23 - Os Encontros se Sucedem - Filhos da Terra
Zenaide voltou para casa, após o encontro, chorando copiosamente. Porém teve força para buscar a cocaína de que era usuária já algum tempo. Era uma mulher de sentimentos desordenados. Antes de cheirar, lia uma passagem da Bíblia e ao repetir a dose, espalhava o pó sobre o livro sagrado. Quando o efeito cessava, caía em depressão profunda. A mãe não lhe dava tréguas: - Faça-me mil favores de levantar desta cama, lá fora o sol brilha e tem uma filha pra criar.
Ainda na cama acessava a caixa postal do celular, para certificar-se das ligações. Tinha uma pequena clientela fiel, que lhe garantia uma grana razoável, subtraída pela droga. Entre os seus clientes havia um empresário da construção civil, Olavo Carneiro, que lhe oferecera um apartamento e uma boa mesada em troca de fidelidade. Olavo estava com sessenta e dois anos de idade, mas na cama parecia um garoto de vinte. Exigia apenas discrição, pois além de empresário bem sucedido, tinha família e compromissos sociais. Tinha horror a escândalos. Zenaide retribuía com profissionalismo, sem imiscuir-se na vida privada de seus clientes. Estava sempre de plantão, para atender o "Seu Lavinho", fizesse chuva ou sol. Algumas vezes, depois do sexo, saíam de carro em busca de locais aprazíveis. Gostavam de irem ao mirante da serra do curral e passarem horas contemplando a capital mineira iluminada, mas depois das denúncias de assaltos na área, deixaram de frequentar o local. Com Olavo passou a gostar de passeios de carro. Se pudesse seria apenas um bom amigo, pois sexo com ele a deixava deprimida. Durante horas tinha a sensação de estar cheirando a cachorro molhado, mesmo depois dos banhos florais na imensa hidromassagem do flat do empresário. Com ele sentia-se protegida.
Um dia, porém, a fonte secou. Sentindo os laços de amizades firmes entre eles e desejosa de superar a ambivalência, decidiu contar-lhe a verdade sobre a sua saúde. Não imaginava que a verdade suscitaria tanto ódio: - Puta desgraçada - dissera apertando-lhe o pescoço - te mato se tiver me infectado. De nada adiantou explicar que a camisinha o protegera. Olavo Carneiro estava possesso. Abriu a porta do mercedes e a empurrou para fora.
Chutada como uma cadela, encontrava-se perdida na escuridão de um lugar ermo. Caminhou sem rumo com as lágrimas se misturando às gotas da neblina, que resolvera dar o ar da graça. Caminhava sem saber a direção, sem parar e a chuva aumentando. Caminhava e chorava. Cabelos molhados, roupa molhada, o rosto borrado pela maquiagem e uma dor descomunal em seu coração frágil. Andou sem rumo durante a noite. Um inverno implacável trouxe a desesperança.
Em meio ao nevoeiro intenso da dor surge a figura de Elói. Telefona-lhe. Identificado o local ele a busca e a leva ao seu apartamento. Depois de tomar um banho quente, Elói preparou leite com chocolate e biscoito. A garota se alimentava enquanto as lágrimas caíam em profusão sobre a mesa, dentro da xícara. Elói olhava sensibilizado. Em seguida colocou-na cama. Em poucos minutos ela dormia o sono dos inocentes. Deixou um bilhete sobre a mesa dizendo para que ela o esperasse, que ficasse sossegada, pois Dona Sônia já fora informada do seu paradeiro e que estava bem.
Ao retornar encontrou-a sentada na poltrona com o olhar paralisado. Demorou alguns minutos para que ela voltasse à realidade. Elói não conseguiu arrancar nenhuma informação sobre o evento ocorrido na noite anterior. Ela batia a mesma tecla "quero morrer, quero morrer!". Quis levá-la em casa, mas preferiu voltar sozinha, agradecendo e prometendo telefonar-lhe.
À partir de então os encontros entre ambos tornaram-se frequentes, com promessas de não se separarem. A cada encontro, Zenaide adiava para outro o dia em que iriam para a cama, sem esquecer de pedir uma grana emprestada. Elói começou a desconfiar de extorsão, sentia-se usado. Mas não negava, pois o desejo e a compaixão se misturavam. Resolveu mudar a estratégia. Queria ter certeza dos sentimentos da garota. Um dia perguntou: - O que você sente por mim? Não demonstrou a raiva que sentiu ao ouvir a resposta: - A verdade verdadeira é que quero fazer amor com você. Teve vontade de desmascará-la, dizer que sabia ser ela uma garota de programa e que iria contratar seus serviços, para "satisfazer os meus desejos secretos!". Mas achou que seria cruel Quando Zenaide pediu-lhe mais dinheiro para despesas, ele negou. - Então me dê ao menos o dinheiro da passagem. Contudo os encontros não deixaram de acontecer, com promessas renovadas de desejo insopitável. Resolveu entrar no jogo, pagava para ver até onde essa situação se sustentava, enquanto o desejo ia, aos poucos, ia sendo substituído por outro sentimento.
Próximo capítulo:
24 - O Povo Vai às Urnas
Rapidinho:
Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.
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