- Não... Marco falou.
- Não me diz o que fazer! - ela gritou, o que surpreendeu Edu e Bárbara.
Eles nunca tinham visto Amanda ter uma palavra mais ríspida com o marido. Os dois eram exemplo de um casal em completa harmonia. Aquela reação indicava que alguma coisa errada estava acontecendo entre os dois e não era coisa boa. Ele baixou a cabeça sobre um dos braços e colocou uma mão na nuca.
Depois de ligar para o médico, Amanda pediu aos dois assessores:
- Edu, Bárbara, eu vou levar o Marco a um hospital.
- Eu não vou pra hospital nenhum... ele disse sem erguer a cabeça.
- Então a gente vai pra casa pelo menos, meu Deus! Vocês dois dão conta de cuidarem da agência, sozinhos, por hoje?
- Claro, Amanda, disse Bárbara. – Mas você não vai dizer pra gente o que está acontecendo?
- Não está acontecendo nada, disse Marco, se levantando e indo para a porta.
Amanda saiu atrás dele.
- Vamos, o Guilherme vai encontrar com a gente em casa.
HEITOR
PARTE II
DEUS TENHA O CONTROLE DAS NOSSAS VIDAS
e depois dEle... NÓS MESMOS.
Vamos fazer o que é certo e bom pra nós e para o próximo.