QUEBRANDO BARREIRAS - CAMALEÃO - PARTE 10

II - CAMALEÃO

But you’ve created your own ghosts,

And the need you have is most...

Than more to hide it

“Chameleon” – do álbum duplo Blue Moves - 1976

Dois dias depois, Elton teve alta. Quando pisou no salão fronteiro da mansão, ele estava coberto de flores e cartões de amigos e fãs do mundo inteiro, desejando a ele pronto restabelecimento. Toda essa correspondência foi, em sua maioria, trazida dos escritórios da Rocket Records e da John Reid Enterprises.

Disposto a não pensar muito em nada e a fazer menos ainda, Elton pôs-se a ler os cartões e cartas que recebeu. Além disso, atendeu telefonemas de amigos querendo saber de seu estado. Tudo aquilo o animou e ajudou a diminuir um pouco a tristeza, embora, ainda assim, havia alguma coisa pesando em seu coração.

O médico foi visitá-lo duas ou três vezes, neste período, e, numa dessas vezes, no jardim da mansão, perguntou:

- E aí? Pronto pra outra?

Elton olhou para ele sério e não respondeu.

- Médicos também tem senso de humor, sabia? Senão não dá pra aguentar! Você poderia pelo menos me mandar pro inferno.

- Não estou com ânimo pra nenhum dos dois...

- Quando você começa a trabalhar? Seria bom fazer alguma coisa fora de casa. Ir ao Watford... O Bernie já veio te ver?

Elton balançou a cabeça, negando.

- Mas ele está em Londres, ainda.

- Eu sei. Minha mãe me disse.

- Ele deve ter ficado muito zangado com você.

- A diferença entre o Bernie e o meu pai biológico é que Bernie me ama, senão eu não estaria vivo agora. Meu pai teria providenciado o pelotão de fuzilamento na porta do hospital pra garantir minha saída morto.

Dough riu e ficaram em silêncio por um momento. O médico reiniciou o diálogo.

- Posso te fazer uma pergunta?

- Diga.

- Você não quis conversar comigo no hospital sobre isso, mas... que foi que você sentiu antes de tomar aqueles comprimidos?

Elton colocou as mãos nos bolsos das calças do agasalho e olhou para o chão.

- Nada muito especial...

- Nada?

- Eu... nesses dias, tenho ficado muito tempo no estúdio arrumando meus discos e isso nunca me cansou, mas naquele dia estava cansado. Já era quase meia noite e eu tinha ficado a tarde inteira lá e subi para o quarto. Mas o cansaço que eu sentia, não era físico... era moral... Não sei como explicar... Eu me sentia... sujo, inútil e...vazio... Deitei na cama e não consegui dormir... Não consegui nem fechar os olhos... Comecei a lembrar... das coisas erradas que vinha fazendo, do Guy, do... Bernie... meus pais... Eu nunca dei muito valor pras coisas que Stanley Dwight dizia, mas comecei a ver que, apesar de não ter chegado até onde cheguei por meios imorais, como ele dizia, ele tinha razão quando me disse uma vez que eu, um dia, ia olhar pro espelho e descobrir que nunca tinha sido um homem feliz... E quando minha mãe disse... quando eu contei pra ela que era gay... que eu nunca ia ser amado de verdade...

- O que não é verdade...

- Não sei se é verdade... mas eu não estava nada contente naquela noite... Você acha que isso de eu tentar... dar fim a tudo, é uma atitude infantil e impensada?

- Só você pode responder essa pergunta.

- Não posso, Dough... E por não poder responder a nenhuma das minhas próprias perguntas é que eu queria ver se... a resposta estava em algum outro lugar, fora daqui, longe daqui. Por que as coisas têm que ser tão complicadas quando você olha no espelho e descobre alguém que você não conhecia antes? De repente eu me vi expulsando de mim mesmo aquilo que eu sou de verdade. O cara cheio de vícios... falhas e com mil dúvidas, algumas das quais... eu não tenho direito de ter porque... a “limpa” sociedade à minha volta não aceita. Por que a gente tem que nascer pra ser exatamente o que eles querem? Por que a gente tem que ter a mesma ideia que eles, a respeito de religião, política... sexo?... Por que todo mundo está interessado em moldar todo mundo numa argila só? Por que eu tenho que me envergonhar de não querer dormir com quem eles querem? Por que eu tenho que me envergonhar de ser homossexual se é assim que eu sou?

Dough sorriu levemente, respondeu:

- Você não pode se culpar pelos pensamentos dos outros...

- E quando eles também são os meus pensamentos? Eu também faço parte dessa trama! Eu também contribuo com isso!... Era esse pensamento que me triturava por dentro naquele dia... De repente eu me via causa de tanto problema... Você perguntou no hospital se eu não pensei na Sheila quando fiz aquilo, mas eu pensei sim! Pensei... como alguém que sofria por minha causa também... como Bernie sofreu...

- Já experimentou pedir desculpas pros dois?

- Já... Ela dá aquelas respostas bestas de mãe... Ele não aceitou. Disse que também foi culpado... Mas não foi, não foi não...

Elton passou as mãos pelo rosto e continuou:

- ...comecei a lembrar das entrevistas na América, dos jornais, das coisas que falavam de mim e dele e eu não neguei... Deitado mesmo, eu abri a gaveta do criado ao lado da cama e... tirei o frasco. No meu pensamento eu ia tomar um só, e tomei. Fui até o banheiro e tomei um comprimido, mas não adiantou. O comprimido não fez efeito. Voltei ao banheiro e peguei um copo d’água. Tinha uma vontade doida de sumir... Minhas mãos começaram a tremer e... coloquei mais alguns na boca, não sei quantos...Voltei pra cama e me deitei, e senti os olhos pesarem, o frasco caiu da minha mão e, quando acordei novamente, estava no hospital, com você olhando pra mim com cara feia...

- Não houve desejo de morte, então.

Elton encolheu os ombros.

CAMALEÃO – PARTE 10

CONTINUA...

OBRIGADA E BOM DIA!

Velucy
Enviado por Velucy em 25/07/2019
Código do texto: T6703909
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