Desembucha Coração
Eu sentia que havia alguma coisa errada, mas não sabia o que. Mesmo não tendo coragem para desabafar com meu grande amor as mais puras palavras que ele em pessoa ou em espírito arrancava da minha alma ou sentimento, enfim, por escrita eu era obrigada a fazer isso. Eu deixava de ser eu, se tornando a mulher mais infeliz diante dos meus conhecimentos. Eu já não conseguia ficar em paz. Minha paz era ele. O meu amor por ele tinha se tornado vício em escrita. Ainda bem que eu tinha a Sara como amiga.
Sara era quem sempre servia de correio elegante para que minhas declarações chegassem a ele, que nunca me respondia. Eu tinha medo de levar um não da parte dele, de ser insultada. Sempre que o avistava, procurava me ausentar, pois minhas pernas tremiam, meu coração pulsava tão forte que chegavam aos meus ouvidos.
Sara sempre procurou me alertar deste vacilo, mas eu jurei a mim mesma de que um dia, mais cedo ou mais tarde, eu teria coragem de chegar nele, enfrentando esse amor pessoalmente. Veria de perto aquela face, aqueles olhos, aquela fisionomia que só Deus sabe o que significava para mim. Enfim, os dias foram passando, eu juro, lutei o quanto pude para que esse dia chegasse, e que todos os meus desejos sobre este anjo tudo viesse a se concretizar!
Foram ao todo quatro anos para que eu desse conta de tudo o que eu mesma criei. Sara se distanciou de mim, alegou ter arrumado um emprego, tornando-se difícil de nos encontrarmos com frequência. Nossa amizade foi se esfriando. Um dia chegou ao meu ouvido de que Sara estaria de namorado. Eu só não soube o nome do dito cujo.
Senti na pele que agora de fato teria perdido minha melhor amiga. Tudo se tornaria mais difícil pra mim. Aquele amor me atordoava de vez. E quem agora me serviria de fonte para conscientizá-lo do meu amor por ele? Sem Sara por perto tive que ser mais audaciosa. Ou eu enfrentava de vez o Percival de frente ou continuava apelando para as escritas. Acabei sendo covarde e escolhendo a segunda opção. E ele enfim descobriu quem era a autora da carta.
Eu sempre sonhei conversar pessoalmente com ele, mas era muito covarde. A vida, porém, nos surpreendeu, fazendo-nos ficar de frente a frente. Era uma tarde ensolarada. Eu acabara de chegar a um ponto de ônibus para ir ao meu emprego. Para minha surpresa, Percival se encontrava ali, alegando precisar falar comigo. Cai em risos. Quem é que não sonha em conversar com a pessoa amada?
Fomos para uma lanchonete ali perto a convite dele, onde tomamos açaí.
—Teu nome é Ana? – perguntou ele, a um tom tão tenso quanto o meu. De início respondi um sim, logo insinuando de que estaria delicioso o açaí, arrancando um riso imediato dele. E que risos!
O tempo foi passando. Fomos perdendo o assunto, até que ele retinol do bolso algumas folhas, as cartas que eu havia escrito. De um modo sombrio, mas sem perder a educação, ele foi logo direto ao assunto, indagando se era eu mesma a autora das cartas ou se era Sara. De início, assustei. Mas por que Sara? Sara e eu sempre fomos amigas. Por qual motivo ele me perguntaria sobre ela?
Aquele tinha tudo para ser um dos melhores dias da minha vida, mas logo veio uma bomba. Percival há quatro anos era namorado de Sara. De início, lógico que me deu uma tamanha vontade de correr atrás dela para tirar satisfações, mas não tive coragem de deixar Percival ali. Eu precisava desabafar com ele tudo que ocorreu nesses quatro anos, em que me acovardei. Cheguei a lhe pedir perdão, mas com risos meigos ele justificava que não havia motivo.
Conversamos muito. Ele disse que as minhas palavras o fizeram se apaixonar por Sara. Minhas últimas cartas direcionadas a ele, mas com caligrafia diferenciada de Sara o despertou. Comparou essas últimas cartas com as cartas que ela escreveu com a letra dela.
Percival alegou que não conseguiria perdoar Sara. Eu me sentia um pouco culpada e ao mesmo tempo, revoltada pela trairagem de Sara com minha pessoa. Minha mãe, tão sábia, sempre disse que ninguém perde aquilo que é seu e que cada um tem a sua metade da laranja.