A CASA AMARELA - 1º Capítulo

Como Foi que Tudo Começou.

A última vez que meu pai visitou nossa casa de veraneio, na cidade de Majorlândia, foi no natal de 2011. Ele estava feliz e radiante como nunca, nada podia estragar aquela noite. Pudera! Era natal e todos os filhos estavam reunidos em volta da mesa. E alguns de seus mais ilustres amigos da sociedade.

Papai construiu um império numa época em que tudo dizia ao contrário. Uns chamavam de louco, outros de sonhador. Mas ele resolveu pela segunda opção. Era um homem a frente de seu tempo com ideias inovadoras e revolucionárias. Depois da morte de minha mãe se trancou num casulo que ele próprio construiu. Mesmo assim seu poder de persuasão continuava a todo vapor.

A B.S a empresa construída tijolo por tijolo por suas mãos, foi durante décadas a maior exportadora de café do país. Foi ali que conseguiu tirar o sustento da família. Educar seus Cinco filhos e ser exemplo de cidadão e homem de negócios.

Ester, Juliano, Gustavo, Marina e eu, Joana, a caçula. Ester trabalhava com papai apenas pra demonstrar que era eficiente, mas sua eficiência em nada agradava o rígido controle que papai exigia dos funcionários. Juliano ia à contramão de tudo que podia dar certo. Roubava, manipulava, superfaturava as contas, isso porque o velho Benedito lhe confiou o cargo de tesoureiro-geral. Gustavo era o diretor de marketing da empresa. Não foi uma boa ideia meu pai lhe dar essa confiança, pois o que sabia mesmo era conquistar as mulheres que ali trabalhava. E entrava em cada confusão. Marina não recebera cargo algum na empresa, já seu noivo, Felipe Lucena, era o diretor financeiro. Um jovem promissor, esperto, inteligente e ágil. Papai sempre teve muita estima pelo futuro genro, e já o considerava da família. E eu, não fui muito feliz em minha escolha. Nunca também fui exemplo a ser seguido.

Na noite que poderia ter sido inesquecível pra família tornou-se num verdadeiro tormento para mim. Eu acabara de fazer 16 anos. No auge da minha juventude. Os hormônios a flor da pele. Tentando conhecer o mundo daquela geração transloucada, aquele fascínio pelo desconhecido. A saciedade pelo novo. E foi aí minha ruína. Confessei a todos que estava grávida. O mundo desabou sobre a cabeça de todos, inclusive de meu pai, que me achava uma ingênua, uma virgenzinha inocente e pura. Mas ledo engano.

Meus irmãos me odiaram. Ester foi a primeira a mostrar sua verdadeira face.

- Se papai morrer por tua causa... Saiba que no mesmo cemitério estará fazendo outro enterro... O seu.

Depois foi a vez de Juliano:

- Você irá pagar caro se acontecer alguma coisa com o velho.

Em seguida, foi Gustavo a me enfrentar:

- Seus dias estão contados, maninha. Sua máscara de boa moça já caiu.

Marina nem ao menos balbuciou nada. Ela era a mais sensata do seleto grupo de irmãos que eu tinha. Mas o noivo, Felipe, me ignorava. Sentia que no fundo ele desejava em dizer algo contra mim.

Meu pai ignorava minha presença naquela casa. Mas um dia nos enfrentamos, numa situação que não foi fácil desfazer. Ele me falou com todas as letras.

- Quando esta criança nascer quero que ela fique comigo, nesta casa. Ela não tem culpa da mãe que terá. – e foi mais sincero possível. – E você suma de vez de nossas vidas. Quero que desapareça de vez, evapore no mundo. De tudo que fiz de errado nesta vida, você foi a pior decepção que já tive.

Eu não segurei as lágrimas. Ele nem ao menos sentiu compaixão. Ainda tentei argumentar:

- Perdão, meu pai. Sei que fiz a coisa errada. Mas estou disposta a reparar este erro.

Mas minhas lágrimas não o convenceram.

Os dias passaram devagar demais, que tornaram angustiantes para mim. Minha barriga crescia de forma inesperada. Vivia ali naquela casa onde era rejeitada, me constrangia muito. Quase entro numa depressão. Mas eu sempre contava com Valdir, o mordomo. Era meu protetor, meu anjo da guarda. Nele eu podia encontrar um ombro amigo. Trabalhava para meu pai há 20 anos, antes mesmo deu nascer. Nunca soube que Valdir tivera família, mulher ou filhos. Sua vida particular sempre foi uma incógnita.

No dia 26 de Setembro de 2006, por volta das 8 horas da manhã, eu entrei em serviço de parto, logo sendo encaminhada para o hospital. Ao chegar, fui logo recepcionada e pouco mais de 20 minutos de minha entrada ali, dei a luz a um lindo menino. Saudável, forte e não esboçou choro algum. Meu pai e meus irmãos quando souberam não fizeram festa e nem tão pouco comemoraram nada. Eram passíveis. Por um lado estavam felizes, pois sabiam que dali por diante não veria mais meu rosto. E foi isso que aconteceu. Na manhã seguinte, quando acordei, quis ver meu bebê. Porém, recebi a pior notícia de minha vida. Meu pai junto com meus irmãos já tinha levado a criança pra casa. E ao lado da minha cama estava minha bagagem. Dá porta eu pude ver entrar ali, Valdir vindo ao meu encontro. O coitado nada podia fazer, pois dependia muito daquele trabalho. Ele me abraçou forte, e tive uma sensação muito boa transmitida por aquele afago. Ele descreveu tudo que iria acontecer dali por diante, e as ordens severas que meu pai havia implantado na casa. Meu filho seria criado com o maior carinho e amor. Nada faltaria pra ele. Mas eu não podia partir sem ao menos vê-lo de longe. Mas isso nunca aconteceu!

Saí daquele hospital com minhas bagagens e junto um coração despedaçado. Valdir seguiu-me até o aeroporto, já com as passagens compradas para Londres e um cheque de um valor incalculável.

- Vá com Deus, minha menina. – Dizia Valdir com o rosto banhado em lágrimas.

Nós nos despedimos ali mesmo. Mas antes lhe fiz um pedido:

- Cuida do meu filho, Valdir. Não deixa ninguém fazer mal a ele.

Ele fez um sinal positivo. Entrei no portão de embarque e desapareci.

Os relatos que se segue adiante foram contados a mim através dos e-mails que recebia de Valdir toda semana me deixando a par de tudo quanto se relacionava aquela família.

Mas durante certo período fiquei sem saber nada. Em Londres eu tive uma vida satisfatória, não tenho do que reclamar. Relacionei-me com muitos homens, uns solteiros, outros casados, enfim... Foram aventuras, diversões. Trabalhe de garçonete no Soho, fui guia turística. De tudo fui um pouco na minha prodigiosa vida Londrina. Mas há momentos que precisamos por a cabeça pra funcionar, e lembrar que a vida não é só feita de alegrias. Os anos se passaram com uma rapidez tremenda. Quando dei por mim, já fazia 14 anos que residia na Inglaterra. Sentia-me uma verdadeira Inglesa.

Mas eu sentia falta do Brasil. Principalmente de Valdir que há dias não tinha mais mandado notícias. Eu fiquei preocupada. Queria saber sobre meu filho. De longe eu acompanhei seu crescimento. Valdir me deixava por dentro de tudo. Eu então resolvi ligar pra casa. A minha sorte foi Marina ter atendido ao telefone.

- Joana? - Sua voz era de surpresa.

Foi aí que eu descobri o porquê de não ter mais recebido notícias do Valdir. Papai estava internado há dias, e hoje, acabara de morrer. E Ester com certeza proibira ele de comunicar-me o fato ocorrido. Sempre notei que Valdir temia mais a Ester do que meu próprio pai. E tinha certa razão.

Eu confesso que não fiquei triste e nem me alegrei com sua morte. Mas senti uma sensação de liberdade. Após saber da notícia liguei pra uma agência de viagem e reservei para o dia seguinte uma passagem para o Brasil. Estava radiante, pois iria rever meu filho depois de tanto tempo.

Na tarde do dia seguinte, eu peguei o primeiro avião para o Brasil. Foram horas de viagem de Londres a Fortaleza. Quando pus meus pés em solo Cearense lá estava ele a minha espera: Valdir. Ele havia ligado para o hotel em Londres onde fiquei hospedada e disseram que eu embarcara para o Brasil. E ele como sempre já sabia onde eu desembarcaria.

Foram risos, lágrimas e abraços. Manteiga derretida com era, fiquei com dó. Colocamos o papo em dia. Contou-me sobre meu filho e a situação da família de como ficaria após a morte de papai. Eu não temia enfrentar o batalhão de insultos, críticas e humilhações que com certeza não passaria ilesa. Mas sabia muito bem me livrar e sair sem nenhum arranhão daquela batalha que me esperava na velha mansão amarela. E Valdir sugeriu-me que por enquanto, eu não me aproximasse da casa no momento.

- O testamento de vosso pai será aberto no Sábado. – ele começou a dizer. – e todos estarão em casa, pois a empresa não abrirá. Você chegará bem no dia que será lido.

Eu comecei a entender o raciocínio de Valdir. E obedeci ao seu pedido. Minha ansiosidade era saber mais sobre meu filho. Mas notei que o velho mordomo mudara de fisionomia ao mencionar no nome dele.

- Vosso filho está bem, Joana. – e pela primeira vez, percebi que Valdir mentira. Mas por quê?

Mas não discuti com ele. O enterro de meu pai seria na manhã seguinte. E com certeza, eu não compareceria. Pra quê? Aumentar minha angústia? Ou ver a cara de cínicos de meus irmãos chorando a morte do velho Benedito, ou melhor, fingindo? Ah... Nisso eles eram profissionais!

E como sempre Valdir me deixou a par de tudo.

Continua...