A VISITANTE OU RETRATO DE UMA DEPRESSÃO ( Parte Final )

Não tardou a chegar o dia da partida do Cristiano. Como já havia dito em outro momento, não sou um adeus e não gosto de despedida, por isso não irei narrá-la.

Quando alguém parte passa um filme na mente e os detalhes da convivência surgem como fotografias de um álbum a ser visitado quando a saudade vier.

Abro as janelas, respiro o ar da manhã e o desejo de recomeçar, apesar da náusea, de um vazio na alma. Penso em como são felizes aqueles que possuem uma vocação e se direcionam para alcançar os seus objetivos, engrandecendo o próprio espírito e o dos outros também.

É assim que vejo o Cris, voando em direção aos céus da Itália, acompanhado de um profundo amor pela história da arte. Eu permaneço aqui, tentando juntar os pedaços do meu mosaico de desejos e ausências. Mas agora há uma porta que se abre para ver a importância de buscar uma forma de auto-realização. Dentro dessa reflexão, me encontro, no espaço entre a minha vontade de renascer e os rumos dos significados da partida do Cris. Ele me deixou à sós com a possibilidade de me dedicar à tarefa de escrever uma peça de teatro e essa será a minha companhia. Não existe sensação de ânimo ferido que resista a uma atividade criativa. Sem contar que possuo o suporte adicional de remédios indicados por médicos especialistas no assunto, no meu caso:

ácido válpróico e queatipina.

Amanheço hoje como o vento, entregue ao sopro que vai em direção à luz solar, descortinando o humor cinzento para que descanse fora de mim.

Andar nas ruas do Catete já não me movimenta mais, pego um ônibus e me reencontro no calçadão de Copacabana, atenta ao cheiro de maresia. A Galeria Menescal propõe um convite para ir ao Árabe lanchar kibe com coca.cola e contemplar a sua arquitetura, lembrando de um saudoso amigo e cenógrafo húngaro, Alexandre Horvath. Ele achava que estudar Museologia e principalmente, numismática, deveria ser mais interessante e daria mais futuro profissional do que estudar artes cênicas. Partiu trabalhando como professor de cenografia do curso de teatro da Uni-Rio . Não conheci os seus trabalhos na área, mas gostava muito de conversar com ele e de suas mesuras. Era muito culto, estudou na escola de arte alemã Bauhaus.Gentileza e erudição são atributos que sempre me impressionaram.Do contato com o professor Alexandre ficou a dúvida : como seria a minha vida se tivesse me dedicado à Museologia ¿

Nos definimos, sempre e cada vez mais, pelas nossas escolhas dentro das opções possíveis dentro do contexto que nos é apresentado.

Não sei porque lembro da frase de John Lennon : “A vida é o que acontece , enquanto a gente se ocupa dela fazendo planos.” Aqui estou eu, morando mo Rio de Janeiro e dando aulas de História de Teatro e começando a nutrir o desejo de escrever ficção.

Penso no momento em que idealizei viver em uma Vila, achando que iria conhecer uma vida mas simples. Agora percebo que essa simplicidade tem de estar dentro de mim, nos meus hábitos, em qualquer lugar. Fui uma visitante na casa de Dona Clara e Cristiano e essa visita me rendeu bons frutos. Dou início a um relato, nesse exato instante, intitulado: A Visitante ou Retrato de uma Depressão. Acredito que escrever é deixar que uma porta se abra para o que é vivo: o gosto dos alimentos e das pessoas, o cheiro da maresia e das árvores, das frutas nas quitandas e dos pescoços perfumados, o movimento do corpo que se busca nos caminhos e a dança da chuva, o choque do mergulho do rosto na água gelada, o silêncio interno do vento na cara... Remédios que curam o mal criado pelo espírito quando quer se punir. Escrever é um ato de rebeldia para com essa punição que enfraquece a alma. Não sei o porquê, mas nunca soube distinguir alma e espírito.

Vânia de Magalhães
Enviado por Vânia de Magalhães em 11/12/2019
Código do texto: T6816787
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.