O PICADEIRO DAS CINZAS: UM ROMANCE HISTÓRICO (capítulo 2)
Vida e palco:
A arte de não parar.
Distraiu, dança.
(Haikai: Teatro da vida)
O ENSAIO
(Por Erick Bernardes)
O espaço do tablado é bem pequeno e simples, mas adequado aos exercícios de palco que a dupla pratica com desenvoltura. Aconchegante talvez seja a palavra boa para descrever o ambiente do ensaio. Sim, aconchegante demais, agradável aos olhos, confortável ao espírito desejoso de obter entretenimento. Tábuas corridas muitíssimo antigas, escurecidas e brilhosas, dá gosto estar sobre o chão lustroso. O aroma sintético denuncia o bom verniz aplicado na madeira importada devido à exigência do administrador do espaço. Sem o toque-toque dos bicos dos calçados a baterem no solo de carvalho tratado, o palco do teatro perderia a graça. Quanto aos estofados encarnados? Inegável reconhecer que merecem reparos, porém nada que abstraia o charme do centro de artes dramáticas tão tradicional no Rio de Janeiro. Só perde em fama para o palco da companhia Tablado, embora este último tenha crescido em propaganda; ao menos é o que dizem os entendidos da arte de interpretar.
Dois atores se encontram ali em frente e ensaiam a cena, mexem-se em sincronia, miram suas frontes. Eles efetuam movimentos singulares, elásticos e lentos. Sim, lentamente cambaleiam seus torsos sobremaneira acostumados à dança. Graciosos e semelhantes mexem-se, sem que um nem chegue a tocar na pele do outro. Apenas um ensaio teatral. Os atores imaginam haver um espelho separando seus trocos. Isso mesmo. Estão apenas ensaiando. Um jogo cênico com vistas a representar (ou seria apresentar?) o próximo espetáculo. Durante o movimento fingem refletir imagens deles mesmos. Mas imagem refletida de fato não há. Fingimento. Necessário então respeitar o limite do vidro retroflexo inexistente que separa ambos. Pois é, o espelho é imaginário, ficção. Em frente ao palco, um pouco mais embaixo, sentado na primeira das poltronas na segunda fila, Lauro espera pela entrevista combinada semana passada e sente-se admirado por causa do jogo lindo da contradança realizada bem ali à sua frente. E é verdade, lindíssimos bailados essenciais à coordenação motora dos dois atores praticantes.
Chama-se “O espelho” o exercício realizado entre os profissionais de teatro — e isso decerto lhe atrai a atenção. A atividade acontecida ali consiste em que duas pessoas devem imitar-se durante os movimentos realizados. Um diante do outro, para que configurem um espelho mesmo em projeção imaginária e busquem o reflexo mútuo continuado. Pronto, dito e feito, embasbacado está o jornalista Lauro Ventura.
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