13 - Não Sou Salvador da Pátria - Filhos da Terra

Os problemas pareciam não acabar nunca. Zenaide procurou Elói e disse claramente o que desejava:

- Elói, preciso muito da sua ajuda. Faço qualquer coisa, viro garota de programa, vendo drogas, qualquer coisa mesmo, para arrumar uma grana e fazer aborto. Um filho vai estragar a minha vida.

- Calma Zenaide! Vamos pensar direito, aborto é crime, você sabe.

- Sei. Sei também que existem clínicas clandestinas caríssimas. Vai ou não me ajudar?

- Ei! Calma lá. Devagar com o andor que o santo é de barro. Quem pariu Mateus que balance o berço! Respondeu irritado.

- Puxa vida! Pensei que fosse meu amigo - respondeu, começando a chorar.

- Sou seu amigo, mas convenhamos, que canoa furada você entrou, hein?

- É só um aborto, não é você que anda dizendo que tem muita gente no mundo, controle de natalidade...

- Eu falo de planejamento familiar. Já foi a um ginecologista? Fez exames? Como tem certeza de que esteja grávida?

- Pelo amor de Deus, Elói, me ajude, sei que estou grávida, uma mulher sempre sabe - respondeu num choro torrencial.

- Uma mulher!... Olha quem está falando. Ficou louca? Não posso fazer isso. É fria! Ter um filho não é o fim do mundo. Quantas meninas, algumas mais novas que você, tiveram filhos e estão bem! Um aborto vai trazer-lhe consequências para o resto da vida. Além de crime, ninguém sabe o que pode acontecer com a integridade física, deixa sequelas, inclusive emocionais - aconselhou Elói.

- De um jeito ou de outro, vou tirar esse feto. Está decidido. Com ou sem a sua ajuda - respondeu convicta.

- Vamos fazer o seguinte: primeiro pensar em outra solução...

- Não, quanto mais demorar, mais complicado vai ficando, tem de ser já!

- E se eu te fizer uma proposta?

- Uai, manda ver!

- Eu garanto médico, pago os exames e ajudo a criar a criança. Por falar nisso, quem é o pai?

- Não sei. Transei com vários quando estava no período fértil, também não quero saber. Fumei uns baseados no dia, viajei! Quero mesmo é tirar!

- Não é assim não, senhora! Estas pessoas precisam ser responsabilizadas. Puxa vida, mas você caiu nessa de fumar maconha? Não que eu ache a maconha hum horror, mas puta merda... Vamos pegar estes sujeitos, processá-los, você é menor.

- Não quer ver a cara deles, não merecem nada. Foram uns brutos, quero arrancar isso de dentro de mim e pronto. Fiz besteira, tô ligada, mas quero consertar - respondeu, soluçando.

- Você acha que um aborto conserta...

Elói estava irritado. Mais consigo, por conta de sentimentos opostos: ciúme e compaixão. Tivera inúmeras oportunidades de fazer sexo seguro com Zenaide, amá-la até, protegê-la. Não o fez por medo. Mas a compaixão sobrepôs. Reformulou a proposta:

- Zenaide, preste atenção: você terá todos os exames por minha conta, garanto tudo e tem mais uma coisa... Parou, levando as mãos ao rosto dela, acariciando-lhe levemente a face, em seguida encostou a cabeça da garota em seu peito e prosseguiu: eu registro a criança em meu nome, assumo o filho ou a filha. Topa?

- E se casaria comigo... retrucou com ironia, entre risos e lágrimas.

- Meu amor, minha linda, isso não seria necessário. Tenho idade para ser seu pai. Depois de ter a criança, poderia voltar aos estudos, ter uma profissão, ser livre, ter autonomia, dona de seu nariz. Prometo ajudar, juro!

- Você é muito bom, Elói, mas não aceito, não é justo.

- Caramba, você fez sexo pelo sexo, simplesmente?

- Não me venha com machismo, por acaso os homens não andam por aí trepando com qualquer uma? Fiz, não nego, mas também fui abusada. Não me venha com lições de moral, logo você, um jornalista? Menos, Elói, menos.

Por esta ele não esperava. Depois de alguns longos segundos acabou dizendo o que estava engasgado:

- Você foi de uma falta de responsabilidade tamanha, que tenho vontade de te dar umas palmadas. Como foi capaz de transar com vários sujeitos, que mal conhecia, sem se prevenir? Além da gravidez, já imaginou uma doença! Acaso você se lembrou de que a AIDS é fatal? Terá de fazer exames de HIV. O feto pode estar infectado, também. Ficou maluca, não tem saída.

- Mais um motivo para eu fazer o aborto - respondeu decidida.

- Acho melhor contar à sua mãe, ela precisa saber - orientou Elói.

- Ninguém lá em casa pode saber. Nem hoje nem nunca. Poxa, Wallace morreu outro dia, este sofrimento a mãe não suportaria.

- É mesmo, não dá pode contar agora - concordou -, mas Dona Sônia mudou muito, está mais compreensiva e vai aceitar numa boa, na hora certa. Ela agora vive dizendo que nada acontece por acaso, que Deus escreve certo por linhas tortas. Boba, ela vai compreender e quem sabe vai até ficar feliz. Um neto, ou neta, sabe-se lá, vai ajudá-la a esquecer Wallace, pense nisso.

- A santa Edileuza vai dar-lhe um neto. Eu só quero saber se você vai me ajudar. Faço qualquer coisa pra tirar isso da minha barriga. Agulha de tricô, remédio caseiro... Descobri que tem um remédio que é tiro e queda, citoteque, um nome assim.

- Você pirou de vez. Continuo achando que o melhor é fazer os exames, confirmar como está a gravidez, e se estiver tudo bem, deixe a criança nascer. Pode até não estar grávida, ser alarme falso. Melhor não correr riscos, pois a sua saúde está em jogo, assim como o seu futuro. Apesar da lambança, você não é a primeira, nem será a última. Também não é o fim do mundo. Eu ajudo nessas condições, topa? Não precisa responder agora, vá para a sua casa e pense.

- Está certo, prometo pensar.

Quando Zenaide saiu, Elói pegou a garrafa de uísque e foi ouvir Pablo Milanês. Sentia-se desanimado, pensando em voltar a morar no centro da capital. Alugar um apartamento no Maleta e dar adeus à periferia. Cuidar de sua vida, que estava um caos. "Zenaide que se vire, Dona Sônia que se vire, não sou o salvador da pátria", dizia enquanto enchia a cara. E assim aconteceu. Mudou-se e não deu o endereço. Mas antes entregou à garota mais linda do bairro, um cartão com o endereço de uma clínica, para que ela pudesse fazer, sem ônus, os exames que precisasse. Autorizou-a, ainda, a ligar para a redação do jornal "em caso de extrema necessidade".

Próximo capítulo:

14 - O Tempo Continua Implacável

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

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