11 - Tenório e Edileuza Decidem se Casar - Filhos da Terra
Em meio a esta desordem Tenório e Edileuza decidem se casar. Dona Sônia pediu adiamento, não tinha cabeça pra pensar, mas Edileuza disse que seria uma cerimônia simples, em casa, feita por um amigo kardecista.
- Kar o quê? Perguntou a mãe.
- Mãe, eu agora sou espírita kardecista, já te disse. Allan Kardec foi quem formulou a doutrina espírita. O Tenório também é espírita. Estamos frequentando o Francisco de Assis.
- Quer dizer agora, que vocês vão fazer aquelas coisas, receber espíritos, queimar pólvora, fazer despachos, pomba-gira... Vocês estão afastados de Deus! Indignou-se a mãe.
- Uai, mãe, tem nada disso! Isso aí é candomblé, macumba, umbanda, sei lá. Também não é pra ter preconceito, faz parte da nossa cultura espiritual. Olha aqui, mãe, em todos os lugares e em todas as religiões tem gente evoluída e gente atrasada.
- Está bem, filha, afinal Deus escreve certo por linhas tortas, mas dá para esperar um pouco? Não entendo porque a pressa, vocês se conhecem há tão pouco tempo! Além do mais, não está vendo o meu desespero? Você não está nem aí para o seu irmão.
- Não diga isso, claro que estou, mas o que tiver de ser, será. É carma. De qualquer forma o casamento não vai acontecer amanhã, nem é necessário.
Edileuza não quis revelar o outro motivo da pressa, com receios de que a mãe ficasse nervosa: estava grávida.
Tenório era trabalhador, pedreiro muito requisitado pela comunidade. Era um negro musculoso, de pernas longas e grossas, cabelo cortado baixinho, pele hidratada, peito largo e lábios carnudos, tinha um sorriso alegre, que deixava à mostra os dentes alvos. Estava no vigor de seus vinte e quatro anos, um ano mais novo que Edileuza. Tinha fama de mulherengo, para irritação da namorada. Ela intuía ser ele o sujeito que a molestara naquela noite confusa, mas nunca teve a coragem de perguntar. Quando ele começou a frequentar a Igreja do Reino do Amor, e mesmo agora, seu cheiro parecia com o do estranho. Às vezes dizia para si, "é ele, minha intuição não falha e se for, não importa, eu o amo e vamos nos casar. Seremos felizes". De fato eles pareciam ter nascidos um para o outro, mas quem estava no comando era Edileuza, uma mulher decidida. Resolveram esperar o retorno de Wallace. Contudo não perderiam tempo: foram para o quarto namorar, aproveitando a saída de Dona Sônia, que fora à delegacia buscar informações. O delegado recebeu-a educadamente, compreendeu o sofrimento dela e consolou-a, porém, até o momento não havia indícios do paradeiro do garoto.
- Dona Sônia - disse o delegado -, meus agentes estão fazendo o que podem para encontrar seu filho e prendê-lo. Não vamos pressionar a família, porque sabemos tratar-se de pessoas honestas, sei que não estão escondendo o garoto, que se meteu numa enrascada. Não entendo como os pais não percebem o envolvimento dos filhos com o crime! É preciso estar atento. Todos os dias chega em minha delegacia, denúncias de menores armados dentro das escolas, usando crack, promovendo desordens. Alguns são encaminhados ao Juizado de Infância e de Juventude, porém existem centenas de casos que não são registrados, os pais abafam. A política não dá conta, faltam recursos...
- Ah seu delegado - respondeu Dona Sônia -, quero meu guri vivo, ele é bom e não fará mais bobagens.
Retornou para casa em prantos, sem notícias. Ao chegar encontrou Tenório e Edileuza beijando-se em frente da televisão: - Não sei como vocês conseguem ficar se beijando e em abraços, sabendo da desgraça que caiu sobre a nossa casa - disse entrando no quarto.
- Tenório - disse Edileuza, séria - é melhor você ir embora. Minha mãe está sofrendo.
Próximo capítulo:
12 - Um Corpo no Matagal
Rapidinho:
Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.
Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição
Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.
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