Q.B. - NOS CALCANHARES DO VENTO - PARTE 3

VII - NOS CALCANHARES DO VENTO

”I’m a page on the end of a story

(“Sou uma página no final de uma estória)

No closer to my hope and glory

(Nada perto da minha esperança e glória)

Just a kick away from the heels of the wind”

(Só a um pontapé distância dos calcanhares do vento”)

“Heels of the wind” – Álbum THE FOX - 1981

Bernie piscou para Elton, colocando o copo sobre o bar e indo para perto do piano com uma pasta que havia ido buscar em seu quarto.

- Esse seu livro... já tem nome? – Elton perguntou.

- Não ainda. Você leu?

- Alguma coisa, estou sem os óculos. Li uma frase aqui que é bem você...

- Qual?

-“Se o exagero fosse um cavalo, eu cavalgaria montado nele a todo galope”...

Bernie passou a mão pela testa e deu um leve sorriso sem graça, ficando vermelho.

- Eu podia cantar essa frase. É uma autobiografia?

- É...

- Eu vou estar nela?

- Claro... que não!

- Por quê?

- Porque vou falar da minha infância, minha vida em Lincoln, com meus pais, meu avô John Leonard, pai da minha mãe, meus irmãos, o nascimento do Kit em 61 até... meus dezessete anos, a minha saída de Lincoln pra fazer e conhecer meu futuro em Londres... Estava tudo meio complicado por lá. Já te falei sobre isso. Você deve ter esquecido. Tenho vontade de fazer isso desde que escrevi “The Greatest Discovery”.

- Nossa! E por que não fez antes?

- Não sei... respondeu Bernie, dando de ombros. - Conheci um cara em Londres que me tomou todo meu tempo e a coisa se perdeu.

Elton balançou a cabeça.

- E eu sou o culpado de mais isso... Mas vai vender horrores, tenho certeza. Vou ser o primeiro a comprar.

- Não esquenta não. Posso até te dar um de presente, pra você ver como desviou a rota da minha vida... Bernie disse sem olhar para ele, sorrindo cínico.

- Ah, que maldade, Bern... Você respondeu ao mesmo anúncio na revista, cara. Não foi culpa só minha.

Bernie riu a valer.

- Não precisa chorar. Estou brincando. Nem sei se vou conseguir terminar até o final da década. Comecei em 78, quando o “From the Inside” do Alice foi lançado...

- Do Alice e seu... Elton esclareceu, com uma ponta de despeito na voz. – Adoro “How you gonna see me now”.

- É... Eu também... Depois parei por causa da elaboração do “Tiger”, fiquei 80 inteiro sem tocar nele e agora retomei. O cara voltou, mas está longe, sabe como é...

- Nojento!... Elton disse baixinho.

O letrista riu cínico. Estendeu uma pasta a Elton e disse:

- Isso é seu.

- Que é?

- Minha parte no próximo bolo. Eu não sei quanto material você já tem, mas acho que isso deve dar pro começo.

Elton abriu a pasta e começou ler com dificuldade, mas com interesse, o trabalho do amigo.

- Não precisa ler agora, já que você está sem os óculos...

- Eu quero ler... e não se assuste se eu não sair com alguma coisa pronta daqui.

Bernie sorriu.

- Isso vai ser inédito. A gente nunca fez uma música juntos no mesmo ambiente na vida, meu caro. Quer mudar a lenda?

- Posso tentar?

- Fique à vontade. Vou ver se acho sua outra lente.

Elton sentou-se ao piano e apoiando as letras no suporte, começou a lê-las bem de perto. Ao chegar na porta, Bernie voltou-se e ficou olhando para ele.

- Sabe do que estou me lembrando?

- Do quê?

- De uma vez que você quebrou os óculos e teve que fazer um esforço desgraçado pra ler as letras e compor, lembra?

- Já quebrei tantas vezes...

- Não na época em que não tinha outro pra substituir. Foi em... 69... 68... sei lá. Acho que foi em 69...

- É... De volta ao passado!

Bernie saiu. Chegando ao salão, pôs-se novamente a procurar a lente perdida. Vodca entrou ali e começou a lamber-lhe o rosto. Vendo a posição em que o dono estava, de quatro, pensou que podia brincar.

- Sai, garotão, não estou com tempo pra brincar agora. Dá o fora, disse, empurrando o cão, que insistia nos carinhos. - Vodca, eu estou ocupado! Quem foi que te deixou entrar aqui? Não é possível que eu tenha deixado a porta da cozinha aberta outra vez! Vem, vamos saindo.

Ergueu-se e ia levar o animal para fora, mas Vodca sentou-se no tapete e ficou olhando para ele, com a língua pendurada.

- Vem, anda! - ordenou.

O cão nem se moveu.

- Ah, meu Deus! Alguém tem que ensinar disciplina canina pra você, mas quem? Cada pessoa tem o cão que merece. Mas será que eu sou tão mal criado assim?

Vodca latiu alto duas vezes, como a responder que sim.

- Tudo bem, fique aí, mas fique quieto que tem gente trabalhando ali naquela porta no final do corredor, ok?

O cão deitou-se, encostou a cabeça nas patas e quedou-se olhando para ele. Bernie voltou a procurar a lente. Minutos depois, o som do piano começou a soar pela casa e Vodca levantou a cabeça, latindo mais uma vez.

- Eu falei pra ficar quieto!

Foi o mesmo que não falar nada. O cão levantou-se e correu para a porta do estúdio, entrando.

- Vodca!

Quando chegou lá, Bernie não pode fazer mais nada e nem precisava. Elton estava com o cão no colo e acariciava seu pêlo, fazendo-lhe carinhos.

- Já estava com saudades dele.

- Desculpa. Ele é impossível de vez em quando.

- Tudo bem.

Elton sentiu algo estranho no pêlo do cachorro e procurou saber o que era. Por incrível que pudesse parecer, saiu com a lente perdida entre os dedos.

- Minha lente! Você é ótimo, Vodca!

- Um ótimo lugar para se achar as coisas, concordou Bernie. - Vem, Vodca! Você já fez muito por hoje, mas dá o fora. Vem!

- Não por mim, disse Elton, soltando o cachorro no chão.

- Não, por mim! Quando ele está dentro de casa, quem não tem paz sou eu. Venho já. Anda, garoto!

Bernie saiu com o cão e voltou minutos depois.

NOS CALCANHARES DO VENTO - PARTE 3

CONTINUA...

SEJAMOS SEMPRE REFLEXO DA GRAÇA DIVINA. OBRIGADA!

BOM DIA E QUE DEUS ABENÇOE A TODOS

Velucy
Enviado por Velucy em 05/10/2019
Código do texto: T6761588
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