Em seus olhos capítulo 3 e 4

CAPÍTULO 3

Brasil

São oito horas da noite e eu acabei de chegar em casa, estou morto, minhas costas doem, me alertando que não tenho mais vinte anos ao contrário do que eu penso. Hoje tive muitas coisas para organizar no restaurante, além de contas para pagar. Estou pensando em começar a abrir a noite e servir pizzas, mas ainda tenho dúvidas, é mais um investimento e não estou podendo investir muito, a Luiza acha que devo fazer isso que vai me trazer um bom retorno financeiro, acho que devo tentar.

Chego até a cozinha e vejo na geladeira um bilhete da Luiza, me dizendo que iria dormir na casa do Pedro hoje e que amanhã ia para a faculdade e depois ia almoçar comigo no restaurante. Abro a geladeira e vejo que tem um pouco de queijo, presunto e pão, faço um sanduíche e sento para comer. Enquanto como fico pensando na minha vida, estou com quarenta e um anos e desde que a Amanda morreu nunca mais me relacionei com ninguém, eu sempre disse que tinha que criar a Luiza, educar ela e isso ocupavam bastante tempo. Mas agora ela está adulta, já escolheu uma profissão, tem namorado. Como ela mesma diz talvez seja hora de recomeçar, tentar de novo.

Há uns dois meses atrás, tinha uma professora, Júlia, que frequentemente ia ao restaurante e conversava bastante comigo, ela até me convidou para ir a uma festa com ela, bom eu não fui. Mas era uma mulher bonita, não muito alta, com um olhar sereno, olhos azuis bem claros, cabelos loiros até a cintura, inteligente, simpática, talvez eu devesse convidá-la para sair.

Termino meu sanduíche dou uma ajeitada na cozinha sento no sofá para ver um pouco de TV, em um canal o jornal da noite está começando começam a falar da bolsa de valores, da alta do dólar, da última refeição do presidente. Troco de canal agora uma atriz desconhecida chora porque o cara perfeito a deixou é uma comédia romântica, olho uns minutos tentando ver algum ator que eu saiba quem é meu Deus o que aconteceu com a Meg Ryan? Ela costumava ser a queridinha das comédias românticas, ao menos eu achava. Faço mais uma tentativa, é um canal sobre moda, definitivamente é um assunto que eu não entendo, olho para meus pés estou usando um all star, calça jeans e uma camiseta branca, moda não é meu forte. Sou vencido, pelo cansaço, desligo a TV e vou tomar um banho.

Ligo o chuveiro e deixo a água gelada molhar meu corpo, depois de um dia duro de trabalho, isso me faz bem. Fico uns dez minutos no banho (o pessoal do meio ambiente vai querer me matar) saio do banho e para variar vejo que esqueci a toalha, como estou sozinho em casa o jeito é ir pelado e molhado mesmo para o quarto. Me enxugo e pego a primeira cueca e o calção que acho na gaveta e uma velha camiseta do Guns N’ Roses da época que eu era “jovem e radical” como a Luiza costuma dizer.

Me deito e resolvo ficar mexendo no celular não sou muito ligado em tecnologia, no máximo sei enviar mensagens pelo WhatsApp e respondê-las. Mas como não tenho mais nada para fazer resolvo ficar ali jogando fazendo feliz (acho que ninguém mais joga isso) entre uma plantação e outra decido que está na hora de recomeçar minha vida, seguir em frente e me dar uma nova chance. Eu amei muito a Amanda, embora eu saiba que ela não me amava da mesma maneira, sinto não ter conseguido dar a vida que ela merecia, mas não posso viver de passado.

Acordo com telefone tocando são quase seis da manhã, levanto, lavo o rosto coloco uma calça de moletom e uma camiseta qualquer, meus tênis de corrida e vou correr um pouco. Não sou o tipo atlético, mas correr me faz bem, me relaxa. Nesse horário quase toda a cidade dorme, um ou outro carro, alguns caminhões e aqueles boêmios de sempre que vivem na noite. Corro cinco quilômetros, quando chego em casa vou direto para o banho, tomo uma ducha rápida,tomo café e vou para o restaurante. O pessoal já está me esperando, logo o cheiro dos temperos enche a cozinha e o salão, paralelo as conversas do pessoal da cozinha. Cozinhar para mim é muito além de um trabalho, vejo como um hobbie sinto prazer em estar ali. O tempo passa sem que eu veja, ocupado com uma coisa ou outra, quando vejo já são quase onze e meia, hora de abrir o restaurante. Termino de arrumar as mesas e os primeiros clientes começam a chegar, são os trabalhadores da fábrica ali perto. Logo grande parte das mesas está ocupada, percebo então uma presença feminina que entra na porta, é Julia sinto seu olhar em minha direção. Espero até que esteja acomodada e peço para um dos garçons ficar no caixa uns minutos e vou até a mesa dela.

Pela reação da Júlia acho que ela não esperava que eu fosse falar com ela, estava distraída mexendo no celular, vi pela sua expressão que ficou surpresa a me ver parado ali.

_Oi Júlia! Espero não estar atrapalhando seu almoço...

_Oi Arthur! Claro que não! Almoça comigo?

_Bem que eu gostaria, mas não posso. Vim só te fazer um convite...

Os olhos dela se fixaram em mim num misto de ansiedade e surpresa

_Será que na sexta à noite você gostaria de sair para conversar um pouco? Beber alguma coisa? Com certo embaraço fico parado esperando a resposta.

_Sexta... Acho que sim... Sexta é um bom dia. Ela sorri, estou cem quilos mais leves.

Trocamos números de telefone e combinamos que irei passar perto das vinte horas na casa dela. Volto para o caixa, pensando o que a Luiza vai dizer quando souber que eu tenho um encontro! Por falar nela, vejo que está apoiada no balcão conversando com um dos garçons.

_Oi filha! Como foi a aula? Pergunto dando um beijo em seu rosto

_Cansativa, mas boa. E você ficou bem ontem? Sentiu saudades minhas?

_Sempre sinto saudades da minha menininha! Ela sorri e revira os olhos.

_Ai pai! Tenho quase vinte anos, exatamente daqui dois meses terei oficialmente vinte anos.

_ Eu sei, não precisa me lembrar o quanto estou velho.

_Um velhinho muito charmoso por sinal. Aliás, eu vi você lá na mesa da Júlia...

_Claro, ela é uma cliente.

_Não me enrola pai! Conta o que vocês estavam conversando? Ficou me encarando com aqueles olhos brilhantes e curiosos, que mais pareciam duas jabuticabas.

_Conversa de adultos. Digo isso e espero sua reação, ela faz uma carreta para mim, que me faz rir.

_Está bem! Eu a chamei pra sair na sexta feira à noite... Você acha que fiz bem?

_Claro né pai! Arrasou! Vou escolher um look bem legal pra você. Vai ficar um gato!

_Menos Luiza, bem menos...

_Menos nada é seu primeiro encontro em anos pai!

Eu sabia que não adiantava argumentar ao contrário, Luiza estava mais empolgada que eu com o encontro então balancei os ombros resignado. La pelas treze e trinta o movimento havia terminado, então sentamos em uma das mesas para almoçar.

_ E o Pedro não quis vir almoçar com nós hoje?

_Não, ele disse que ia comer só um sanduíche mesmo, porque estava cheio de trabalho, não ia parar para almoçar. Falar nisso ele disse para você ligar para ele sobre a sua declaração de importo de renda.

_ Ah ta, eu vou ligar essa semana, tinha esquecido. Que tanto você olha nesse celular Luiza?

_Uma entrevista de uma estilista brasileira que mora na França, Isabelli Aubert.

_Ah. Eu falo sem muito interesse

_Essa aqui olha. A imagem não ta carregando...

_Deixa filha, depois você me mostra. Adorei almoçar na sua companhia, mas vou ter que sair. Tenho que terminar de arrumar tudo aqui e ir pagar umas contas. A gente se vê a noite em casa?

_ Também gostei de almoçar com você paizinho. Sim hoje eu quero dormir cedo, amanhã eu tenho prova. Vou sair do estágio lá pelas seis, ta bem.

Ela me dá um beijo na bochecha e sai. Recolho os pratos e sigo para a cozinha. Preciso ir até o banco, ver se consigo um prazo para pagar um empréstimo que fiz e acabei tendo que dar o restaurante de garantia, o movimento estava um pouco fraco e acabei atrasando umas parcelas. Se não conseguir renegociar vou precisar vender o carro. Luiza não sabe disso e nem pretendo contar, não quero que fique preocupada, eu vou conseguir resolver.

CAPÍTULO 4

Nice- França

Jane acabou de me ligar para dizer que está tudo pronto para o desfile, eu devo chegar as oito, quando os fotógrafos já estarão todos lá. Vou para o banho, fico alguns minutos na banheira com os olhos fechados relaxando, preciso estar linda e completamente tranquila hoje à noite. Saio do banho e vou para o quarto, no closet escolho um vestido preto tomara que caia que realça meus seios e tem uma pequena cauda, pego uma sandália da mesma cor com salto quinze. Para finalizar pego no porta jóias um conjunto de brincos e gargantilhas,ambos de diamantes, presente do Carlo pelo meu último aniversário. Me olho no espelho, está perfeito! O batom vermelho destaca minha boca e contrasta com as jóias, tenho certeza que acertei no figurino.

Ouço a campainha tocar, logo Rita bate a porta e aviso que Carlo chegou, pego minha clutch e vou ao seu encontro. Carlo está fascinantemente charmoso, usando blazer e calça social e uma camisa azul clara, o que contrasta com sua pele bronzeada. Me olha e sorri.

_Você está simplesmente deslumbrante! A mulher mais linda que já vi!

_ Não exagere Carlo! Mas agradeço o elogio.

_Bella donna! Sarò l'uomo più invidiato della parata!

_Você também está muito elegante e bonito. Tenho certeza que irá disparar muitos corações hoje.

_Só quero disparar un cuore...

Dizendo isso ele piscou para mim, sorri em retribuição, então ele me ofereceu seu braço e saímos. O desfile estava cheio, fotográfos em toda parte ávidos por uma fofoca, um furo de reportagem, entre eles reconheço a repórter que me entrevistou na minha casa, sorrio para todos e poso para algumas fotos, em algumas com Carlo ao meu lado. O desfile foi um sucesso, ao final Monseuir Chastel veio me cumprimentar .

_Chérie! O desfile estava fantástico! Peças lindissímas, com certeza um dos melhores trabalhos que vi até agora, sua inspiração é encantadora.

_Moseuir Chastel essas palavras vindo de você nem imagina o peso que tem. Fico emocionada em saber que meu trabalho está sendo reconhecido.

_ Isso é apenas a ponta do iceberg, tem muito mais ainda. Quero conversar com você esssa semana em meu escritório. Acho que podemos fazer uma boa parceria, espero você na sexta feira, pela manhã que acha de umas nove horas?

_Perfeito! Estarei lá. Obrigada monseuir.

_ Me agradeça depois, ma petite étoile!

Essa noite foi simplesmente maravilhosa, melhor do que eu poderia ter imaginado. Quando chegamos ao meu apartamento, abrimos uma champagne para comemorar. Carlo parecia mais eufórico do que eu, ele me apoiava em tudo e ficava feliz com meu sucesso. Bebemos toda a garrafa, Carlo me beijou e acabou passando a noite no meu apartamento comigo. Na manhã seguinte acordamos tarde e fomos almoçar em um pequeno bistrô ali mesmo na Avenida Promenade de Angllais, o dia amanheceu lindo, ensolarado e muitas pessoas andam pelas ruas, principalmente turistas com suas várias sacolas de compras,ouço alguns brasileiros no meio de todas aquelas pessoas.

Vejo um casal, ambos jovens a mulher é bonita tem os cabelos negros levemente encaracolados até a cintura, a pele bronzeada. Ele é alto nem gordo e nem magro, diria forte, barba por fazer com alguns fios grisalhos, os cabelos castanhos claros cuidadosamente despenteados brincavam com uma menininha que deveria ser filha deles em uma mesa próxima a nossa. Não eram franceses, falavam em inglês, mas não foi isso que chamou minha atenção, o que despertou minha atenção foi a felicidades que eles exalavam, percebi que estava os observando quando Carlo me chamou e levei um susto.

_Belli? Você está me ouvindo?

_Belli?

_Desculpa Carlo! Eu me distraí. Digo visivelmente constrangida

_Tudo bem! Percebi que você estava olhando a aquela família ali na outra mesa.

_É eu pensei que fossem brasileiros, mas me enganei.

_Acho que são ingleses. Mas esqueça eles e olhe para mim por um momento,tenho algo muito importante para te dizer. Fez uma pausa e viu que meus olhos estavam fixos nos seus,então pegou minha sobre a mesa e acariciou.

_Nós conhecemos há tanto tempo, acompanho sua carreira e a sua vida, conheço você melhor do que qualquer pessoa, amo você Isabelli. E quero partilhar uma vida com você, creio que já passou da hora de tornarmos isso oficial, por isso gostaria de te fazer uma pergunta, você aceita se casas comigo?

Ao dizer isso ele tirou uma caixinha preta de veludo do bolso do paletó, e quando abriu e me mostrou tive certeza que não estava tendo alucinações. Era um anel solitário com um diamante em cima. Eu estava sendo pedida em casamento na França, em plena Avenida Promenade de Anglais, em um charmoso bistrô, para coroar o momento meu potencial futuro noivo era um italiano lindo. Carlo me olhava com aquele olhar surpreso, como se minha resposta tivesse que ser óbvia.

_Carlo eu não esperava esse pedido. Nem sei o que dizer, você tem certeza?

_ Isabelli, claro que tenho certeza. Nunca tive tanta certeza como agora, ti voglio bene, sei importante per me.

_ Antes de dizer sim Carlo, eu preciso te contar uma coisa que nunca te contei, na verdade apenas duas pessoas sabem sobre a minha vida.

_Estou ouvindo amore mio.

Encarei ele e segurei suas mãos,Carlo era muito importante para mim, ele havia sido um bom amigo acima de tudo em todos esses anos que eu morava na França, além de tudo sempre me orientava em meus negócios e fazia aquilo sem tirar nenhum proveito, ele era uma pessoa incrível.

_ Carlo eu já tive uma família. Não estou falando dos meus pais e da minha irmã, estou falando de marido e filhos. Eu já fui casada no Brasil, eu era muito jovem na época e inconsequente, casei com um colega de escola e tivemos uma filha.

Carlo absorvia cada palavra que eu dizia atentamente, sentia seus olhos fixos em mim como se me dissessem quais outros segredos eu escondia. Mas ele não disse nada, esperou eu terminar de falar toda a história.

_Mas eles morreram, há muitos anos. Minha filha ainda era pequena, eu havia ido para São Paulo, estávamos separados e a nossa filha estava com ele. Sofreram um acidente de carro.

Encarei Carlo para ver o que essa história havia provocado nele. Vi quando levantou da cadeira, veio em minha direção e me abraçou.

_Sinto muito meu amor, de verdade. Fico feliz que tenha confiança em mim para partilhar comigo uma parte do seu passado.

_Sei que você está esperando uma resposta. E ela é sim. Eu aceito me casar com você.

Carlo me abraçou e me girou em seus braços no ar, parecia uma criança que ganhava o presente tão desejado, por um momento senti uma ponta de arrependimento por me sentir incapaz de amá-lo com a mesma intensidade.

KMachado
Enviado por KMachado em 27/04/2020
Código do texto: T6930569
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