"LIVRE ARBÍTRIO 04"


                                                     LIMBO
 
     Viu as pessoas se aproximando e apesar de serem apenas formas humanas feitas de luz, ele as reconheceu, sabia-lhes os nomes e os amavam, mas eles passaram por ele sem falar. Apenas sentiu seus olhares de luz em sua direção e sentiu dor, como podia sentir dor se não tinha corpo? A dor não era física, era uma dor como a saudade, a tristeza, a melancolia.

     Era como quando se sentia só, era como quando se sentia desprezado, era como quando ele ficava com vergonha ao ser chamado a atenção pela mãe por ter errado ou quando era ridicularizado pelos amigos na adolescência e chorava e quanto mais chorava, mais era motivo de chacota pelos garotos que ele queria que fossem seus amigos.

     Os seres de luz passaram por ele e ele sabia o que fazer, apenas esperou que eles se distanciassem o suficiente para não ofendê-los com sua proximidade. Seguiu atrás deles sempre mantendo a distância delimitada antes. Ao longe avistou um edifício, era como um castelo também feito de luz, mas ele sabia sem que ninguém lhe dissesse, o que era aquele lugar. Caminhou para seu destino como se uma força invisível o transportasse.     

     Próximo do castelo de luz azul, os seres que o precediam pararam e formaram uma fila deixando um corredor central. Ele sentiu as dores novamente, ao chegar a três côvados do corredor brilhante viu os seres virarem de costas e ele caminhou agora sentindo a dor que doía mais, o desprezo. Ele caminhou morrendo mil mortes, tamanha era a dor que sentia, quando enfim terminou o corredor, subiu uma escada de degraus da cor do sangue e dez côvados de altura
.
     Havia uma plataforma antes da entrada em uma porta enorme e que parecia feita para gigantes passarem, media doze côvados de altura por seis côvados de largura. Sabia que tinha de entrar, e agora à dor do desprezo, juntou-se a dor da vergonha, caminhou entre milhares de seres iluminados como os outros seus conhecidos, mas com vestidos de lindas cores que os diferenciavam dos que ficaram do lado de fora.

     Não lhe viraram as costas, mas sentia seus olhares piedosos e isto lhe trouxe a dor que ele ainda não tinha sentido, o remorso e doeram mais suas dores. Suportou as dores e o sofrimento até que se aproximou de um altar sob as cores do arco íris e avistou um trono com três lugares. No centro estava sentado um ser de luzes que se transformavam e mudavam de cores conforme ele a olhava e ele se lembrou da palavra infinito. À sua esquerda havia outro ser de luz mais suave e ele lembrou-se da palavra mãe. Ao lado direito havia outra figura com luzes que lembravam a palavra esperança e ele sentiu a dor mais forte de todas; A dor de ter traído.

     Quis ajoelhar-se, mas não conseguiu, quis falar, mas não pode mover seus lábios, queria continuar olhando aqueles seres mais lindos que ele já tinha visto, mas de repente o arco íris se apagou, os seres desapareceram e viu uma nuvem escura sugando a luz e se viu de repente parte das sombras. Viu-se sendo transportado pelas sombras e se sentiu sombra, e como sombra se aproximou de um lugar sem cores e se separou da grande sombra. Viu de novo suas formas, mas agora eram feias sem luz, era uma imagem de sombras.

     Todas as suas dores agora doíam de uma só vez, e era uma tortura difícil de suportar ele gemeu e ouviu seu gemido, ele uivou e ouviu o seu uivo e junto aos seus uivos e gemidos ele começou a ouvir outros uivos e gemidos, lamentos, choros e não via ninguém. Saiu correndo e despencou num abismo e foi batendo em pedras e sentia a dor das pancadas, caiu num poço onde não havia qualquer luz e todos os medos que ele sentia de quando era humano, ele os sentia agora e todas as dores também.

     De repente chegou ao fim do poço, era uma enorme caverna, caminhou e se encontrou com um monstro enorme que tentou devorá-lo, mas ele correu por um túnel estreito e o monstro não pode segui-lo. De repente se viu numa grande sala com apenas uma saída além da que ele entrara. Tentou usá-la, mas uma porta se fechou tentou voltar e a porta por onde entrara se fechou, neste instante começou a sair fogo do chão da caverna e sentiu a dor das queimaduras e urrava e uivava e gemia e ouvia os horrores de outras vozes, e não via ninguém e ficou ali se queimando sem tréguas.

     Perdeu a noção do tempo, sentia o cheiro da sua carne queimando e não se consumia só sentia as dores, de repente as chamas se apagaram e ele não sentiu mais esta dor, respirou aliviado e se deitou no solo agora frio. Cada vez mais frio, muito gelado, ele estava se congelando e sentiu todas as dores o atormentando e ficou assim sem medida de tempo, De repente o fogo e outra vez o frio e a porta se abriu e ele saiu, para as sombras e os gritos de quem também sentia suas mesmas dores chegavam aos seus ouvidos.

     Sentou-se em uma saliência, de repente suas dores pararam de doer os gritos se calaram e muito longe ele avistou o castelo de luz. Chorou se arrependeu sentiu vergonha por que sabia que estivera perto da redenção, tivera a oportunidade de não ter mais que descer á terra, poderia estar agora como seus amigos nos bilhões de planetas diferentes como educador e falhara na sua missão. Teria que suportar seu castigo e voltar ao aprendizado até adquirir de novo sua luz, quando?

     Vagava entre outros sofredores, ao se arrepender ele não sentiu mais as dores, mas sentia as dores dos que chegavam, ouvia-lhes os uivos e os gemidos e chorava por que não podia falar, não podia consolar. Seu sofrimento era tanto quanto o dos que estavam sentindo as dores que ele sentira e ele chorava e se lembrava de seu crime na terra quando deveria ter cumprido uma missão de paz e amor e falhara.

     Arrependia-se e pedia perdão, pedia perdão ao infinito, pedia perdão às pedras e quando ele pedia perdão às pedras, elas se cobriam se sangue. Ele chorava e suas lágrimas limpavam as pedras do sangue Em um momento que ele estava sofrendo no mais profundo arrependimento, ele viu abrir-se uma porta com uma fraca luz iluminando um corredor, entrou por ele e saiu num vale iluminado olhou para os lados e não via seres. Apenas uma imensa extensão de terra parecendo um belo jardim e sentiu--se mover numa direção e não viu ou sentiu mais nada.

     Na casa do senhor Aldo Brandão, sua esposa estava eufórica com uma noticia alvissareira. Sua filha Edite acabara de ganhar uma filha saudável e era a primeira neta dela, A menina iria se chamar Jesuína, nome escolhido por seu marido que no passado teve um parente assassinado por ter amado uma mulher que se chamava assim e que morreu por estarem se amando.

Continua na próxima sexta feira
Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 22/05/2019
Reeditado em 22/05/2019
Código do texto: T6654082
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