DEZ ANOS MAIS VELHA QUE EU. E DAÍ?
DEZ ANOS MAIS VELHA QUE EU
CAPÍTULO I
(06/08/2011)
Eu tinha apenas dezessete anos de idade quando resolvi parar de trabalhar com o Mestre de Obras Senhor Ivan.
Eu já estava cansado de ouvir durante três anos as reclamações daquele sujeito que não poupava os meus ouvidos, um dia da semana sequer, sem fazer algum comentário sobre sua mulher.
Apesar de ele ser dois anos mais novo que ela, o patrão estava sempre com semblante desfigurado, uma cara de cansado, indisposto pra caralho, nem parecia ter só 29 anos.
Eu ficava pensando! Será que as mulheres sentem tezão por dinheiro?
Meu patrão era o cara mais feio da cidade, e pelo tanto que ele falava da mulher dele comecei a ficar curioso para conhecê-la.
Ficava imaginando ela uma mulher bonita, conservada, limpa, asseada e que certamente não gostava nem um pouco daquele sujeito mal acabado e fanho.
Nessas alturas eu já sabia dos gostos da mulher dele, sabia até o que ela fazia quando ele não estava em casa.
Ele ligava pra ela toda hora, falava que estava com saudades e que não via a hora de chegar em casa e que ela já sabia pra que...
Aqueles papos semi-pornográficos dele me levava a imaginar coisas com a tal Belinha que eu já nem fazia meu trabalho direito.
Às vezes eu parava de fazer o que estava fazendo, inventava fazer algo mais próximo de onde ele estava naquele lenga-a-lenga só no intuito de, pelo menos ouvir a voz da esposa do meu patrão, e nada.
Parecia até que aquele cara estava meio louco. Um cara desleixado.
Há tempos perdera a coordenação do braço direito após ter ficado preso embaixo duma tesoura de madeira que caiu sobre ele quase vindo a tirar sua vida.
Mesmo assim ele meio aleijado persistia em conduzir os trabalhos de construção civil pagando uma miséria para mim e outros ajudantes. Os outros não o ouviam. Saiam de perto quando ele começava a falar sobre sua esposa.
Ele queria contar desde o namoro até os dias atuais. Era um saco ouvir aquele sujeito fanho conversar sem parar.
Certo dia ele estava acompanhando o engenheiro na obra e esquecera seu celular perto de onde eu estava colocando azulejos no balcão da pia.
Era muito difícil ela ligar pra ele, ele não dava tempo, ele que ligava várias vezes por dia.
Por azar dele, ou por sorte minha, nesse dia ela cismou de ligar.
Aconteceu que o senhor Ivan estava tão empolgado porque ia executar, pela primeira vez, uma obra na sua pequena cidade, ele esquecera o celular e saiu de carro com o Doutor Barbosa para fazer um orçamento na MATECON.
Eu tinha certeza que seria ela quem estaria ligando, mesmo assim eu não atendi. O telefone continuou tocando e eu sentia uma vontade louca de atender só para ouvir a voz daquela mulher.
Eu nunca tinha namorado. Apenas havia dado uns beijinhos numas amigas de escola mas sem sentir aquilo que estava me tomando ao imaginar conversando com aquela mulher que fazia tão feliz o meu patrão que até conversava rindo ao celular.
Deixaria de atender aquele telefone? Respeitaria o meu patrão? Ou aproveitaria a oportunidade e falaria com aquela mulher que eu nem nunca havia visto?
Apesar de trabalhar com seu Ivan há mais de três anos ele nunca me convidou a ir na casa dele que ficava na cidade próxima da minha.
Eu morava em Terra Boa, onde estavávamos sempre executando obras e ele em Guapitã do Norte. A casa dele distava da minha vinte e um quilômetros e meio medidinho no velocímetro de sua Ford F250 XLT preta turbinada.
O senhor Ivan não era pobre como você pode estar pensando. Ele só era desajeitado e o braço direito não movimentava bem, mas dinheiro o filho da mãe tinha sobrando.
Só andava de carrão estava sempre negociando pelo celular. Comprando produtos agropecuários: vermífugo, sal, ração, etc. Comprando bezerros. Mandando fechar bois pra castrar, outra hora é combinando fechar bois para embarcar para o maior frigorífico de bois da região o FRIGOBOVI, inclusive hoje ele é um dos donos do FRIGOBOVI.
Apesar de nós não se falar mais, faz uns dez anos, eu sempre vejo ele de longe quando vou levar para o visitar, seu filho Leandro que a Belinha levou no útero quando roubei ela...
Eu ajudei a administrar os 30% da renda do FRIGOBOVI até uns três anos atrás quando divorciei da Belinha sem contar que tudo que tenho hoje já fez parte do capital que tocou pra ela na separação dela e o meu ex patrão Senhor Ivan.
Pra você entender direito como tudo começou eu preciso voltar lá na história do LG KF700, aquele celular que era o responsável pela minha tara quando tocava sem parar enquanto eu colocava, descontrolado, mais uma peça de azulejo naquele balcão de pia.
Larguei a desempenadeira de aço no caixote de argamassa. Joguei o martelo de borracha do lado e segui até ao banheiro, lavei as mãos e com minha mente poluída fui atender o celular do patrão...
Quando eu peguei o celular ouvi que chegava um carro. Pensei! O desgraçado chegou. Não vai dar esquema.
Com o celular tocando na mão, me dirigi até a varanda no entanto percebi que se tratava do rapaz que faz a leitura da energia e ele já estava de saída.
Beleza! Eu conferi que os outros rapazes estavam botando quente para acabar de preparar o madeiramento do telhado da área da frente para cobrir ainda naquele dia.
Caminhei casa adentro procurando um local em que eu ficasse mais longe de possíveis intrusos, e decidi que seria melhor eu ficar onde poderia avistar, de longe, quando o patrão estivesse chegando.
Então eu subi para a laje da cozinha. Seria o lugar ideal, pois a escada inicia não muito distante de onde ficara o celular...
E o celular continuava vibrando, chamando sem parar...ela já estaria uma fera com seu Ivan pela demora pra atender o telefone...
Logo me veio uma dúvida que fez até meu tezão acabar...e se fosse o senhor Ivan ligando ao perceber que tinha perdido seu LG KF700? Poxa vida! Era pra eu ter atendido na primeira vez que tocou...
Agora já com seriedade eu olhei pro teclado daquele aparelho e apertei o verde sem falar alô...ouvi caladinho até esgotar todas as palavras nervosas do outro lado da linha...
Continua no próximo capítulo...