A conspiração do mal

A CONSPIRAÇÃO DO MAL

Miguel Carqueija


INTRODUÇÃO

PATÓPOLIS EM POLVOROSA


Eram duas horas da madrugada, em Patópolis, quando o telefone tocou estridentemente na mesa de cabeceira do Mickey. Estremunhado de sono e resistindo à tentação de jogar o aparelho longe, Mickey estendeu o braço e pegou o fone. Seu “alô” saiu fraco e cansado, mas em resposta ouviu a voz grossa e perfeitamente acordada do Coronel Cintra:
— Mickey! Felizmente consegui achá-lo! Temos uma grande emergência!
— Do que se trata, Coronel?
— Você nem queira saber! Os maiores criminosos de Patópolis acabam de fugir da penitenciária!
— O que? Não posso acreditar!
— Mas é a pura verdade! E nós estamos em polvorosa!
— Mas quem são esses criminosos?
— Como quem são, Mickey? Você os conhece muito bem!
— Temo que sim, mas vá dizendo quem são eles.
— Para início de conversa, todos os Irmãos Metralha.
— Glup! Eu sabia!
— E o João Bafodeonça!
— Ui! Eu sabia!
— E por fim, também o Mancha Negra!
— Eu estava torcendo para que pelo menos esse ainda estivesse atrás das grades...
— Bem, Mickey, agora você já sabe o essencial. Quando é que pode aparecer aqui na chefatura?
— Coronel, acho que não vou mesmo conseguir voltar a dormir...
— Então você vem agora?
— Primeiro eu vou acordar o Pateta...
— Oh, não, Mickey! O Pateta não! Ele é bobo, burro e trapalhão! Ou você não sabe disso?
— Sei disso melhor do que ninguém, Coronel Cintra. Mas em serviços de detetive só sei trabalhar com o Pateta ao lado. Sabe como é... todo Sherlock precisa de um Watson.
— Está bem. Traga ele, mas vigie-o bem para que não cometa besteiras! E não demorem a chegar!
— OK. Tchau!


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Mickey não apreciava sair de madrugada, mas pegou o sonolento Pluto e se dirigiu de carro até a casa do Pateta. Não tentou telefonar, pois sabia que o Pateta mantinha um martelo na mesa de cabeceira para casos desse tipo. O jeito era tocar a campainha, mesmo.
Enrolado no cobertor o Pateta resmungou contrariado:
— Preciso mandar consertar essa campainha! Ela sempre toca quando estou no banho e agora também quando estou dormindo!
Mas atendeu cinco minutos depois, bocejante:
— Oi, Mickey, então é você... uá... qual é o problema?
— Pateta, desculpe te acordar a essa hora, mas é uma emergência e tanto.
— Ah, já sei! Com certeza os Metralhas, o João Bafodeonça e o Mancha Negra fugiram da prisão!
— Jesus! Como é que você sabe disso?
— Ora, Mickey! E o que mais podia ser?
Às vezes até o Mickey ficava perplexo com a lógica do Pateta.
— Está bem. É isso mesmo! Você pode me acompanhar até a chefatura? Sei que é muito tarde, mas...
— Não, Mickey, não é muito tarde! Do meu ponto de vista é muito cedo!
— Bem, dá para você ir?
A resposta do Pateta foi um longuíssimo bocejo e espreguiçar de seus compridos braços; até o Pluto, influenciado, acompanhou o bocejo. Mickeu teve que rir.
— Pateta, eu acho melhor a gente entrar e tomar um café para reanimar. Deixe que eu faço, já que estou mais acordado que você.
Minutos depois Mickey coava o café enquanto Pateta trocava de roupa. Tomaram café com biscoitos “cream-cracker”, dando alguns ao Pluto, e aproveitaram para trocar ideias:
— Afinal — disse o Mickey — como pode ter fugido tanta gente de uma só vez?
— Ora, Mickey! Só tem a mais o Mancha Negra e o Bafo! Os Metralhas, quando fogem, fogem todos juntos...
— É... uma quadrilha incrível...
— Além disso, quem foi que disse que o Mancha e o Bafo vão querer agir com eles? Nunca fizeram isso antes!
Mickey pousou a xícara fumegante no descanso e refletiu:
— Você dessa vez está com a razão, Pateta. Eles são muito diferentes entre si. O Bafo é mais do tipo gangster, os Metralhas agem como uma família unida no crime, e o Mancha Negra é um vilão sinistro com ideias megalomaníacas. Provavelmente seguiram três caminhos diferentes e vão até combater entre si se vierem a cruzar novamente os caminhos...
— Ainda bem que não tem mais vilões no meio.
O celular do Mickey tocou. Este verificou pelo identificador de chamadas que se tratava do Coronel Cintra.
— Alô, coronel?
— Mickey! Onde você está?
— Na casa do Pateta! Já vamos seguir!
— Não demore! Eu tenho uma péssima notícia!
— O que? Mais uma?
— O Professor Gavião também fugiu!



CAPÍTULO 1

PÂNICO NA CAIXA FORTE


Quando Mickey e Pateta — com o Pluto a segui-los — entraram no gabinete do Coronel Cintra, tiveram a surpresa de lá encontrar o arquimilionário Patinhas, o pato mais rico do mundo, acompanhado pelo Peninha.
— O que fazem aqui a essa hora? — indagou Mickey, surpreso.
— Você ainda pergunta? — o velho pato foi taxativo. — Com certeza sabem das últimas notícias.
— Estão aqui só por causa da fuga dos Metralhas? — perguntou o Pateta.
— Acha pouco?
O Coronel Cintra esclareceu:
— O Sr. Patinhas soube dessas fugas e está preocupado com a segurança de seus bens.
Mickey visualizou a monstruosa figura da caixa forte, aquela imensa construção quadrada que dominava Patópolis e que também era uma espécie de fortaleza particular do pato bilionário. Diante das garantias daquele refúgio monetário, a ameaça dos Irmãos Metralha parecia irrisória.
— Ora, Senhor Patinhas! — o Mickey não ocultou o ceticismo. — Eles nunca conseguirão penetrar nesse local!
— Ladrões conseguem entrar em qualquer lugar, se a gente bobear — respondeu o velho pato, de mau humor.
Peninha bocejou longamente, por certo contrariado em estar ali em hora tão tardia. Mickey achava que a presença de Patinhas só iria atrapalhar e procurou ser objetivo:
— Vamos aos fatos, coronel. Temos alguma pista dos bandidos?
— Até agora nenhuma, Mickey. Mandei vigiar todas as saídas de Patópolis, é claro.
O telefone tocou estridentemente e Cintra atendeu-o com relutância, depois de olhar o aparelho como se temesse ser mordido por ele.
— Alô! Sim, é o Coronel Cintra. Ah, Senhor Prefeito? Sim, estamos agindo. Sim, Senhor Prefeito, o Mickey já se encontra aqui! Não, Senhor Prefeito, não descansaremos enquanto não capturarmos a todos! Sim, Senhor Prefeito, já enviamos fax para as cidades vizinhas! Sim, Senhor Prefeito,cancelei todas as folgas! Não, Senhor Prefeito, não deixaremos que se crie pânico! Está bem, Senhor Prefeito! Obrigado, Senhor Prefeito! Boa noite, Senhor Prefeito!
— Era o prefeito — esclareceu Cintra, repondo o fone no gancho.
— Não diga! Eu jamais teria adivinhado — ironizou o Peninha.
— Bem, o que ele queria? — indagou o Mickey, ainda mais entediado.
— Queria resultados, é claro. Olhem, vocês me desculpem, mas agora eu terei que tomar sérias providências. Você já tem algum plano, Mickey?
— Está brincando, Coronel. Tresnoitado como eu estou? Tudo o que eu quero saber é como eles conseguiram fugir.
— Tudo indica que se trata de uma invenção do Professor Gavião. Seja lá o que for, os guardas penitenciários ficaram meio abobalhados e aí a turma escapou facilmente.
— Algum tipo de hipnotismo? — indagou Patinhas que, bem mais do que Pateta ou Peninha, estava antenado com a conversa.
— É só o que eu posso imaginar — admitiu o policial.
Mickey recolocou o chapéu.
— Vamos embora, Pateta. Vamos dormir algumas horas e começar a agir.
Patinhas sobressaltou-se.
— Espere, Mickey! Como é que eu faço?
Para Mickey interferências no seu trabalho eram importunas e prejudiciais. Já não bastava aquele porco corrupto que ocupava a prefeitura, e arriscava-se agora a ter que bancar a babá do milionário?
— Senhor Patinhas, o Pateta e eu teremos de rastrear os meliantes em fuga. Quanto à proteção de sua caixa-forte, bem, o senhor não convoca sempre os seus sobrinhos?
— Humpf! Não sei se isso aumenta ou diminui a minha segurança! Quando eu penso nas minhas pobres pratinhas expostas à cupidez daqueles bandidos gananciosos... às vezes, de tanta preocupação, passo as noites em claro, vigiando meu dinheirinho...
— Puxa! — disse o Pateta, após um longo bocejo — Ainda bem que eu não tenho um tostão!
— Falou e disse! Vamos embora, Pateta! — chamou o Mickey, sorrindo e pensando em como, às vezes, a inocência é quem fala mais certo.
O Comissário Simak cruzou com Mickey, Pateta e Pluto quando os três se retiraram e dirigiu-se ao Coronel Cintra:
— O senhor está pronto?
— Ah, sim! Senhor Patinhas, eu tenho que sair para dar uma batida pela cidade. Quer que destaque um policial para escoltá-lo? Posso ceder um carro para acompanhar o seu até sua residência mas depois ele terá de voltar, estamos com falta de pessoal e a emergência é muito grande.
— Está bem, isso é melhor que nada. Vamos, Peninha. Ei, Peninha, acorde, seu dorminhoco!
Assim dizendo Patinhas aplicou uma bengalada na cabeça do Peninha, que acordou à força e acompanhou resmungando o velho pato.
Mais tarde, na caixa-forte, encontraram os outros já convocados e que por lá aguardavam: Donald e Gastão.
— Por que o Huguinho, o Zezinho e o Luisinho não estão aqui? — indagou o quaquibilionário.
Donald parecia meio agastado:
— Tenha dó, Tio Patinhas! É madrugada e eles são crianças!
— É, mas têm muito mais juízo que você! De qualquer forma nós temos que planejar, rápidos, uma estratégia! Ouviu, Gastão? Você não parece nada preocupado!
Refastelado numa poltrona, os pés num puf, Gastão respondeu displicentemente:
— É claro que não, Tio Patinhas! Eu nunca me preocupo com nada! O senhor é que se estressa muito!
— O que é a irresponsabilidade...
— Bem, o que é que o senhor quer da gente, afinal? — indagou o Donald, tentando ser objetivo.
— E você ainda pergunta? Ora essa, vocês têm que me ajudar a proteger a minha caixa-forte!
— Tio Patinhas — interveio o Peninha, entre um bocejo e outro — não é porque nós três somos desempregados crônicos, que o senhor pode achar que não temos nada para fazer!
— É exatamente isso que eu acho!
— Mas, Tio Patinhas, nós não somos especialistas em enfrentar bandidos perigosos! Eles têm o péssimo hábito de atirar na gente com armas de fogo!
— Por que é que eu tenho que ter parentes tão medrosos, afinal de contas? Eu, que atravessei as vastidões geladas do Ártico, que passei por tornados e avalanches, mergulhei no fundo dos oceanos, enfrentei salteadores de estrada e canibais da Oceânia...
— Tio Patinhas — respondeu o Peninha, entediado — muito pior que tudo isso é controlar o Biquinho, e eu faço isso diariamente!
O Gastão sugeriu:
— Tio Patinhas, se isto o deixa feliz, posso acampar aqui na sua caixa-forte e protegê-la com a minha sorte. O que acha? É claro que terei de ser bem alimentado.
Patinhas não respondeu de imediato. Ficou pesando a relação custo-benefício e quase chegou à conclusão de que seria melhor correr mais risco de roubo que aturar o Gastão todo dia.




CAPÍTULO 2

O PLANO MALIGNO


Da entrada da caverna, mãos ocultas por um pano escuro manipulavam um binóculo assestado na direção do continente.
— É espantoso — murmurou o Mancha Negra — como eles aparentemente nem pensam em nos procurar aqui, tão perto!
— Eu também acho — respondeu João Bafodeonça. — A princípio achei uma loucura essa ideia do Gavião. Mas ainda acho essa calmaria de curta duração. O Mickey vai acabar se lembrando de procurar na Ilha dos Piratas!
O Metralha 176-671 deu o seu palpite:
— O que é que vocês dois vêem de tão especial nesse tal de Mickey? Ele nem é da polícia!
— Sim, mas é bem mais eficiente que o palerma do Coronel Cintra — esclareceu o Mancha Negra. — Em todo o caso, Bafo, ele não é infalível. Talvez nem venha a se lembrar dessa ilha, ou só se lembre quando for tarde demais.
— Não sei quanto tempo vamos aguentar aqui, vivendo de pesca — queixou-se o 671. — Nós queríamos estar lá em Patópolis, arrombando a caixa-forte do velho Patinhas!
— Nós? Você quer dizer vocês, os Metralhas? Sempre os achei medíocres. Vocês simplesmente têm essa ideia fixa no cofre do Patinhas e não pensam em outra coisa.
— Onde mais nós vamos encontrar tanto dinheiro?
— A questão não é só dinheiro — disse o Bafo. — Tem o poder, também, que é até mais importante.
O Metralha 176-176 apareceu chamando:
— Gente, vamos para o salão! O Professor Gavião está convocando uma reunião!
— Esse sujeito rima demais... — murmurou o Mancha Negra, que no íntimo fazia pouco caso daquele bando de presidiários.
Seguiram todos até o “salão”, na verdade uma grande caverna cheia de bancos de pedra talhados pelos antigos piratas. O lugar tinha sido, na verdade, utilizado como quartel-general no século XVIII, pelo terrível Pato Kid.
O Professor Gavião tinha improvisado uma mesa e, sentando, pôs-se a explanar os seus planos:
— Se vocês refletirem bem verão que nós somos no momento a fina-flor do submundo de Patópolis e precisamos aproveitar essa oportunidade ímpar em que nossas forças estão reunidas.
— Tudo bem — disse o Bafo, impaciente. — Mas qual é a sua ideia? Qual é esse grande golpe do qual você tanto fala?
— Não se esqueça — apressou-se a lembrar o 176-617 — que a caixa-forte estará super-protegida!
— Caixa-forte? Que idiotice é essa? Nós não vamos assaltar a caixa-forte do Patinhas!
— Mas o que mais vale a pena? — insistiu o Metralha.
— Nós vamos nos apossar de uma preciosidade que se encontra no Museu Arqueológico de Patópolis e que vale uma fortuna incalculável!
— Museu? — Bafo parecia desapontado. — O que pode ser tão valoso? Uma estátua?
— Não, Bafo — disse o Gavião, esfregando as mãos. — Vamos pegar o túmulo do Faraó Tutacomo, que é todo feito de ouro!
— Será que a ideia é boa? — indagou o Mancha Negra, procurando ser frio e objetivo., — Haverá algum receptador que se disponha a comprá-lo? E a coisa deve pesar uma estupidez!
— Nem tanto, Mancha. Somente uma tonelada e meia. Nada que o meu raio antigravitacional não possa resolver.
— Isso está me cheirando a encrenca — disse o Bafo, acendendo um charuto malcheiroso. — O Mancha Negra tem razão, nenhum receptador que não seja louco irá comprar esse esquife. Seria facilmente reconhecido!
— Não vamos fazer nada disso. Vamos derreter o ouro e transformá-lo em lingotes, seus tontos. Ouro é ouro, não importa que tenha modelado isso ou aquilo!
O Mancha Negra assumiu uma postura de reflexão:
— Hum! A ideia não é de todo má. Se bem que é com dor no coração que eu destruiria uma obra de arte e de valor arqueológico...
— Está ficando de coração mole, Mancha? — casquinou o Metralha 617-716.
— É claro que não, idiota! O dinheiro é mais importante! E como vocês, Metralhas, são uns broncos desprovidos de sensibilidade, vocês é que vão fazer esse trabalho sujo! Eu nem vou olhar!
— Não nos insulte! — gritou o 176-617. — Nós aqui somos maioria!
— E que adianta isso se vocês não têm cérebro?
— Basta! — interrompeu o Gavião. — Não ganhamos nada brigando entre nós! Temos de estar preparados é para enfrentar os nossos inimigos!
— Ah, é? E quem são eles além do Mickey? Ninguém mais tem capacidade... — objetou o 176-671.
— Não é tão simples, 176-sei-lá-o-que. Tem aquele inventor maluco, o Pardal, que é meu velho inimigo. E tem o Patinhas, que é osso de tutano como vocês sabem.
— Patinhas não irá interferir se não mexermos com a caixa-forte — ponderou João Bafodeonça. — Mas o Coronel Cintra...
— É um paspalho — sentenciou o Gavião. — Mas não vamos cantar vitória antes do tempo.


CAPÍTULO 3

ENTRA EM CENA O BERLOQUE GOMES


Mickey deixou Pateta em casa e comprometeu-se a buscá-lo na parte da tarde, quando o amigo já teria dormido o bastante. Depois apressou-se a voltar para sua própria casa, para tentar tirar algumas horas de sono.
Deixou o Pluto na casinha e subiu para o seu quarto. A casa, pensou, andava muito vazia ultimamente sem Chiquinho e Francisquinho para aprontar. Mas como participar de uma longa e perigosa investigação sem alguém para cuidar do Pluto? Mickey vestiu o pijama e resolveu adiar aquela elucubração.
Minutos depois já dormia a sono solto.

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É claro que, ao despertar, ele já tinha uma solução: o Pluto iria com ele onde fossem. Já tinha sido feito antes. Só não podia esquecer de levar bastante ração no carro.
Dirigiu-se então à casa do Pateta. Pelo rádio ouviu notícias sobre a fuga dos bandidos, que não pudera ser abafada. Para piorar o prefeito dava declarações intempestivas, exigindo resultados imediatos (sic) da polícia.
Mickey porém já bolara mesmo em linhas gerais uma estratégia a seguir. Só pedia a Deus que Patinhas, Donald e Peninha não interferissem pois, no seu entender de rato pragmático, eles só iriam atrapalhar.
— Pateta — explicou então o Mickey — nos nossos vários embates com o Bafo e o Mancha eu guardei anotações sobre diversos esconderijos que eles utilizaram no passado. Se ainda estiverem disponíveis, devem estar em algum deles.
— Isso sim, é uma boa ideia — concedeu o Pateta. — Mas e os esconderijos dos Metralhas?
— Mesmo desses eu tenho duas indicações. Mas os Metralhas só têm número, acredito que prevalecerá algum esconderijo do Mancha, isso se eles ficarem juntos; de qualquer maneira o Mancha e o Bafo são mais importantes, mais perigosos, a prioridade a meu ver é pegar esses dois.
— E o Gavião?
— O Professor Gavião... até me esqueço dele. Mas esse aí não é mais que um charlatão e um ladrão de invenções. Se o Coronel Cintra chamar o Pardal, acho que será o bastante.

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Mas nem passou pela cabeça do Coronel Cintra chamar o Professor Pardal, a ideia que lhe ocorreu foi comunicar-se com o famoso detetive particular Berloque Gomes, que se encontrava em Gansópolis. Felizmente Berloque já resolvera o caso por lá e atendeu prontamente o chamado, enquanto Mickey fazia a sua peregrinação pelos esconderijos dos bandidos.
Isso durou o dia inteiro e todos os locais encontravam-se abandonados, fechados ou reocupados. Um dos casebres fôra demolido e em seu lugar erguia-se um prédio de apartamentos. Em outro local havia um prédio em construção.
E Mickey foi riscando, um a um, os esconderijos da lista.

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O Comissário Simak introduziu Berloque no gabinete de Cintra. O detetive encontrou o chefe de polícia bocejando.
— Com sono, Coronel?
— Nem me fale. Tenho dormido pouco. Mas sente-se, Berloque.
O detetive particular puxou uma cadeira e olhou para Cintra:
— Eu já sei o que você quer, Coronel. É claro que eu estou sabendo dessa grande fuga.
— E você tem alguma ideia do que deve ser feito?
— Ora, primeiramente eu aconselho conferir os velhos esconderijos conhecidos de todos eles...
— Isso Já está sendo feito pelo Mickey.
— Ah, o Mickey. Eu já devia esperar.
Berloque demorou-se alguns segundos acendendo o cachimbo e por fim observou:
— Há riscos em colocar amadores investigando, coronel, você sabe disso. Por que os seus próprios policiais não fizeram isso?
— Eu... bem... é que... sabe como é...
— Não, coronel, eu não sei nada como é. De qualquer forma vamos aguardar o Mickey. Pela hora ele deve estar chegando.

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Na verdade ele demorou mais de uma hora, comunicando-se antes pelo celular. Ao chegar com o Pateta e o Pluto parecia meio desanimado.
— Nem posso demorar, coronel. Tenho que levar o Pluto para casa e alimentá-lo. O pobrezinho está cansado e faminto.
— Você podia ter feito isso antes de vir aqui. Afinal, o caso é sério.
Mickey fitou Berloque. No passado eles haviam trabalhado juntos em diversas ocasiões, mas a idade parecia estar tornando o detetive meio rabugento.
— Mas eu também vou ter que descansar.
— Em suma — indagou o Comissário Simak — nenhuma pista?
— Muitos dos velhos esconderijos agora são moradia de gente honesta. Outros estão abandonados ou em ruínas.
— Então, por exclusão, você conseguiu alguma coisa — concedeu Berloque. — Mas deixe-me ver a sua lista de endereços.
Berloque examinou-a lenta e minuciosamente e por fim observou:
— Falta a ilha.
Mickey deu um tapa na testa.
— Aquela ilha! Tem toda a razão, eu me esqueci! Mas também, faz bastante tempo...
— Vocês estão se referindo à Ilha dos Piratas? — indagou Cintra. — Não pode ser, aquele local foi usado uma vez pelo Gavião, mas é inóspito, sem recursos e sem proteção! Se a Guarda Costeira cercar o local eles não terão escapatória!
— Por que então não trata disso, Coronel Cintra? — disse Berloque, abastecendo seu cachimbo.
— Posso até tentar... vale a pena arriscar. Se eles estiverem lá...
Mickey levantou-se.
— Eu gostaria de participar mas tenho que descansar um pouco. Quer dormir lá em casa esta noite, Pateta? Assim estaremos prontos mais depressa amanhã. Me chamem se houver novidade importante.





CAPÍTULO 4

DUAS OPERAÇÕES

Berloque Gomes quase não dormia quando era importante ficar acordado. Sentia que não se podia perder tempo e acompanhou o Coronel Cintra e o detetive Simak quando estes foram falar com o Almirante Patusco. Este apressou-se a disponibilizar uma corveta para investigar no local.
— Só uma corveta? — observou Berloque, preocupado. — Esse pessoal é perigoso.
— Eles têm armas, por acaso? Não acabaram de fugir da prisão?
— Nunca se sabe... — observou Cintra.
— Nós não podemos trabalhar com suposições vagas. A não ser que haja um arsenal escondido na ilha, mas ela já foi vasculhada pela Guarda Costeira. Patópolis não é o Rio de Janeiro, Coronel Cintra. Aqui bandidos não se armam facilmente.
— Está bem. Gostaríamos de ir junto.
— À vontade. A polícia tem mesmo que participar. O Senhor Berloque também vai?
— Ele é um detetive particular, mas eu o chamei. Ele é conhecido internacionalmente.

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Berloque estava certo, infelizmente chegara com atraso no caso. Quando a corveta partiu o grupo de meliantes, aproveitando as sombras da noite sem luar, retirara-se da Ilha dos Piratas.
Em sua casa, às dez da noite, Mickey acordou de um pesadelo e saiu do quarto para beber um pouco d’água. Então percebeu, ao passar na sala, que o Pateta, de roupão, observava alguma coisa na sacada.
— O que foi, Pateta?
— Não sei, Mickey, mas acho que é um disco voador...
Mickey voltou ao quarto, pegou um binóculo e correu para a sacada.
— Puxa! Parece um dirigível! Há tempo não vejo um!
— Está vindo da direção do mar...
— Meu Deus! O Professor Gavião tinha um dirigível... que nunca foi encontrado. Ele disse que caíra no mar...
— Só tem um jeito, Pateta! Vamos acordar o Pardal que ele tem umas engenhocas voadoras! Vamos atrás daquela coisa!
— Não vamos avisar a polícia?
— Depois! Não temos certeza de que seja o Gavião!

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Berloque sentiu-se desapontado.
— É óbvio que eles estiveram aqui — disse o Coronel Cintra, com o que o almirante concordou. — Os indícios estão em toda parte. Você tinha razão, Berloque.
— Infelizmente cheguei atrasado, coronel.
— Todos nós — disse o almirante. — Mas chegamos perto.
— Vamos embora? — sugeriu Simak. — Temos de descobrir para onde foram!
Berloque, porém, examinou o local com sua lupa. Abaixou-se, analisou fiapos de pano e outras pistas além de migalhas de comida, e por fim observou:
— Venham aqui nesta saída!
Realmente havia uma abertura que não podia ser vista de Patópolis e levava diretamente ao mar.
— Apesar do chão ser duro, há terra bastante para revelar indícios de pegadas e há muitas marcas de sapatos por aqui.
— Mas — disse o detetive Patúcio, da equipe da delegacia — isso aqui dá para uma ribanceira íngreme. Mesmo que tivesse um barco lá em baixo, eles só poderiam sair voando.
— E quem diz que não fizeram exatamente isso?
— O que?
— Estou querendo dizer que os bandidos saíram num dirigível. Os pequenos fragmentos incluem polímeros, sabem?
— Traduza isso — sugeriu o marinheiro que acompanhava o almirante.
— Pois bem. Há fragmentos de material plástico compatível com dirigíveis...
Cintra tentou pensar rápido.
— Passarei um zap para toda a polícia patopolitana, para que fiquem de olho...
Nesse momento porém o celular de Cintra soou. O policial pegou-o e reconheceu o número do Mickey.
— Alô!
— Coronel Cintra, localizamos a quadrilha! Pousaram no terraço do Museu Arqueológico, chegaram lá de dirigível!
— Viram como eu tinha razão? — disse o Berloque, aproveitando que o delegado pusera a ligação na viva voz.
— Mas isso é absurdo! — exclamou Cintra. — Mesmo à noite há luzes e gente que pode avistar um dirigível... será que eles são tão burros?
— Coronel — entrou o Pateta na ligação — a essa hora está todo mundo assistindo a novela.
O almirante riu da lógica do Pateta.
— Quem é esse sábio?
— É melhor nos apressarmos — interveio Berloque.

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— Afinal — protestou o Pateta — isso aqui é um avião ou um caíque voador?
A geringonça do Pardal não tinha estabilidade nem teto, jogava para todos os lados, dava cambalhotas e não dispunha nem de cintos de segurança, exceto um minúsculo que o inventor se lembrara de providenciar para o Lampadinha.
— Acontece — explicou o Professor Pardal — que esse aparelho, que não é um avião mas um “pardalcóptero”, não foi planejado para transportar passageiros. Segurem-se bem, pois são vocês que estão provocando esse desequilíbrio!
— Que remédio? — falou o Mickey, segurando o chapéu.
— Bem, o dirigível pousou no terraço, mas por que eles não descem?
— É óbvio, Pardal. Eles vão entrar pelo teto mesmo, arrombando qualquer acesso. Diminua a velocidade mas mantenha a distância! Assim apagados eles não nos verão facilmente.
Mickey ajustou o binóculo.
— Vê alguma coisa? — indagou o Pateta.
— É claro. A porta para o terraço já foi arrombada. Já entrou todo mundo e os vigias noturnos, se é que tem mais de um, provavelmente serão neutralizados. É muito bandido de uma só vez. Pardal, sobrevoe o dirigível, vou ver se filmo e mando para a polícia.
— Está bem.
Sobrevoaram vagarosamente o aparelho pousado e o Pateta, inclinando-se sobre a carroceria do pardalcóptero para ver melhor, deu um súbito “Ai!”
— Que foi que houve, Pateta?
— Ora essa! É que esse aparelho do Pardal parece que está caindo aos pedaços! Veja, essa farpa enorme me espetou!
E assim dizendo, irritado, o Pateta atirou a lasca de madeira para baixo... e ela desceu em riste e perfurou a lona antes resistente mas já velha e desgastada do zepelim do Professor Gavião.
— Boa, Pateta! — exclamou o Mickey, entusiasmado. — Você acabou com o transporte da quadrilha!
— Eu fiz mesmo isso?
— Agora é só esperar o helicóptero da Polícia e da Guarda Marítima!


EPÍLOGO

O CRIME NÃO COMPENSA


Cercados pela polícia, os bandidos não tiveram meios de fugir. Ao serem levados, Gavião ainda chateou o Delegado Cintra com suas lamúrias:
— Mas não é possível! Eu planejei tudo tão bem... em que foi que eu falhei?
— Eu lhe digo em que EU falhei, idiota — disse o Mancha Negra. — Eu sempre planejei os meus golpes, como fui deixar que você planejasse em meu lugar?
— Eu sou um cientista e você não é!
— E daí? Eu sou um gênio do crime, e nessa praia eu sou melhor que você!
— Ora, parem com essa discussão! — interrompeu o Mickey, já irritado. — Vocês perderam porque o seu transporte não funcionou, só isso!
João Bafodeonça também estava inconformado, além de irritado:
— O que terá feito murchar o balão? Nós saímos ao terraço bem antes de a polícia chegar! Com o balão teríamos zarpado a grande velocidade... com o propulsor especial do Gavião...
— Pois é — disse Mickey, com cara de inocente, fazendo sinal de caluda para o Pateta. — O que será que houve?
Berloque Gomes pôs-se a acender o cachimbo.
— Algum dia — observou Mickey — você precisa parar de fumar, Berloque. Não é um hábito saudável.

FIM




NOTAS:
Todos os personagens abaixo referidos são propriedade da Disney (EUA). Seguem as informações básicas de seus nomes originais, criadores e anos em que apareceram pela primeira vez.
Esta noveleta é uma fanfic (ficção de fã) para ser divulgada em espaços amadores.

João Bafodeonça (Peg-leg Pete) – Walt Disney, 1925.
Mickey Mouse (Mickey Mouse) – Walt Disney, Lilian Disney, Ub Iwerks, 1928.
Pluto (Pluto) – Walt e Lilian Disney, 1930.
Mancha Negra (The Phantom Blot) – Floyd Gottfredson e Walt Disney, 1933.
Pato Donald (Donald Duck) – Walt Disney, Dick Lundy, Dick Huemer, Art Babbit, 1934.
Coronel Cintra (Chief O’Hara) – Floyd Gottfredson, Marril de Maris, 1939.
Tio Patinhas (Scrooge Mc Duck) – Carl Barks, 1947.
Gastão (Gladstone Gander) – Carl Barks, 1948.
Irmãos Metralha (The Beagle Boys) – Carl Barks, 1951.
Berloque Gomes (Shamrock Bones) – Riley Thomson, 1952.
Professor Pardal (Professor Gearloose) – Carl Barks, 1952.
Lampadinha (Little Helper) – Carl Barks, 1956.
Peninha (Fethry Duck) – Dick Kinney e Al Hubbard, 1964.
Professor Gavião (Emil Eagle) – a pesquisa não localizou o nome de quem o criou nos Estúdios Disney, primeira aparição em 1966.

 
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 22/11/2020
Reeditado em 22/11/2020
Código do texto: T7117561
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