MANDY III - INSEGURANÇA - PARTE 3

III – INSEGURANÇA

Chu levou Marco de volta do Morumbi para Santo Amaro e no caminho Marco foi fazendo um resumo da história toda desde o episódio da pasta que Marcelo tinha entregado para Amanda.

- E desde que eu soube disso, nunca mais entrei no Paralelo, pra não encontrar com nenhum dos dois. Pra evitar problemas.

- Quer dizer que, um carinha é apaixonado pela sua mulher e o outro é apaixonado...

- Não repete, Chu, isso não tem graça nenhuma.

- Não estou achando engraçado. Isso é bizarro demais, cara. É surreal! Essas coisas colocam você finalmente no nosso grupo, Marco. Você acha que ele pode ter se matado por sua causa?

- Eu não posso nem pensar nisso, Chu. Eu não vou conseguir mais viver em paz, se isso for verdade.

- Mas você não fez nada! Se o garoto era fraco de cabeça, que culpa você tem disso?

Marco colocou as mãos no rosto, desnorteado.

- Não encuca com isso, não, garoto. A culpa pode ser de qualquer um, menos sua.

Marco encostou a cabeça na mão apoiada na janela do carro e falou:

- Eu queria entender... o que leva um cara a se matar... por causa de outro cara! Sabe... eu ouço muito falar nesse assunto de... gays, homossexualismo... mas nunca tinha pensado que isso pudesse me atingir tão diretamente como agora. O cara escreveu um bilhete apaixonado pra mim na lição que o Marcelo entregou pra Amanda! Isso atingiu a vida de muito mais gente do que ele imaginava atingir. Não foi só a mim que ele atingiu. Atingiu o Marcelo, atingiu a Amanda, atingiu até meu sogro que agora vai ter o caso de suicídio adolescente no colégio dele.

- Pode crer. Eu não queria estar na pele do seu sogro.

- E de uma coisa eu tenho certeza: muita gente naquele colégio vai parar um pouco pra pensar, antes de dizer alguma gracinha a outros como o Alberto, como faziam com ele. Eu inclusive.

- Você? Não acredito que você...

- Não, nunca fiz esse tipo de bulling contra ninguém, mas... confesso que não gostava muito de conviver com colegas que tivessem tendências homossexuais. Meu pai sempre criticou muito isso, nunca falou diretamente sobre o assunto comigo, mas sei que ele é radicalmente contra.

- Você não é preconceituoso.

- Não sou, mas também não defendo o que eu não conheço. O que não vivencio. Eu me sinto invadindo um campo minado. E esse é um campo que eu não queria invadir nunca, mas que está invadindo a minha vida de um modo brutal. Primeiro o Rubens, agora o Alberto.

- É, amiguinho, a nossa geração anda bem maluca...

- Acho que não é questão de estar maluca, Chu. Está só confusa, mas eu não consigo entender por quê. O que está acontecendo com a gente? Está tudo mundo tão inseguro, tão insatisfeito, sem saber direito o que quer da vida, sem vontade de viver... Eu fico imaginando o que vai ser dos meus filhos...

- Ah, você não me parece nada inseguro, Marco.

- Será que tem a ver com hereditariedade? Criação? Meu pai foi um cara bem rebelde com a minha idade e eu sei que não sou como ele. Seus pais são um casal de chineses tradicionalíssimos, trabalhadores e você é essa... metamorfose ambulante, como dizia Raul Seixas.

- O ser humano é isso, meu caro, está sempre procurando por algo que não pode ter e quando tem o que quer, não sabe que tem. Isso faz com que a busca fique eterna. Você diz que não puxou a seu pai na rebeldia que ele tinha com a sua idade, mas você também é rebelde.

- Não sou...

- É sim, de um jeito mais tranquilo, mais seguro, mas é. Pelo que você me contou, você não moveu céus e terras pra tirar a sua gata do ex-namorado? E não está casado com ela agora?

- Isso não foi rebeldia, Chu...

- Foi sim. Seu pai não queria que você se cassasse antes dos vinte e um e olha você aí, amarrado com dezenove anos.

- Eu não estou amarrado...

- Não estou falando disso, cara! Estou falando de rebeldia, de lutar pelo que se quer e você fez isso. Ainda está fazendo. É uma coisa que a nossa geração perdida está buscando: achar seu caminho, seus objetivos. Eu meio que achei o meu, só que ele é diferente do resto das pessoas, da minha família mesmo. Eu não quero ser igual a eles como um robô feito em série. Eu sou eu. E é isso que você é: um ser humano saído da adolescência, incluído ainda cronologicamente nessa geração confusa de que você falou. A vida é um mistério, colega, e para muitos ela é tão fácil de atravessar que as coisas ruins ficam sempre em menor plano e são logo esquecidas; pra outros é uma barreira intransponível que assusta, que machuca e que às vezes cansa viver. Foi o caso desse garoto. Ou ele se cansou de viver e lutar contra o preconceito das pessoas, ou a barreira ficou muito difícil de ultrapassar, ou os dois, mas isso não tem nada a ver com você.

O carro parou diante do prédio da Otávio Machado e Marco olhou para a janela do seu apartamento. As luzes já estavam acesas.

- A Amanda já acordou...

- Então sobe e cuida da sua gata. Você vai pra faculdade, hoje?

- Vou, eu não posso faltar mais. A gente se encontra hoje à noite e dá uma adiantada no projeto, lá na biblioteca da Anhembi/Morumbi.

- Está certo. E olha: não esquenta a cabeça. Coisas ruins sempre acontecem e vão acontecer muito no futuro. Quando a gente começa a sentir os trancos é porque a gente está crescendo. É o que está acontecendo com você. Eu não quero te ver mais inseguro como agora à pouco. Aquele não era você.

Marco sorriu. Chu saiu do carro, Marco fez o mesmo.

- Não quer entrar e esperar? A gente volta junto. Só vou levar a Amanda aqui na Chácara Flora.

- Não, eu vou pegar um táxi. Não esquenta, não.

- Desculpa e... obrigado, de novo. A gente se vê na faculdade.

- Fica na paz, tchau.

- Tchau, Chu.

INSEGURANÇA

PARTE III

LEIA TUDO QUE TE ELEVA O PENSAMENTO E A ALMA

OU PELO MENOS O QUE ENSINA A ENFRENTAR O INEVITÁVEL!

DEUS ABENÇOE A TODOS OS AMIGOS DAS LETRAS

OBRIGADA E... BOM DIA!

Velucy
Enviado por Velucy em 20/02/2021
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