"FEDRA DEPOIS DA QUEDA"

ELUCIDÁRIO: Este texto, em verdade, não está classificado como uma novela, mas sim como um texto para teatro, o qual não fôra classificado dessa forma, vez não haver referida opção na relação dos gêneros de textos abarcados neste site.

PERSONAGENS:

Akhlys, Alecto, Anaplekte, Átropos, Caronte, Dolos, Éaco, Enone, Fedra, Hades, Hermes, Híbrys, Ker, Limos, Megera, Minos, Nosos, Poinê, Radamanto, Stygere, Tisífone, Voz oculta

"SOBRE O MITO DE FEDRA"

A paixão da rainha cretense Fedra por seu enteado, o príncipe Hipólito, faz-se mesmo avassaladora porquanto, inclusive, consequência de um vingativo ato da deusa do amor e da beleza, Afrodite, trata-se, vez o casto príncipe, às caças, com primoroso empenho, dedicar-se, sem mesmo sequer o amor, em seu coração, cogitado ser: não, somente para as caças, Hipólito tem olhos! A tragédia, então, sua forma passa a tomar, com Afrodite, o coração da madrasta, a mais avassaladora paixão pelo enteado, arrebatando.

Ânimos excitados, a madrasta ao enteado, sua paixão acaba por declarar e, rejeitada sendo, ao marido diz que o enteado, a ela, não somente apaixonado declarou-se, como violentou-a. Como consequência da ira paterna com a qual, por vingança, a Poseidon ele clamou, de um despenhadeiro seu filho cai, portanto, morrendo. Arrependida, suicídio comete a madrasta. Desgraça feita, tragédia concluída. "Fedra Depois da Queda", do prosseguimento pós-suicídio da madrasta trata-se, no além-túmulo, no reino dos mortos, o Hades.

Penso que o mito de Fedra, esta ancestral personagem da Mitologia Grega, não limita-se apenas ao mito da mulher apaixonada e, não correspondida e rejeitada, à vingança, seu coração a leva. Trata-se do profundo infortúnio pela própria alma humana gerado, por isso a intensidade de se jogar para uma divindade a responsabilidade a qual, tão somente, humana faz-se, até porque os deuses, das mesmas características humanas, imbuídos são, um prolongamento das ações e reações humanas, claramente, evidenciando.

Fazem-se, assim, presentes e constantemente notórias, nossas mais intrínsecas frustrações, fruto dos mais absolutos e próprios egocentrismo e egoísmo humanos, já quando do princípio da própria existência humana. Assim faz-se, assim é, desde que, portanto, o mundo, habitamos até o dia no qual não mais habitá-lo-emos, por conta das constantes alterações naturais do próprio planeta e de toda a vida por ele abarcada, alterações essas gradativas, por isso, no dia a dia, não percebidas.

Nesse caminhar o qual infindo parece ser, da mesma forma, infinitamente prosseguimos, nas mesmas ações e reações de outrora, de agora, de dentro para fora, de tempo em tempo, de eternidade a eternidade, enquanto persistirmos e resistirmos. Até que isso, também, mude, conquanto imutável pareça, vai o ser humano, na sua própria e natural condição, suas benesses e mazelas gerando, muitas vezes, na alma, completamente cego, outras tantas, perfeitamente enxergando, da sua mais peculiar forma, apenas e tão somente, humanamente humana; haja bênçãos, haja maldições, todas elas por nós mesmos geradas, todas elas, portanto, humanamente humanas; completamente, absolutamente.

ATO I

Escuridão absoluta. Ouve-se o 2º movimento do Concerto nº 3 em Fá Maior, adagio molto, RV 293, Outono, As Quatro Estações, de Antonio Vivaldi (versões sugeridas: com “Berlin Orchestra Festival, Stefan Bevier”, ou com “A Magyar Állami Operaház Zenekara Budapesti Kórus”, ou com “Europa Galante, Fabio Biondi”). Aos poucos, sobre o centro do palco, vai a luz clareando: de trajes pretos, desperta Fedra, ao final do movimento musical. Levanta-se, ao todo o seu redor, apreensiva, a olhar.

FEDRA

Ai que viva eu continuar, possível não se fará!

O veneno o qual tomei,

dado a mim por Medeia,

um efeito fatal garantia!

Mas ai que em trevas, então, encontro-me!

Faz-me, enfim, o mais almejado alívio!

Conquanto ao mundo dos vivos não mais eu pertença,

evidenciando que o brilho da sua luz

volta a sua mais intensa pureza,

ao adentrar-me as trevas,

ainda mais trevoso torno o mundo dos mortos!

Com o quê aqui deparar-me-ei?

Mereço os mais terríveis castigos!

Brado eu por minha própria punição!

Eis-me aqui, Afrodite! Eis-me aqui, Hades!

Façam, então, de mim, o que bem entenderem!

Punam-me, pois, com a mais severa justiça!

Já não anseio por mais nada

senão por isso mesmo, a minha mais rigorosa sentença!

O amor não mais me toma

porquanto no mais angustiante e desolador desespêro jogou-me!

Vejo-me ardilosa e perversa!

Odiosa e maldita!

Do que posso, portanto, digna ser

senão, uma vez mais,

não do mais absoluto desprêzo,

vez que a mim mesma desprezo-me;

tampouco do mais pleno ódio,

vez que não menos, intensamente, odeio-me;

porém, do mais dorido remorso

o qual remói-me e completamente destrói-me,

minh'alma inteiramente assolando e devastando!

Consôlo não há

e muitíssimo menos presença de paz!

A guerra, de mim assenhoreia-se

em toda a sua plenitude,

como dos pacificadores

a plena paz os domina!

Ah...!!! Angústia a qual me mata!!!

VOZ OCULTA

Morta já encontra-se, Fedra...

No entanto,

viva como a mais terrível chama

da mais pungente dor!

FEDRA

Quem, pois, fala-me?

Acaso seria o meu opressor?

VOZ OCULTA

Vejo que, ao menos,

a sagacidade não abandonou-lhe,

vez que, sim, sou seu opressor!

FEDRA

Por que não apresenta-se diante de mim?

O que o impede?

Ou intrínseca parte de um jôgo seu faz,

absolutamente assolador?

VOZ OCULTA

Ora, ora, Fedra,

em todo o tempo, com você tenho estado

e, pois, não apercebe-se?

Não vê mesmo quem sou?

Não percebe que com sua pessoa estive eu

nos momentos mais triviais,

como, também, naqueles os quais foram cruciais?

Estar sem mim é o mesmo que estar sem você,

ó eterna prisioneira de si mesma!

FEDRA

Quem é, pois, você?

Por que deveria eu perceber

se nem mais de mim mesma apercebo-me?

VOZ OCULTA

Sou sua consciência interna,

profundamente intrínseca!

Sou seu inconsciente o qual,

para todo o sempre,

muitíssimo mais a incomoda do que a agrada!

Aflitivamente retificando, ó maldita!:

em verdade,

sou-lhe o tormento o qual multiplica-se

sem que jamais a possa livrar!

Punjo-lhe o ser de tal forma

que o ódio por si mesma lhe toma

e os supliciantes clamores

os quais sua alma gera,

não mais abandonando-a, em vão,

ao mais almejado desejo de não mais existir, leva-la-á

porquanto o que a abandona mesmo,

pela infinitude dos tempos,

será a paz pela qual suplicará

e, no entanto, nunca a terá!

FEDRA

Ai pesadelo o qual me toma!

Conquanto seja propício,

como o mais abominável ser torna-se!

Sim, ser de si mesmo o mais avassalador prisioneiro

quando o ardente desejo

é para de si mesmo completamente livrar-se,

certamente a pior de todas as punições faz-se!

Sou algoz e vítima de mim mesma!

Contudo, o quê digo?

O quê, insanamente, profiro

se meu mais intrínseco desejo

este mesmo faz-se,

ao sofrimento entregar-me

como quem, regozijantemente, em êxtase,

ao mais pleno júbilo entrega-se!

(diante de Fedra surge uma bela donzela)

Mas como posso em trevas encontrar-me

diante de tão bela donzela?

Quem é você que a mim apresenta-se?

Como pode, tão bela, nessa escuridão

a qual nem mesmo mínima presença de luz vislumbra?

O que faz aqui, bela jovem?

Não abraça-lhe o mêdo?

Ou em trevas não encontro-me?

No entanto, como não encontrar-me-ia se da luz

há sua mais plena e completa ausência?

ÁTROPOS

Cega encontra-se a alma

até mesmo quando ao mundo dos vivos

ela não venha mais pertencer!

Fortaleza necessária faz-se a ilusão

porquanto ao engano apega-se a alma

como à inocência ainda pertence o infante!

Vê-me tal qual diante de você apresento-me, Fedra?

Assim como as trevas, sim, lhe cobrem,

cobre-lhe um véu o qual,

ver-me como verdadeiramente sou, lhe não permite:

ó ilusão! ai engano!

Com absoluta aceitação a eles entrega-se

porquanto bela aparento-lhe

como belo poderia seu destino aparentar-lhe,

porém,

eis que nada bela sou, senão lúgubre,

de sinistro aspecto, grandes dentes e longas unhas!

Tenho o poder de romper o fio da vida

e meu nome significa "à vida não mais voltar"!

FEDRA

Eis, então, que você é uma das moiras,

atestando-me que ao mundo dos mortos,

pois, definitivamente, pertenço mesmo!

ÁTROPOS

Ainda incerta encontra-se, Fedra?

Pois daqui em diante,

saberá que, real e verdadeiramente, no Hades,

o mundo inferior, o submundo,

a contrapartida escura do brilho do Monte Olimpo,

o reino dos mortos, eternamente encontra-se,

ai rainha pela trágica morte vencida!

Aqui, onde abarca-se os rios

Aqueronte, rio da dor, Cócito, do lamento,

Flegetonte, do fogo, Lete, do esquecimento,

e Estige, da invulnerabilidade, os quais fronteira

entre os mundos inferiores e superiores fazem,

sim, de eternidade a eternidade,

aqui você permanecerá, não mais sairá!

Aqui, no seio das trevas brumosas

das entranhas da Terra sob o comando de Hades,

sua horripilante morada,

local odiado, de bolor e podridão, transbordante!

Cidade dos homens cimérios,

por nuvens e brumas espessas sempre envolvidos!

Os raios do resplandecente sol nunca foi dado alcançá-los!

Por sobre esses míseros, sem pausa,

a nociva noite estende-se!

Aqui, você, ó alma! ó espectro!,

para todo o sempre, há de habitar!

Eis, agora, portanto, sua eterna e sombria morada!

Haverá de subsistir em estado de desolação e lamentação

neste reino soturno e obscuro, misterioso e sinistro,

escuro e insondável!

Eis, portanto, o prolongamento de sua vida terrena,

ó Fedra, de tudo o que em vida possuía,

destituída!

Da vitalidade física a qual em vida conservava,

desprovida!

FEDRA

Em eterna e sombria morada,

quando em vida, já encontrava-me!,

e não menos desolada e lamuriosa,

vez meu coração, obscuro e sinistro, já ser!

Assim, ó moira, indago-lhe: para onde vou?

Há de levar-me para algum lugar

onde não desejaria eu mesma estar

se de bolor e podridão,

em abundância, também, encontro-me?

Pois tão próprias e intrínsecas a mim

são tais características!

Serei, pois, julgada pelas minhas ações em vida?

Quando isto ocorrerá?

Pelo quê ainda devo passar, ó sinistra moira?

ÁTROPOS

Mas como toma-lhe a ansiedade!

Tudo a seu tempo, ó angustiante alma!

Passo a passo e você, assim, verá!

O que me cabe, aqui lhe faço,

eu, Átropos, portanto, a moira

a qual este derradeiro momento anuncia-lhe,

ó mais sofrida alma, por remorsos mais abarcada!

Das moiras, a mais velha sou,

conhecida como inevitável e inflexível,

e como atributos,

o quadrante solar, a balança e a tesoura,

a esfera e o livro onde os destinos leio,

todos eles possuo: portanto,

chegou-lhe o momento, ó aflita alma!

Por mim, pois, cortado fôra, de sua vida, o fio,

da vida a qual, você mesma, cabo deu,

o suicídio cometendo!

Sim, haverá de julgada ser:

prepare-se, pois, para o que ainda lhe vem,

para o que a aguarda…

ansiosamente… certeiramente…

Pelo ar a flutuar, a moira Átropos, da presença de Fedra sai.

FEDRA

Vai assim, ó moira?

Ansiosa e certeiramente, algo aguarda-me

e nem mesmo uma única palavra a mais profere?

Cogitar pelo que me aguarda devo eu,

também, num sem fim de ansiedade?

Enfim, um fim conceda-me!

Pelo que mais devo esperar?!

(sente ela uma brisa por seu almático corpo passar, calafrios gerando-lhe)

O que é isto? Ai calafrios os quais me tomam!

Minha jornada, enfim, começou?

AKHLYS (somente em voz)

Como não haveria de começar, ó rainha?

FEDRA

Vem-me minha oculta consciência

de volta comigo a falar?

Com ironia ainda age,

de rainha a me chamar?

Sobre qual trono, portanto, assento-me

e quais domínios a mim pertencem

se tão somente os domínios do absoluto mal

não forem?

AKHLYS

Ó fatalidade!

O pêso de sua angustiante consciência não a deixa?

Pois perfeitamente sabe que, do mais absoluto mau,

rainha não deixa mesmo de ser, Fedra, não é,

ó mais trevosa alma?

Companhia vim fazer-lhe, querida,

merecidamente, tormentosamente!

Sim, meu bem,

sua eterna e mais infinita jornada começou!

(e diante de Fedra ela surge: Akhlys, uma das queres, de horrendo aspecto, com grandes caninos, tal como os dos vampiros na acepção moderna, e unhas aduncas)

Ao seu inteiro dispor, Akhlys, névoa da morte:

uma das infinitas queres eu sou,

o cruel e fatal destino,

impossível de escapar, simbolizando!

A violenta morte invoco,

a índole de todo descendente de Caos

em mim habitando! Infalível eu sou,

mensageira de Tânato, aqui no reino de Hades

ao lado das erínias,

as quais você terá a grata oportunidade de conhecer,

ó sofrida e mais amarga rainha!

(aproximando-se completamente de Fedra, ao ouvido lhe vem, asquerosamente)

Meus brancos dentes eu ranjo,

de ira, meus olhos transbordam,

sou feroz e sangrenta!

Terrificante, o escuro sangue dos moribundos

por beber, anseio!

Agarro-lhes a alma, para cá a trazendo,

para o frio Tártaro!

De sangue humano farto-me

a fim de, sempre e sempre,

nas batalhas e nos tumultos lançar-me!

FEDRA

Saia de mim, criatura monstruosa!

Se devo sofrer pelas minhas ações,

que seja de outra forma,

ainda mais sofredora e padecedora,

não dessa forma, insistentemente atormentadora!

AKHLYS

Não sabe o que profere, Fedra,

nessa sua cega insanidade,

inconsequentemente cruel!

Insistentemente atormento-a?

Pois ainda não sabe o verdadeiro significado do tormento,

suas hediondas consequências desconhecendo!

Deseja mesmo conhecê-las?

Faz-se lhe mesmo almejado desejo?

A fúria me abrasa!!!

FEDRA (tapando os ouvidos)

Some, peste!

Por que não chega logo o momento de meu julgamento?

Embora Minos, no Tribunal deste reino,

juiz o qual o decisivo voto abarca,

o meu próprio pai seja,

diante dele estar, tão logo prefiro!

Sei que de forte personalidade e grande senso de justiça,

detentor é, e que, portanto,

de justa decisão, livre não estarei,

contudo, ali desejo tão logo encontrar-me,

mesmo porque o mais justo e severo rigor

para mim mesma almejo,

inda que, diante de meu próprio pai, justo juiz,

deveras envergonhada e humilhada encontrar-me-ei!

(de repente, Fedra não mais vê Akhlys diante dela, como se, tão somente, num zás, de sua visão tivesse ela desaparecido)

O pleno silêncio constato…

se assim, tudo prosseguisse,

se tão somente o próprio silêncio me afligisse,

com minha consciência pelo pleno remorso abarcada,

no almejado desejo de, a sós, sofrer, deliciar-me-ia!

NOSOS (apenas em voz)

Não, assim não será…

FEDRA

Quem a mim agora vem?

De desagradabilíssimas surpresas, cercada estou:

até quando aqui permanecerei?

Quando diante de Minos encontrar-me-ei?

Você, o qual me fala, acaso o sabe?

Ou tão somente vem, também, de mim zombar?

NOSOS

Venho, com prazer, também, torturar-lhe

e não zombar-lhe, ó não, isso jamais,

soberana rainha!

FEDRA

Como não, se dessa forma me vem,

ironicamente a proferir tais palavras,

de soberana rainha chamando-me?

NOSOS

Cale-se, enferma alma!

A insanidade lhe cobre como,

ao mundo dos vivos e dos mortos, a plena guerra!

Definhe-se, ó Fedra, definhe-se!

Já não basta o que com Hipólito fez?

FEDRA

Oh, não! O santo e inominável nome profere,

doidivanas!

NOSOS (sarcasticamente rindo)

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Tão fácil, então, faz-se torturá-la…

FEDRA

Suma daqui! Cale-se você, maldita!

Seja você quem for! Não quero ouvi-la!

NOSOS

Não sou Enone, Fedra,

não sou Enone para obedecê-la e bajulá-la,

decaída rainha…

Meu nome é Nosos, ó insana querida, infâmia em alma!

Meu nome é Nosos,

ao lado de Akhlys, névoa da morte,

mais uma destruidora personificação,

Nosos, a doença!

Por sinal, por demais íntima, sou-lhe, pois não,

ó doentio espectro!

Como a um incurável câncer,

a doença da alma a corrói!

Sim, Fedra, como a corrói, não, rainha?

FEDRA

Ó ironia sem fim!

NOSOS

Clame por Hipólito, então…

FEDRA

Não profira, nesse inferno, nome tão santo e mais puro!

NOSOS

Oh, não mesmo?

O egocêntrico remorso,

a alma, adornar, não lhe permite?

FEDRA

Nojento cinismo!

NOSOS

Não menos imundo

do que o ato o qual à morte a levou,

o santo e imaculado jovem, também, levando,

violenta e cruel,

assoladora e devastadora morte!

Onde pensa que o jovem encontra-se?

No mais avassalador desespêro!

Inocente, conquanto assolado!

Puro, no entanto, devastado!

Santo, contudo, pelo mais torpe sofrimento,

manchado, maculado!

FEDRA

Tortura!

Do que vale-me o remorso

se não pôde ser a tragédia impedida?

Do que adianta todo o meu sofrimento

se aquele a quem puni,

do sofrimento, também, não livrou-se?

O que se fazer, ó deuses?! O que se fazer?!

NOSOS

Eternamente sofrer, minha cara,

eternamente sofrer no definhar de si mesma…

definhar e definhar…

e tão somente definhar…

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Ao chão, Fedra desaba.

FEDRA

Ai se tão somente do sofrimento

fosse o jovem poupado!

Clamarei por ele a Minos, meu pai, probo juiz!

NOSOS

Em vão…

FEDRA

Não atribua-me mais sofrimentos,

maldita criatura!

Acaso de justiça entende

se tão somente atormentar é o que sabe fazer, opressora?!

Oprime, pungentemente punindo!

No entanto, a reta justiça,

em tempo algum abarcaria,

trevosa criatura do mais profundo inferno!

NOSOS

Assim, sai-me melhor, enferma rainha,

assim, sai-me muitíssimo melhor!

FEDRA

O que profere, demônio?!

NOSOS

Tudo o que não deseja ouvir, demente rainha…

porquanto realidade faz-se

e loucamente deseja dela escapar!

Em vão… em vão, Fedra, tão somente em vão…

vez que, em total desespêro, deverá confrontá-la!

FEDRA

O seu tormento, destruir-me, não consegue!

Pelo contrário,

ainda mais forças gera-me

a fim de minha petição,

diante de me pai, apresentar!

NOSOS

Isso, meu bem!

Nesta sua atitude, prossiga,

vez que, quanto mais nela insistir,

tanto maior seu desespêro será!

ANAPLEKTE (somente em voz, ao ouvido de Fedra)

Tragicamente morreu Hipólito!

FEDRA

Outra das queres?

ANAPLEKTE

Anaplekte, morte rápida!

FEDRA

Deuses! Por que não desapareço, logo de vez?

KER (somente em voz, ao ouvido oposto de Fedra)

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Porque, primeiro, destruí-la-emos!

FEDRA

Mais uma?!

Como gigantescos e monstruosos pernilongos,

os ouvidos atacam-me!

KER

Prazer, querida, sou Ker, a destruição!

STYGERE (também, apenas em voz, ao ouvido de Fedra)

Odiosamente, minha doce rainha…

seja bem-vinda!

Meu grato acolhimento, ó insana,

sou Stygere, o ódio!

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

FEDRA

Saiam de mim! Atordoada encontro-me!

Todas as queres, então, interminavelmente, prosseguem, em voz, aos ouvidos de Fedra.

STYGERE

Não menos odiosa, também!

AKHLYS (cantarolando)

Hipólito, pois, sofre…

seu príncipe, tão pobre…

NOSOS

Na doença e na tristeza…

ANAPLEKTE

Acolhi-o após sua rápida morte!

POINÊ

Acolhei-o, Anaplekte?

ANAPLEKTE

Também, a nós, juntou-se, Poinê, doce castigo?

POINÊ

Como não o faria, Anaplekte,

se do castigo sou absoluta senhora?

HÍBRYS

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Eis-me aqui, também,

Híbrys, o orgulho!

LIMOS

Acaso, pensa que fora disso eu ficaria,

minha doce e louca rainha Fedra?

Oh, não, Limos não abandoná-la-ia!

Jamais! Em tempo algum!

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

Vez que a fome venho trazer-lhe, minha rainha!

A fome a qual suprida não pode ser:

esta fome pelo desejo de justiça!

Todas elas, então, de Fedra, ininterruptamente, riem.

ANAPLEKTE, AKHLYS, NOSOS, KER, STYGERE, HÍBRYS, LIMOS E POINÊ

Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!

FEDRA

Não suporto… não mais suporto…

Enfraquecida, ao chão, uma vez mais, desaba, como a desmaiar, ainda mais tenebrosas as trevas tornando-se.