A CASA AMARELA - 2º Capítulo

Planos Sórdidos

Fazia um inverno rigoroso na capital Cearense, e naquele dia por coincidência, tinha sido o enterro do meu pai. Meus irmãos, Ester, a mais velha, solteirona convicta, nos seus 60 anos. Juliano, o mais velho dos homens, no auge dos seus 57, compartilhava das tramas da irmã mais velha. Gustavo, o mais novo, de 52 anos, era e sempre foi o braço direito de papai. Ambicionava ter uma posição melhor nos negócios da família, mas fazia tudo às escusas. E tinha também Marina de 43 anos. Estavam presentes para representar a família, ou seja, a nós mesmos. Eu, principalmente, não fazia parte há muito tempo, desde que fui deserdada por ele, ao descobrir que estava no quarto mês de gestação de um homem que nem eu lembrava quem era.

Meu pai, Benedito Sabatini, um homem que mais fez pelo povo que o próprio prefeito. Amarildo Guerra nome do vereador eleito com dinheiro do meu pai, tinha uma boa lábia para conquistar o eleitorado, e para o discurso diante do caixão, ele não perdeu a oportunidade.

- Aqui, senhores! Ele foi logo começando – Nesta cova... Não está sendo sepultado um homem qualquer. Estamos sepultando aqui... Uma pessoa impoluta... Uma pessoa inigualável. Um homem de uma conduta honrada. Um homem que até os últimos dias de vida, lutou pela melhoria desse povo tão sofrido desta cidade. Sim, senhores! Dr. Benedito Sabatini, foi um desbravador! Foi ele quem trouxe o progresso a esta cidade. – Amarildo por hora não lembrava que era o prefeito da cidade e assim se entregou que vivia a sombra de meu pai. E ainda continuou: a empresa de café, de sua propriedade, é hoje considerada a melhor do país, porque não dizer, do mundo?! E foi graças a essa bravura indômita desse homem, que hoje, Porto Feliz é conhecido nacionalmente como a capital da café. A garra, a coragem, e a determinação do homem que aqui jaz! Senhoras e senhores! Aqui, diante deste esquife, que deu seu sangue... Deu sua vida por esta cidade. E pra finalizar... Como vereador desta humilde cidade, que perde seu ilustre filho, que choramos a sua perda, que tanto fez pelos seus compatrícios. E que deus, na sua plenitude, o receba para a eternidade. Muito obrigado.

O vereador só não lembrou que defunto não ouvia, e que na próxima eleição meu pai não estaria presente para bancar sua candidatura. E o povo que vive iludido com politica, ainda aplaudiu. Mas Juliano, meu irmão, ainda falou:

- O vereador tá pensando que isso aqui é um palanque!

E Ester foi mais contundente.

- Deixa pensar. Nas próximas eleições não terá o papai para financiar suas campanhas!

A torrencial água que assolava a cidade não foi páreo para as mais de cem pessoas que ali compareceram.

Ao chegar a velha mansão amarela, Juliano não demonstrou tristeza, já Marina era uma manteiga derretida. Com o retrato de meu pai em mãos ela chorava feito criança. Gustavo só queria tomar um uísque pra relaxar. Ester sentou-se e disse apenas:

- Coitado de papai. Tão novo pra morrer.

Juliano sem nenhuma sensibilidade ponderou:

- Papai cumpriu o seu destino aqui na terra, Ester. Devemos nos conformar.

- Pois eu não me conformo. Papai morreu por causa daquela maldita. – criticou Gustavo.

É! Essa maldita aí sou eu. Até que Gustavo foi gentil com esse palavreado. Às vezes dizia coisas que dava pra envergonhar uma garota de programa. Juliano fazia por hora de protetor ou menos cruel ao se referir a minha pessoa.

- Não fala assim!

- Falo! Quero que todos saibam que aquela infeliz era uma devassa!

Devassa, vagabunda, puta, meretriz. Era disso pra pior. Quantos elogios eu recebia de meus irmãos!

- O garoto não tem nada a ver com as atitudes da mãe. – Ponderou Marina.

Esse garoto que Marina se referia era meu filho, Mateus, que eles fizeram o favor de colocar num orfanato. Mas essa história eu conto depois.

- Você defende aquela ordinária? - Ester não deixava barato.

- Não é isso. Esquece essa história. Nada vai dar errado. – disse Marina mais uma vez.

– Uma pessoa que abandona o filho pra se aventurar no mundo, não tem o direito de ser mãe.

Tem razão. Mas ela fez a cabeça de meu pai contra mim. Até o velho acatou sua vontade. Por mim, nunca tinha saído de casa. Mas Ester nunca deu ponto sem nó. Uma tremenda 171.

- Doutor Quelônio me falou que Sábado vem abrir o testamento de papai. Não vejo a hora! – segredou Juliano, entre risos.

Doutor Quelônio era o advogado da família. Ele iria ler o testamento que papai havia deixado.

– Eu não acredito que estou ouvindo isto, Juliano. – Marina estava enojada da atitude de Juliano. - Acabamos de enterrar papai e, você aí, preocupado com testamento. Tenha um pouco de sensibilidade.

- Quer bem dizer que não tem interesse em saber o que nosso pai nos deixou como herança? Fala sério. E o sujeito ainda continuou: – Eu estou apenas pensando no meu futuro. No nosso futuro. Nada mais justo pensar no que iremos fazer com a herança. – Juliano quando ia lavar o rosto passava óleo de peroba, por que tinha a cara de pau.

- Tem razão. Não havia pensado nisto. – concordou Ester. - Com certeza terei a melhor parte. Sendo eu a filha mais velha, tenho direito na melhor parte.

Eu estava certa: Ester tremenda 171. Não enganava ninguém com aquela cara de santinha, fazendo pose de que não estava interessada na herança. Foi aí que eles começaram a discutir, pra quem ficaria com a melhor parte. E a máscara de cada um foi caindo e mostrando sua verdadeira face.

- Está totalmente enganada. – Gustavo sentia-se envaidecido. - Sou o filho mais novo, e como tal, tenho direito a 40% da herança. Era de mim que papai sentia orgulho. Sempre fui seu braço direito na empresa.

Mas que sempre trocava o remédio dele por comprimido de farinha, seu crápula. Eu sempre soube disso.

- Você está maluco. – Juliano ironizou. - Papai não confiava em você. Por várias vezes ele me falou isso. Serei o diretor geral da B.S.

Coitado de meu pai confiar e Juliano. Levaria à empresa a falência em dois tempos.

Mas a sorte do meu pai é que tinha o nosso mordomo que trabalhava há anos na nossa casa. Era o Valdir. Prestativo, honesto e fiel. Um cavalheiro. O coitado era tratado como um cão velho por Ester. Eu tinha muito pena dele. Mas não podia fazer nada. Um dia antes da minha chegada, chegou para eles uma carta. Valdir entregou a Ester.

- Chegou esta carta, senhora. – O coitado chegou na hora errada, quando os irmãos planejavam o futuro. Ele vinha pra dizer da carta que eu havia enviado, confirmando minha chegada.

– Carta? De quem? – Perguntou Ester.

- Deve ser do advogado. – Juliano estava ciente que sim. Mas decepcionou-se quando viu o nome do remetente. Ester na sua estupidez, pega a carta de Juliano, incrédula, não acreditava no que seus olhos viam.

– O quê? Eu não acredito. Que história é essa? Quando foi que esta carta chegou Valdir?

- Agora a pouco, senhora. – Respondeu Valdir na sua timidez.

– E só agora você me diz isso, seu ignorante.

- Desculpe senhora. - E Valdir saiu dali feito um cãozinho.

- E agora, Ester? O que vamos fazer? – E a preocupação de Juliano aumentou. E Gustavo sempre com uma resposta pronta:

– Aquela ordinária vai acabar com os nossos planos. Joana! Sempre ela pra nos infernizar.

- Calma Ester. – respondeu Juliano, já com um plano sórdido em mente. - Temos que arranjar um meio para conseguir alguma coisa com a chegada da mãe pródiga. Eu tenho um plano.

Confesso que eu não temia os planos de Juliano, ele sempre era um desastrado com suas armadilhas. Mas era sempre bom ficar de olho bem aberto. Nunca se sabe.

- Eu não confio em você. – Até que Ester disse algo útil.

Juliano achava melhor ela confiar. A carta dizia que eu chegaria logo pela manhã. E ele tinha que preparar o terreno, mostrar que não tinha nada contra mim. Sabiam que com a morte de papai, eu viria buscar a metade do que era meu por direito. Neste caso, eles queriam ser amigáveis. Mas Ester não dava o braço a torcer.

- Aquela vadia sem vergonha não tem direito a nada. Nós, somos os únicos herdeiros. Ela que se atreva a querer ter proveito da nossa herança.

Mas eu não temia. Acredite, não ia exatamente por mim, e sim, pelo meu filho. Quem sabe eu conseguiria ter o direito de vê-lo? Eu sabia do carinho que o papai sentia pelo menino. E como era uma criança, cabia a mim, como mãe ficar com a parte dele até completar a maioridade. Confesso que não temia se papai não tivesse deixado nada para mim. Sei que não fui uma filha exemplar, mas também não fui a pior.

– Papai não seria capaz de uma atitude tão leviana desse jeito. – Gustavo desconfiou.

Mas sensata foi Marina em suas palavras.

- Papai podia fazer o que quisesse com o dinheiro e tudo era dele. Conseguiu com o suor do seu trabalho. – E continuou, desafiando os irmãos. – Ninguém aqui teve mais trabalho na vida que nosso pai. Conquistou tudo com seu trabalho. Se nós, temos o direito, Joana, como filha, também terá.

Os três se entreolharam, e se admiraram de Marina defender-me. Mas sabia que o comentário de Marina não valia a pena levar em conta.

– Se de fato isto acontecer, teremos que impedir. Não podemos aceitar que aquela vagabunda usufrua de nossos direitos. – Ester era de contragosto, mas não me importava suas opiniões.

E como sei de tudo isso? Valdir além de um mordomo exemplar era também um exímio ouvinte, e como dizem o povo: as paredes tem ouvido. Esses acontecimentos foram de uma série de conversa e relatos que Valdir me segredou quando me telefonou na noite anterior a minha chegada. Os planos que meus irmãos tramavam contra mim.

Continua...