XI
 
_ Pois ele está no lugar certo – responde Jacira, provocando a mulher._ Ou aqui não é um hospital?
 
_E desde quando você entende de medicina, Suzicreide? – desdenha.
 
_ Eu já lhe disse mais de mil vezes que meu nome não é Suzicreide! – irrita-se. _ Vou precisar desenhar para que entenda? Hum! Sua...sua...
 
_ Sua... sua o quê? Complete a frase, criada! Quem você pensa que é para se intrometer nos assuntos que não lhe dizem respeito? Acha-se muito, quando não passa de uma serviçal de quinta categoria, que se mete na vida dos patrões sem qualquer resquício de pudor. Enxergue-se! Com estas roupas bregas, todas coloridas como se estivesse num circo,  e este cabelo despenteado e sem corte, acabará confundida qualquer dia desses com um andarilho.- Volta-se para Ricardo, que chora copiosamente. _ A tia está aqui e vai cuidar muito bem de você, meu querido!
 
_A senhora não pode falar assim comigo...
 
Marcos a contém.
 
_ E por que não? Sou uma Médici, herdeira de uma das maiores fortunas de São Paulo, e você, quem é? Ah, já sei – seu veneno é cruel-, deve ser outra Silva. E só porque acabaram de eleger um operário à presidência, acham-se no direito de dizer às famílias de bem como a nossa o que devem ou não fazer? Que piada!
 
_Sua bruaca, miserável dos infernos, vou lhe quebrar toda... – grita, sendo novamente segurada pelo chofer.
 
_Segurança!!! – apela a psiquiatra. _Desde quando permitem que pessoas desse tipo frequentem esta casa de saúde, exclusiva aos melhores bolsos da cidade? Pois a retire daqui agora! Vamos, não está vendo que ela está me ameaçando?
 
O homem, sem entender o que está se passando, aproxima-se de Jacira.
 
_ Você de novo não! Não chegue perto, senão eu lhe quebro também. Só porque é homem acha que pode comigo? Se me tocar, não respondo por mim!
 
_ Vamos, meu querido, o carro nos espera! – pede a Ricardo. _ Sei o que está sentindo, os Ferrara me informaram da trágica morte de sua namoradinha. Seja forte, a tia está aqui!
 
_Aonde vai levar o moleque? Aonde? E o que vai fazer com ele?
 
_ Isso não é da sua conta!
 
_Aliás, como nos achou aqui?

_Criada, fui pelo óbvio. Se o pai está na UTI, onde ele estaria?
 
_Aonde vai levar o moleque? Responda! Não vai querer matá-lo também, né?
 
Ricardo está alheio, o que mais deseja é se reencontrar com o Desbravador, não o virtual, mas o real, para que o faça pagar com sangue a morte de Anna; se ele não tivesse disparado aquele e-mail, ela estaria bem, com ele agora, não num caixão, à beira de um buraco.
 
_Criatura! Você está doente! Tem uma imaginação fértil, digna de quem apresenta algum transtorno mental.
 
_Está me chamando de louca? É isso que ouvi, cobra venenosa? Fale! – perdendo as estribeiras, parte para cima dela com os punhos cerrados;  contida por Marcos e o segurança, não consegue acertá-la._ Me soltem! Me soltem! Preciso ensinar uma lição a essa coruja de nariz empinado.
 
_ Pare com isso!!! – grita o chofer. _ Você está descontrolada! Quer bater numa Médici? Que doideira é essa,  mulher?
 
_ E você cale a boca, senão também lhe parto no meio, seu filhote de cruz credo!
 
_Meu querido, levante-se deste banco, o clima está muito pesado aqui, precisamos sair, Jarbas nos espera no carro. Vamos, Ricardo!
 
_Você não vai tirar meu moleque daqui não! Não vai! Pode tentar me atingir, mas a ele não, porque antes terá de passar por cima de mim.
 
_Por cima de você? – gargalha. _ Não pensarei duas vezes! Insista neste joguinho de gato e rato que saberá do que realmente sou capaz.
 
_ Está me ameaçando? – vira-se para o segurança. _Pois e agora, sujeito, o que fará? Vai deixar que ela me afronte desse jeito? Bastou que eu lhe dissesse algumas ofensas, para que você viesse correndo; agora, testemunha ocular do ocorrido, não vai fazer nada? Pois exijo o mesmo tratamento, sou uma pessoa de bem, pago minhas contas todas em dia, tenho o nome limpo e muita vergonha na cara. Já ela...
 
_Tenho nojo de você! – Márcia cospe num guardanapo retirado da bolsa.
 
_Não está vendo, ela está me humilhando, chame a polícia! – exige, fora de si.
 
_ Pobre adora polícia! – debocha. _ Como não tem carro, usa a viatura como se fosse uma limusine. Além de feia, é barraqueira! Que ser desprezível!
 
Jacira escapa dos dois e nela desfere um tapa que a derruba.
 
_TIA!!!!!! – grita o rapaz, resgatando-se da letargia.
 
_ Nunca mais diga essas coisas de mim, sua vagabunda! – esbraveja a empregada, com a saliva acumulada nos cantos da boca.
 
_ Ela me machucou, Ricardo! Veja!– a face está da cor do sangue. _Eu não merecia! – faz-se de vítima, manipula a situação, aproveitando-se da fragilidade emocional do rapaz.
 
_Como Dona Nathalia sempre disse, a senhora não presta, é a ovelha negra dos Médici - continua, segurada agora pelos dois homens.
 
_ PARE, JACIRA! PARE COM ISSO! PARE! EU ORDENO!- brada o filho de Leonardo.
 
_Ricardo, o que há, meu filho? – pergunta a empregada, surpresa com o rapaz, que a visualiza com os olhos injetados de um ódio  descomunal.

_E DESDE QUANDO SOU FILHO DE UMA EMPREGADA? – compra as dores da tia. _Porte-se de acordo senão a demitirei! Como me enganei com você, CRIADA!  
 
_Ri-Ri-Ricardo? Eu...eu...- assusta-se com as palavras do rapaz, engolindo o choro-... Você nunca falou assim comigo! Eu só queria o seu bem! Me perdoe!  
 
_Isso mesmo, meu querido, à senzala o chicote – incita a psiquiatra.
 
_E desde quando uma empregada como você, semianalfabeta, que vive à custa do dinheiro de minha família há anos, decide o que uma pessoa como eu deve ou não fazer? Você pensa que é quem, Jacira? A dona do dinheiro? Coitada! Você não é nada e jamais será; é apenas uma sombra daquilo que somos, um encosto... Ouviu?

_Ric...Ricardo...

_SEU RICARDO! – corrige-a, rilhando os dentes. _ Estou farto de suas graças, de seus comentários maldosos sobre minha tia, de seu comportamento fora do patrão. Aliás, deve-lhe um pedido de desculpas.


_ Desculpas ? Ferrô! – comenta Marcos consigo mesmo. _ Agora Jacira está conhecendo o verdadeiro Ricardo. Cruzes!

_Seu...seu... – os olhos dela enchem-se de lágrimas... Eu não mereço isso! Eu não mereço! Sempre prezei por sua felicidade e a de sua família e mal nenhum lhes faria.
 
_Coloque-se no lugar, criada! – debocha Márcia, com um largo sorriso no rosto. _ E quanto às desculpas, guarde-as para você, afinal, o que me adiantariam palavras que não carregam sinceridade?
 
_A senhora não quer que ela lhe peça desculpa? – pergunta o sobrinho.
 
_Não precisa, meu querido, gente como ela não me atinge; até pensa, mas somos de uma casta superior, entende? Agora vamos embora, o Jarbas nos aguarda.
 
Retiram-se.
 
_A senhora me desculpe, dona, esta mulher é o cão, toda vez que ela vem aqui, faz de minha vida um inferno – pede o segurança, compadecido de sua dor._ Dá última vez, ameaçou falar com meu chefe para que me demitisse... Tenho dois filhos e preciso muito deste emprego!
 
_ O que foi aquilo, Jacira do  céu? O moleque ficou contra você! Meu Deus, quando isso aconteceu? – comenta o  motorista.
 
_ Me deixe, me deixe em paz, seu fofoqueiro – diz, pegando sua bolsinha surrada e se dirigindo à saída.
 
_ Para onde vai? Deixe que eu a leve!
 
_Me deixe, quero ficar sozinha, será que é possível? – tenta segurar o choro. _ Será?
 
Seu desejo é sair do hospital, encontrar a rua, voltar à mansão, juntar suas coisas e sumir de vez da vida daquele moleque ingrato, que tanto amou, recebendo por sua dedicação, palavras torpes do tipo “... você é apenas uma sombra daquilo que somos, um encosto...”, que doem mais que pedradas.

Apesar de toda a decepção, não o condenava; intrinsecamente o amava. Era o filho adotivo que Deus lhe enviara! Uma cópia perfeita de Nathália, a patroa a quem sempre cultuou.
 
Do jardim do hospital, contempla a escuridão. Está descrente de tudo e não se preocupa mais com nada, quer apenas partir, pegar suas coisas e cair no mundo. Chega de família Médici, de Ricardo, dessa gente que não valoriza toda sua dedicação.
 
Coberta por uma fina blusinha, segue em direção à rua, quer logo reencontrar a vida que deixara no interior, tentar ser feliz ao lado daqueles que há anos não tem notícias.

A noite está muito fria, a lua encoberta por nuvens negras, relâmpagos por todos os cantos...

Sozinha, ela prossegue pelas ruas escuras da região. Por mais que negasse, sentia remorso de partir, principalmente por saber que nesse momento, ao se inteirar da morte de Anna, Ricardo poderia estar ainda mais alquebrado, à beira do caos, precisando de um colo para chorar... Ei, que pensamentos são esses que lhe emanam do âmago? Ricardo não precisa de nada, muito menos dela, um encosto, sombra daquilo que ele é, como ele mesmo havia dito. Então...

O vento agitado corre sem destino, prenunciando uma tempestade. Minutos depois, gotas do céu beijam a terra.

Encolhida junto ao tronco de uma árvore, Jacira procura se proteger, quando por loucura ou sensatez, ouve alguém lhe chamar. Ao virar-se, nada encontra. Receando a presença de algum estranho com ideias mirabolantes, decide se retirar e prosseguir a caminhada, mesmo debaixo da chuva. Ao atravessar a rua, a voz novamente lhe chega em forma de arrepio.

Desesperada, corre, tropeça num desnível da calçada e cai. É nesse instante que a aura levanta seus cabelos e a voz, suave como a de um querubim, sussurra-lhe aos ouvidos. Com os olhos semicerrados, percebe algo se apoderar de seu espírito; o corpo, extenuado, já não mais resiste aos apelos da estranha força e se entrega... A razão lhe falta! Alçada a um estágio metafísico, a boa empregada sente sua alma voar, tocar o infinito, reabrir o baú da eternidade e nele imergir, como se estivesse à procura de algo que pudesse confortá-la. O cheiro de rosas incendeia o lugar, vozes guerreiam entre si, e os ponteiros do relógio, livres do controle do tempo, giram em sentido contrário, momento em que passado, presente e futuro se se encontram, realidade e ficção se enfrentam, sonhos e pesadelos se fundem...


Com um belo sorriso irradiando a face, Nathália quer a opinião de Jacira, precisa escolher a roupinha de Ricardo, que em poucas horas virá ao mundo, selando o amor que sente pelo marido.

Humilde, a empregada auxilia a patroa na escolha do que levará para o hospital. As duas sorriem, a felicidade é demasiada, muito em breve receberão o novo membro da família, um ser aguardado com muito carinho.

Marcos entra no quarto e avisa que está tudo pronto. Jacira ajuda Nathália a descer a escada e a conduz até o veículo. Depois de acomodá-la, prepara-se para fechar a porta e voltar para a cozinha, quando é surpreendida por um pedido:


_ Venha comigo, Jacira! Você é a minha melhor amiga! Esse filho não é só meu e de Leonardo, é seu também! Afinal, você não é empregada dessa casa, é um membro da família, a quem amamos assim como ao pequeno Ricardo, que em pouco tempo estará a nos deixar loucas com suas brincadeiras...Venha, compartilhe de minha alegria! Por favor!

Com os olhos cintilando, a mulher adentra o veículo e a beija na face – singelo agradecimento pelas belas palavras de reconhecimento.

Horas se passam, Leonardo não comparece ao parto, diz estar em uma reunião de negócios; bem verdade seria se o caso com Gabriel pudesse ser considerado um negócio!


Nathália dá à luz o pequeno em um dia de junho, comum como tantos outros, mas especial para as duas mulheres, que comemoram juntas a chegada do herdeiro de todo o império Médici.

_ Jacira, prometa-me jamais deixar meu filho, estando sempre ao seu lado, ainda que ele possa vir a lhe magoar; prometa assisti-lo e confortá-lo das angústias desse mundo, caso eu lhe falte! Por favor! – pede Nathália, enquanto amamenta o garoto.
 
_ Por que me faz este pedido, Suzicreide?
 
_Você e essa tal de Suzicreide... De onde tirou isso? – pergunta, sorrindo com uma delicadeza encantadora.
 
Jacira se cala.
 
_O que foi? Eu a magoei?
 
_Não, senhora! Longe disso! Mas se eu lhe contar, promete nunca comentar com ninguém?
 
_Nossa! -  assusta-se. _ Se não quiser falar...
 
_Eu quero, ainda mais diante de um anjinho desses, que Deus lhe presenteou.
 
_Fale então...
 
_Suzicreide é a junção dos nomes de Suzinete, minha avó, e Creide, minha mãe. Foi o nome que dei à minha pequena, que diferentemente de seu menino, nasceu morta, deixando um buraco enorme no coração desta mãe e de toda a sua família – os olhos brilham. _ Depois que a enterramos, meu marido, revoltado com a vida, perdeu-se na cachaça e sumiu no mundo, deixando-me para trás. Quando eu pegava as roupinhas dela, sentia que ela não havia partido, por mais que a morte dissesse o contrário. Ainda me lembro, num daqueles momentos em que a saudade aperta o coração e a gente deseja estar morta, minha bisa, uma idosa de sei lá quantos anos, deu uma risada ao me ver e disse: “Converse com Suzicreide! Ela está aqui! Ouça”. Todos achavam que ela estava doida, a idade era avançada, menos eu. Alguma coisa nas palavras dela me encorajaram a tentar. E o fiz. Quando disse o nominho dela, senti meu coração ser tomado pela paz. Ela estava mesmo ali e me ouvia. Minha bisa tinha razão! Assim, todas as vezes que cito o seu nome, tenha certeza, estou a conversar com ela, que mesmo após a morte, não me deixou. É a minha eterna companhia!
 
Nathalia se emociona com a história.
 
_A senhora vai me mandar embora?
 
_ E por que o faria?
 
_Da última vez que contei a uma patroa, ela me pôs pra fora da casa a vassourada, dizendo que eu tinha pacto com o demo, acha, Suzicreide?
 
_Venha cá! – dá-lhe um abraço bem forte. _ Você já faz parte de nossa família e seu segredo estará para sempre guardado em meu coração. Continue a conversar com sua menina, certamente ela a ouvirá.
 
_ Mas, me responda, senhora, por que me faz tal pedido?
 
Olhando o céu pelas frestas da janela, a esposa de Leonardo não encontra palavras para se justificar.

_ Senhora...?! – chama a empregada. _Tudo bem?

_ Não sei...Apenas prometa!

_Sempre estarei ao lado dele, confie em mim!

Nathália sorri em sinal de gratidão. Jacira leva o menino para o berço, para que ele possa descansar um pouco.

Acomodando-o como se fosse seu, promete:

_ Eu sempre estarei contigo, moleque! Prometo!

_ A sinhora intá beim?!? – pergunta o nordestino ao se aproximar com um carrinho de reciclagem em que carregava a mulher e o filho._ Vi quandu  tropeçô, foi um tombo daqueles, parecia intá fugino de argo...Consegui si levantá? Si quisé, nóis podi í ao hospitar, apesar qui o qui atendi probi fica beim longi... Nóis vai passá a noiti caminhanu!

Desorientada pela queda, a mulher ignora a dor, passando apenas a perguntar pelo herdeiro dos Médici.

– Quem é Ricardo, muié? Não há mais ninguém aqui aléim di nóis i temu di aporveitá qui a chuva parô pra procurá um lugá pra passá a noiti. Isperi! –passa a mão pela face dela. _ A sinhora intá sanguano... Maria – grita pela esposa.
 
_Qui é? – responde, saindo do carrinho com o bebê no colo.
 
_Traiz um paninho aí, a muié bateu o coco e si quebrô.
 
_Tó! Tá qui!
 
_Quem são vocês? – pergunta a empregada.
 
_ Nóis é genti que veio di longi atrais di trabaio i o qui achamos foi só tristeza, mas a genti num abaxa a cabeça, como muitos faiz, a genti infrenta a vida, pruque um dia o cér há de oiá pru noís.
 
_Beba água, dona, vai si sinti mió – pedi Maria. _ Não percisa sintí nojo, nóis é probi, mais ié limpinhu.
 
Ela o faz.
 
_E como se chamam? – indaga, admirada com os cuidados daquele casal.
 
_Ieu me chamu José, ela Maria  i u minino Jisuis.
 
_Como na Bíblia... – sorri. _ E de onde são mesmo?
 
_O que estão fazendo com ela? – grita Marcos, pulando do carro. _ Fora daqui seus mendigos.
 
_Pare!Você está louco?- assusta-se Jacira.
 
_ Eu não sei, tia! – responde Ricardo, chegando a uma bela residência nos Jardins.
 
_ Sei da história do e-mail – revela a psiquiatra.
 
_ Mas...mas...como?
 
_Todos de nossa estirpe o receberam, esqueceu-se? É realmente assustador. Mas, me diga a verdade, você é mesmo homossexual?
 
_ Claro que não! Não fui eu que escrevi aquilo, foi o Desbravador, aquele ser da internet. Ele acabou com minha vida. E o porquê eu não sei!
 
_Deve ser um pervertido!
 
_Vou pedir ajuda à polícia, pelo que pesquisei, eles conseguem rastrear o IP da máquina do infeliz.
 
_Po-polícia? Não! Não pode! – adverte-o, temerosa.
 
_E por que não?
 
_Ricardo, meu querido, quer enterrar na lama o sobrenome de nossa família? O que não dirão os Marcondes, os Dumont, os Safra...? O escândalo seria pior. Nem pensar! Deixe tudo como está, logo cairá no esquecimento, afinal, sabe como são imediatistas aqueles que pertencem à nossa classe.
 
Entram na casa.
 
_Eu preciso de um notebook. Posso pegar o seu, tia?
 
_ E o que pretende fazer?
 
_Quero reencontrar aquela figura.
 
_ E como fará isso? Há milhares de salas de bate-papo.
 
_Ele é uma criatura terrível, de uma onipresença digna de um deus.
 
_Você está tomando seus remédios, querido?
 
_Não estou louco, tia, se é isso que quer saber.
 
_ Imagine! Mas me responda, você tem o histórico das            conversas? – pergunta, com uma estranha curiosidade.
 
_Sim! Vou lhe mostrar. Está salvo em minha caixa postal.
 
_Realmente é assustador! Este ser é mesmo um demônio! - indigna-se a mulher.  
 
_ Por isso preciso encontrá-lo para o acerto de contas.
 
_ E o linguajar? Digno de autores consagrados da literatura nacional...Impressionante! Pensava que fosse fruto de sua imaginação! 
 
_É assim que ele envolve suas vítimas e as leva à ruína... Faz do idioma uma arma!
 
Vasculha sala por sala, até que exaurido, desiste. Márcia o abraça.
 
_ Ele não pode acabar com a vida de tantas pessoas e sair impune – diz o rapaz._ Quero o seu sangue em minhas mãos, entende? ENTENDE? Vou tentar mais uma vez...
 
_ Compreendo, querido, mas deixe isso de lado agora, precisa tomar banho e descansar um pouco, amanhã o dia será longo com o velório e o enterro de Anna.
 
_ Como sempre a senhora tem razão – dá-lhe um beijo e se retira.
 
_IDIOTA!!! – gargalha, assim que ele já não pode mais ser              avistado. _Tenho de dar os parabéns ao Gabriel, a ideia dele foi mesmo fantástica.
 
À espreita, após retornar do banheiro por não encontrar a toalha, Ricardo ouve parte do que ela dizia e se assusta.
 
_Quem é Gabriel? Do que ela está falando? Será que Jacira tem mesmo razão? Não pode ser!
 
O remorso lhe cai sobre os ombros.