CAPÍTULO 06
     

     Três meses se passaram. Marli e Carlinhos estavam se gostando cada vez mais. A canção que havia nos sussurros de amor e nas palavras ditas pelos olhos estava cada vez mais afinada. Encontravam-se todos os finais de semana. Marli voltou a participar mais frequentemente das missas aos domingos e do grupo de adolescentes. Algumas vezes Carlinhos, com dezoito anos, foi ao grupo de adolescentes a convite dela. Não se sentia bem, pensou em entrar em um grupo de jovens.
     Os encontros entre eles eram sempre iguais. Começavam com um oi, ficavam a sós, beijavam-se, abraçavam-se, despediam-se e ia cada um para a sua casa. Porém, de vez em quando, ela tentava quebrar a monotonia, desafiava a comodidade e arriscava uma carícia mais ousada. Nem o beijo no pescoço ele dava, nem um cafunezinho. Ela sim, cansada de esperar pela iniciativa dele, agia. Se a canção ficava cada vez mais afinada, era a ousadia de Marli que ditava o ritmo. Da parte dele só um brilho nos olhos e a presença perfumada.
     Mais três meses se passaram. Marli já começava a ficar cansada da monotonia. No começo foi legal ficar com Carlinhos. Mas dele não vinha nenhuma novidade. Ele sempre era o mesmo. Ela gostava de acariciar seu peito peludo, de beijar seus lábios carnudos. Mas ele parecia não gostar e recusava terminantemente acariciar os seios palpitantes de Marli, roçar suas coxas. Era só alguns beijos e abraços e nada mais.
     Em certo sábado, Marli foi a um aniversário com o grupo de adolescentes. Carlinhos não foi.
Depois da celebração, o costumeiro comes e bebe e o bate-papo para passar o tempo.
Marli reparou que dois olhos estranhos a ela a acompanhavam por onde ela fosse. Tentou fingir que não tinha percebido. Tentou discretamente estudar o rapaz que não tirava seus olhos feitos duas jabuticabas de cima dela.
     — Até que é bonitinho. — falou silenciosamente consigo.
     — Quem é aquele cara ali? — perguntou para uma colega do grupo.
     — É o primo de Deyse.
     Marli chegou a pensar que era alguma paquerinha de Deyse, pois estava com ela. Agora sabia porque.
     — Já que era só primo, bem, Flávia não disse que era só primo, mas deve ser só isso pelo jeito. Se fosse paquera de Deyse não estaria me olhando assim tão descaradamente. — continuou falando consigo.
     Cinco minutos depois se aproximou de Deyse. Sabia que seria bem acolhida pela moça de blazer vermelho. Ela sempre fora muito afetuosa e legal. Nas reuniões do grupo era sempre a mais loquaz.
     Chegou deixando um sorriso aflorar nos lábios. Deyse acolheu-a com um “oi Marli” que saiu macio, deslizando no seu batom. Os olhos de jabuticabas do rapaz ao lado arregalaram-se.
     Ele disse implorando:
     — Prima, apresente-me sua amiguinha.
     — Marli, este é o meu primo. Falou Deyse estendendo o braço em direção ao rapaz.
     — Marli, muito prazer. Falou a recém-chegada esticando o pescoço para receber os lábios do rapaz que tocaram de leve.
     — O meu nome é Juninho. Falou o de olhos de jabuticaba com calma.
     Marli nem percebeu a retirada de Deyse, deixou-se envolver pelo encantamento dos olhos negros.
     — Você mora aqui perto? Procurou o rapaz esticar assunto.
     — Moro, quer dizer, não é tão perto assim. Uns vinte minutos a pé. E você, onde mora?
     — Eu moro no Rio e estou a passeio aqui em Mutum.
     — Já conhecia a nossa cidade?
     — Não. Mamãe é que é daqui. Ela é irmã da mãe de Deyse.
     — Está gostando do passeio? — perguntou. Marli, antes de ele dizer que era do Rio, já tinha notado seu sotaque acariocado.
     — Poxa, aqui é tranquilo. Estou gostando à beça.
Sorriram juntos.
Marli sentiu os dedos do rapaz preenchendo os espaços vazios entre os seus dedos da mão esquerda. Puxou sua mão para cima e o rapaz entendeu que aquilo era um “não posso”. Talvez um “aqui não”.
     Cruzou os braços e olhou nos olhos de Marli que baixou seus olhos para fugir dele. Não resistiu muito tempo olhando o par de Nike do rapaz. Preferia o seu rosto. Mirou-o bem nas sobrancelhas e constatou que ele ainda a olhava nos olhos. Olhou para dentro da sala. Estavam na varandinha que também servia de garagem e viu um pequeno grupo de colegas seus dançarem ao som de uma música pop. Espiou a rua e viu um homem que caminhava cambaleando. Estava bêbado na certa. Mirou novamente o rapaz e constatou que ele, Juninho, do Rio de Janeiro, ainda estava fitando seu rosto redondo. Teve vontade de abraçá-lo e beijá-lo. Sabia que ali não. O grupo todo conhecia o seu relacionamento com Carlinhos. Teve vontade de explicar isso para Juninho, mas faltava ainda um pouco de certeza de saber que realmente ele estava afim dele, se era verdade aquilo que seus olhos diziam. Podia ser só impressão dela.
     Marli resolveu ir embora. Não exitou em convidar Juninho para lhe acompanhar. Ele não exitou em aceitar o convite. Saíram os dois. Ela disse que gostava do Roupa Nova. Ele disse que gostava do Kid Abelha e dos Paralamas.
Ao passarem perto de uma árvore, foram envolvidos pela sombra. Pararam, olharam um para o outro. Entenderam-se. Aproximaram-se. Abraçaram-se e se beijaram.
Afastaram um pouco e suspiraram. Voltaram a se abraçar e a se beijar. Entregaram-se aos desejos do coração.
     Marli reconheceu que não ficava bem ser vista ali por um conhecido. Agora tinha certeza de que ele estava afim dela e resolveu falar da existência de Carlinhos.
     — Deixe me ir. — falou mansamente.
     — Fica mais. Está legal aqui com você.
     — Não posso. Tenho namorado.
     — Ah! Entendi. — e tinha entendido mesmo.
     Só mais um beijinho de leve e se separaram.
Marli chegou a sua casa um pouco tarde. Já eram dez e meia e sua mãe a esperava vendo filme. O namorado da irmã já tinha ido embora. Entrou pela sala e antes que a mãe falasse alguma coisa, beijou-a no rosto.

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Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 29/06/2020
Reeditado em 01/07/2020
Código do texto: T6991660
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