Tente Não Me Magoar (Parte 3)

Texto 03: Bem porquê te vi

Data: 25 de novembro de 2019

Penso num dia desses, que eu for chegar beem cansado em casa, querendo cair na cama, querendo cair sobre seu corpo deitado. Para ficarmos quietos o suficiente enquanto fingimos que nossos corações não estão batendo tão forte e veloz por nos sentirmos abençoados com esse afeto que dividimos.

Parece que esse dia não chega nunca. Tem chovido tanto na última semana, trocamos algumas mensagens durante os dias mas eu queria trocar algumas carícias — onde ele se surpreende que amo tocar — ou meias e chinelos pela casa, tenho uma sensação de conforto ao ver que usam meus chinelos como se subissem nos meus pés e eu guiasse numa dança. Tenho que me contentar com a sua procura por mim, tão carinhoso como se tivesse alguma culpa. Só que não vou render esses pensamentos. Vou lhe dar essa chance de continuar trocando emojis de coração totalmente sem culpa.

Será que o chamo para fingir um jantar naquele rodízio aqui perto? Vai ser só pizza e todos falam mal da demora, então teríamos bastante tempo juntos. Eu iria aceitar até almoço em um self-service, nos perder no meio daquele falatório, televisão ligada e fileiras de mesas. Porque é isso que algo próximo ao amor me parece, nos perder juntos no meio das pessoas enquanto caminhamos, eu ando por trás segurando sua mão.

Tenho que me contentar a ver você por essa tela lisa e fria. Pela espontaneidade das fotos, acho que não estamos preocupados em parecer mais do que somos ou capturar alguma foto digna a ser postada no instagram. Esse é o tipo de coisas que busco ter com alguém, não me importar com o que está no rosto, ao redor do corpo ou pensar se aquilo está sendo dividido comigo e outros. Estou tranquilo.

Deito sobre o colchão, me cubro com o edredom mas sinto como se estivesse deitado numa pista de patinação no gelo. Eu queria você aqui, e por mais que fosse difícil esconder alguém do seu tamanho aqui comigo, eu quero você aqui. Mandamos algumas fotos, fazemos alguns .gifs e até recorremos a chamada de vídeo. Minhas mãos quase coçam para tocar sua pele, bater nos seus músculos e apertar seu pescoço. Meus lábios quase queimam para se dissolverem nos teus, para percorrer seu corpo e contar tudo que venho fantasiando.

Nas suas fotos, prateleiras, eu odeio prateleiras. Realmente precisava de alguma em você que não me fosse no mínimo muito bom. Eu implico apenas numa tentativa de desviar o foco, que agora é elogiar cada pedaço seu e dizer que estou disposto a ser devoto do seu corpo. Você tem partes que nem mesmo acredita que podem ser desejadas e estimuladas, eu quero tentar. Cada beijo seria uma oração, interceda por mim?

Preciso ir à farmácia, a sinusite já agride as minhas amígdalas. Essa vai ser a minha desculpa para te ver, será que ainda preciso de alguma? Chamo, peço que me encontre na porta da farmácia. Você vem chegando, ah como eu amo te ver caminhando para mim. Como se eu fosse alguma promessa que você fez consigo no escuro da noite e agora pretende

realizar.

Chega perto, encosta na parede e me encara.

— Você nem olha pro meu sorriso, só repara na minha bunda.

— Eu sou homem...eu deixo o melhor pra depois. — finalizado com meu sorriso envergonhado no canto da boca.

E entramos na loja. Trocamos brincadeiras e doces implicâncias ao ver determinados remédios e a produtos. Pego meu spray pra garganta, entrego a atendente enquanto reclamo de alguma brincadeira sua para ela, quase te tratando como se fôssemos um casal depois dos 10 anos juntos. Eu amo que as pessoas notem que estamos a passos de adivinhar a fala do outro apenas pelo olhar.

Saímos, me doeria te ver cruzar a esquina sem ao menos um abraço demorado ou um beijo onde você me pega de jeito. Pergunto se ele quer fazer uma lanche, ele pergunta sobre minha mãe...ele diz que precisa ir, eu digo que ela sentiu saudades. Melhor deixar para outro dia, aproveitar que estar juntos depois de tanto e logo partir, não vai nos machucar hoje.

Eu o vejo ir, ah eu amo vê-lo se mover pela minha visão. Fico ali esperando, imaginando ele dar meia volta para me olhar um pouco mais enquanto ri ou simplesmente dar meia volta e sermos sugados para um portal que dá no meu quarto. Ele não faz mas ainda guardo um sorriso não expressado, ele continua andando com sua calça de moletom que faz meu coração pulsar um tanto rígido.

Dou meia volta, vou andando, chego em casa e entro no quarto. Aqui e meu coração parecem dunas vazias sem a presença dele. Minha mente se tornou um quarto onde todas as fotos e lembranças dele são cartazes colados nas paredes. Mando mensagem dizendo que cheguei.

— chegou bem porquê me viu.

Sim, graças a sua generosidade no mais banal dos encontros.

— bem porquê te vi.