5 - Wallace Surpreende - Filhos da Terra

Na realidade, o que aconteceu com o taciturno Wallace não revelava nenhuma surpresa. Muitas vezes ele dera mostra do seu caráter arredio. Os familiares não acreditavam nos comentários dos vizinhos, julgando-os maledicentes. Um belo dia ele chega em casa e entrega à mãe uma quantia significativa de grana, dizendo: - Mãe, essa grana eu consegui fazendo um biscate aqui, outro ali, fui juntando. É para a senhora comprar umas coisinhas pra casa. E foi se retirando. - Vem cá, meu filho - chamou Dona Sônia com firmeza delicada -, aqui tem bastante dinheiro, quero saber de tudo, direitinho. Wallace parou e olhou a mãe no fundo dos olhos: - Eu já sei o que a senhora está pensando... Não roubei não, mãe, tenho trabalhado duro, não estou vendendo drogas, fique sossegada. Por acaso tenho faltado às aulas?

Dona Sônia ficou satisfeita com a resposta e acreditou no filho. Wallace entrou no quarto sem reboco, arredou um pequeno guarda-roupas e em seguida tirou o boné, e do fundo dele retirou um pacote, escondendo-o no buraco do tijolo. Quando ele recolocava o guarda-roupas no lugar, Dono Sônia entrou de repente. - O que você está fazendo? - perguntou desconfiada. - Puxa vida, mãe - respondeu irritado - a senhora não sai da cola! Esse caco de guarda-roupas está mancando, estou tentando dar um jeito. - Está bem, não precisa se irritar - respondeu a mãe, acariciando a face do filho. - Só vim saber se quer que eu compre alguma coisa para você, umas roupas, um tênis, pois o dinheiro que me deu dá para fazer umas boas compras na feira do Paraguai, além de abastecer a cozinha. Ó meu filho, meu querido! Todo mundo te criticando porque desaparece sem avisar... Vem cá, deixa a mamãe te dar um abraço! Hoje à noite quero todo mundo em casa, para um jantar grã-fino. Vou fazer um frango à milanesa, daquele que você adora - dizia enquanto passava carinhosamente a mão na cabeça do filho. Wallace desvencilhou-se dos braços da mãe, disse que não precisava que lhe comprasse nada, mas que desse uma grana pra Zenaide comprar roupas bonitas e uma bíblia de capa de couro para Edileuza. - E para a senhora - disse com ternura - um vestido longo, um sapato de bico fino, corrente e brinco folheado a ouro. - Não tem dinheiro para tanto e precisamos economizar, porque em primeiro lugar está o estômago e a saúde - disse sorrindo. - Não se preocupe, vou trabalhar e trazer mais - respondeu o filho, convicto.

A mãe saiu para providenciar as compras, enquanto Wallace ligava o som, para ouvir funk.

À noite, reunidos em volta da mesa, Dona Sônia serviu um jantar, regado a refresco de uva, o preferido de Wallace. Todos exibiam roupas novas. Marcelo estava elegante em sua jaqueta jeans; a mãe exibia o vestido longo com estampas de flores, um colar de pérolas falsas, brincos e anéis de prata, e não folheados a ouro, conforme pedira o filho. - Uai mãe, cadê os folheados a ouro? Perguntou Wallace. - Eu sonhava com um colar de pérolas, para combinar com ele, achei melhor usar brincos e anel de prata - respondeu com um piscar cúmplice.

- Mãe, a senhora devia ter deixado eu ir às compras com a senhora! Reclamou Zenaide. - Vocês são bregas, não entendem de moda - completou, fazendo um breve desfile na pequena cozinha, mostrando a nova coloração dos cabelos - cor de caju, segundo ela - e um vestido curto, magenta, com decote nas costas. Sapatos e bijuterias combinavam bem. E para surpresa geral, Edileuza veio com uma calça de laycra justa, uma blusa branca, que deixava à mostra uma pequena parte do quadril. Nádegas empinadas, seios pontiagudos, batom suave e cabelos soltos.

- Mas quanta modificação! Exclamou Zenaide. - Cadê os complementos? Colar, pulseiras, brincos e anéis? Puxa maninha, você está um pedaço de mau caminho, deste jeito você vai levar os pastores da igreja ao pecado! Edileuza ficou vermelha, desviando o rumo da conversa: - Quer que ajude a servir, mãe?

- Não filha, não precisa. Você está linda, a evangélica mais linda e hoje eu sirvo o jantar, recolho as vasilhas. Esse jantar e todos estes presentes são frutos do trabalho do meu guri. Obrigado, amore mio! Dona Sônia gostava de se gabar de sua origem italiana. Segundo ela, seus avós vieram de Torino e pertenciam a uma família abastada. O jantar teria transcorrido em clima de paz e harmonia se Marcelo, após o terceiro copo de cerveja, não tivesse colocado em dúvida a origem do dinheiro de Wallace.

- Fale a verdade - disse com ar provocativo -, como foi que você conseguiu esta grana? Não me diga que foi trabalhando...

- Mãe - respondeu Wallace -, dá um jeito neste bebum!

- Marcelo - interveio Dona Sônia -, você sabe que eu não gosto de briga na família, temos de estar unidos. Faça o favor de pedir desculpas ao seu irmão!

- Eu pedir desculpas pra este pivete? Nunca - respondeu Marcelo, deixando o copo tombar ligeiramente, molhando a toalha.

- Não dá ideia pra ele, gente, basta um golezinho e ele começa com a baixaria - gritou Zenaide.

Wallace caiu no seu mutismo habitual e não houve consequências. Em seguida Zenaide começou a falar de seu projeto:

- Tenho novidades. Parou para observar a reação da família e criar um clima de suspense.

- Espero, em nome de Jesus, que sejam boas novidades - disse Edileuza com as mãos sobre a bíblia de capa de couro.

- Vamos menina, desembucha, conta logo a novidade - completou Dona Sônia.

- Esta minha irmã vai fazer sucesso - disse Wallace, saindo do silêncio.

- É o seguinte... - fez um breve silêncio, para criar um clima de suspense -, a Tânia Mara me disse hoje que vai me apresentar ao dono de uma grife, para que eu possa desfilar no Minas Mostra Mulher.

- Faço ideia - interrompeu Edileuza -, deve ser um desfile de peitos e bundas.

- Peito, bunda e coragem não me faltam. Você, Edileuza, bem que poderia participar, mas passou da idade - retrucou com ironia.

- Explica isso direitinho - disse Dona Sônia, sem parar de recolher os talheres -, porque filha minha não vai pôr a bunda de fora, "na-na-ni-não"! Basta o pilantra que queria te enganar, dizendo conhecer estilistas, parando o carrão em nossa porta... Safado!

- Bunda de fora? Eu também quero ver - resmungou Marcelo.

- Mais respeito - advertiu a mãe -, estamos falando de sua irmã.

- Gente, o que é isso? Vocês não flagram nada de nada. Trata-se de um desfile de modas! Respondeu Zenaide, rindo com ar superior.

- E quanto você vai ganhar? Perguntou a mãe, esfregando as mãos.

- Calma, não é assim! É uma oportunidade, para eu mostrar os meus dotes...

- Que dotes - disse novamente Marcelo, meio dormindo.

- Se for para a sua felicidade, filha, eu apoio. De mais a mais, Deus escreve certo por linhas tortas - disse Dona Sônia, atirando um beijo à filha.

- Não tem nada garantido. A Tânia Mara, vocês sabem, é puro gogó, mas ela costura para uma marca famosa, é do ramo. Estou esperançosa, tenho acompanhado os acontecimentos, tenho treinado no quarto. Preciso de umas aulas de passarelas, mas como? O desgraçado do Elói, jornalista de merda, promete, promete e nada!

- Por falar nele, porque não veio ao jantar? Perguntou Edileuza.

- Fui à casa dele várias vezes, mas não o encontrei. Parece que está viajando a serviço do jornal ou de uma ong. Para quem não sabe, ong é uma organização não governamental - informal Zenaide, com ar de entendida.

- Maninha, você vai fazer sucesso na passarela - incentivou Wallace.

- Enquanto isso, vai sonhando. Mas agora a festa acabou, quero ver a minha novela - disse Dona Sônia, saindo da cozinha.

Marcelo dormia e roncava, Edileuza abriu a bíblia, Wallace foi para o quarto ouvir funk. Zenaide, com ar sonhador, ficou diante do espelho um longo tempo, consertando os cabelos com as pontas dos dedos, enquanto Dona Sônia suspirava diante da tv com o Antonio Fagundes.

Próximo capítulo 07/10:

6 - Medo e Desejo

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição.

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

Sumário

1 - A Garota mais linda do bairro

2 - O Ambiente Familiar

3 - O microcosmo de Elói

4 - O Segredo de Edileuza

5 - Wallace surpreende

6 - Medo e desejo

7 - O tempo passa rápido

8 - Meu guri

9 - As revelações de Zenaide

10-Na redação

11-Tenório e Edileuza decidem se casar

12-Um corpo no matagal

13-Não sou o salvador da pátria

14-O tempo continua implacável

15-Para onde vai o governo?

16-Reviravolta

17-Vitória

18-A república em perigo

19-A loira misteriosa

20-Frango ao molho pardo

21-O que está acontecendo

22-Encontro Marcado

23-Os encontros se sucedem

24-O povo vai às urnas

25-Realidade e sentimento

www.jestanislaufilho.blogspot.com Contos, crônicas, poesias e artigos diversos. De minha autoria e de outros e outras. Convido você a participar com texto de sua autoria. Será um prazer publicar.

#LulaLivre Doravante esta hashtag estará em minhas publicações enquanto não apresentarem as provas contra Lula