9 - As Revelações de Zenaide - Filhos da Terra

Depois do lanche, Elói chamou Zenaide, para que lhe contasse o que estava acontecendo. A garota tentou escapar, dizendo tratar-se de "coisa boba", mas ele percebeu que havia algo de grave. Continuava sem saber de nada, pois não costumava ler, apesar de jornalista, nem ouvir e nem ver os noticiários da mídia empresarial. O motorista do jornal o trouxera em casa, portanto não fizera nenhum contato com os vizinhos. Zenaide mantinha a cabeça baixa, como se envergonhada. Ele levou a mão sob o queixo dela, obrigando-a, delicadamente a erguer a cabeça. Ao vê-la de olhos marejados, abraçou-a, com ternura. Então ela desabou num choro convulsivo. Elói ficou agitado, especialmente por conta de uma súbita excitação em hora imprópria: - Minha gatinha, chore, chore bastante e depois me conte - dizia acariciando-lhe os cabelos - mas conte tudo, desabafe, pois sou seu amigo, pode confiar em mim, está bem? Depois de alguns minutos, ela se acalmou e olhava envergonhada para ele: - Ah, meu amigo, eu sou um fracasso, minha família é um fracasso, sinto muito, mas eu te decepcionei. - Como assim? Do que está falando?, perguntou Elói. - Você não sabe? Não acredito - disse Zenaide, novamente caindo em prantos. Elói buscou um copo com água e açúcar e disse com firmeza: - Como é que é? Vai bancar a garotinha mimada? Conte-me logo o que aconteceu, você completa quinze anos hoje. Puxa vida, estava me esquecendo, por favor, desculpa, porque você não está em casa, para a festa de aniversário? Oh, meu amor!, desculpa, mil desculpas, ando tão ocupado, que esqueci o seu aniversário, esqueci de comprar o presente. É por isso que está triste? Zenaide olhou-o com tristeza: - O meu aniversário de quinze anos ficará na lembrança como o dia mais triste de minha vida. Quem dera se fosse apenas não poder comemorá-lo!

Ficaram alguns longos segundos em silêncio, olhando-se mutuamente. Elói quebrou, do silêncio:

- Seja lá o que for diga logo e tire este peso de seu coração. Vou dividi-lo com você.

- Tudo de muito ruim aconteceu - disse Zenaide, enxugando os olhos com as mãos, substituídas por um guardanapo estendido pelo amigo - de uma só vez. Wallace matou um rapaz da Vila do Sossego e está foragido.

- Puxa vida, as coisas acontecendo bem debaixo do nariz de todos! - exclamou o jornalista, com desânimo.

- Pois é, ele comprando coisas, alimento e a gente se iludindo. Ultimamente não faltava praticamente nada dentro de casa. A favor de Wallace é que ele não é usuário de drogas. Não sei bem o que ele estava aprontando, mas está ligado a drogas ou a roubos. Quando a política chegou, saí vazada e até agora não voltei, minha mãe deve estar preocupada comigo.

- Acho bom você ir logo pra casa. Tem notícias de seu irmão?

- Eu não, talvez já tenha chegado alguma notícia lá em casa, não sei - respondeu, limpando os olhos com o guardanapo ensopado.

- Zenaide, Wallace é menor. Este caso vai parar no Juizado da Infância e da Juventude e ele poderá ficar livre em breve. É melhor ele aparecer e se apresentar à justiça, para a sua própria segurança. Solto poderá ser alvo de vingança. Há tempo de desviá-lo deste caminho. Vamos para a sua casa, vou com você, sua mãe deve estar louca.

Zenaide estava paralisada, como se recusasse a sair dali. Sentia-se segura na presença do amigo, mas parecia querer dizer-lhe algo mais e não tinha coragem. Elói olhou-a com olhar inquiridor e ela falou de cabeça baixa: - Fazem dois meses que a minha menstruação não vem. - Ah me poupe, garota, isso você terá de dizer pra sua mãe! - respondeu com raiva -, menos hoje, é lógico, senão vai matá-la do coração - completou, pegando-a pelo braço com tanta força, que ela gritou: - Ai, você está me machucando! - São os mais agitados quinze anos que já vi na vida, nem para usar camisinha em tempos de AIDS, porque uma gravidez numa idade imprópria, vá lá, dá-se um jeito, mas já imaginou se você estiver infectada? Não acredito em tamanha falta de responsabilidade! - monologava Elói, abrindo a porta e ganhando a rua, de mãos dadas com a garota que planejara brilhar nas passarelas.

Não suportou ver a família aos prantos e a única coisa que conseguiu, foi chorar também.

Próximo capítulo:

10 - Na Redação