RP - MUDANÇA - 1978 - PARTE 2
MUDANÇA – 1978
PARTE II
Quando a campainha toca, Lúcia está tentando convencer Rodrigo a ir para a cama, mas o garoto está irredutível e mais aceso que nunca.
- Você prometeu que ia me contar uma estória, mamãe.
- Mas hoje eu não estou com muito tempo, meu amor. A mamãe tem alguns papéis urgentes para preencher. Eu já falei pra você sobre isso. Vá dormir. Amanhã eu conto duas historinhas pra você...
- A campainha tocou. Você não ouviu?
- Eu ouvi, meu bem. Eu vou atender, mas quero que você tente dormir. Quando voltar eu quero você debaixo das cobertas no sétimo sono, ouviu? Você já é um rapazinho, colabore...
Ela se levanta e sai do quarto para ir atender a campainha. Rodrigo tateia a cama até a beirada e desce dela, escorregando até o chão. Vai atrás da mãe, o que não é muito difícil para ele que, apesar de cego, conhece a casa inteira.
Lúcia abre a porta e tem uma surpresa feliz.
- Miguel...!
- Oi, posso entrar? - ele diz, já entrando e beijando sua boca.
Como não esperava aquilo, depois do beijo, Lúcia olha para trás e diz:
- Por favor, Miguel...
- Por favor, o quê?
Ele vê o menino vindo pelo corredor e sorri.
- É ele? - sussurra.
- É...
O menino encosta-se ao braço do sofá e pergunta:
- Quem é, mamãe?
Miguel se aproxima dele e Lúcia responde:
- É um amigo da mamãe, o Miguel. Lembra que eu falei dele pra você?
- Ah, o Miguel... Ele não fala?
Miguel se aproxima, segura as mãos dele e diz, sorrindo:
- Falo sim. Você está bem, Rodrigo?
- Suas mãos são tão macias... Você não trabalha?
O garoto começa a explorar as mãos dele que tocaram as suas. Miguel sorri.
- Trabalho sim. Eu sou médico.
- Ah é, a mamãe falou.
Rodrigo tateia também o rosto de Miguel e sorri.
- Você não tem barba. Que bom, eu não gosto. E nem tem cheiro de remédio como todo o médico. No instituto todo mundo tem cheiro de remédio.
- Você não gosta de cheiro de remédio?
- Não, já estou enjoado. Você vai dormir aqui? Já está bem tarde...
Miguel olha para Lúcia e ela sorri, encolhendo os ombros.
- Você me convida? - Miguel pergunta.
- Pode, mamãe?
- Não sei, Rodrigo... Acho que o tio Miguel deve ter outros planos, ela diz. – Vá lá pro quarto que eu preciso conversar um assunto importante com ele.
- Não demorem. Eu estou com sono. Tchau, tio Miguel. Até já.
O menino volta para o quarto sem problemas e Miguel olha para ela.
- Ele é lindo, Lúcia.
- E estava até agora me dando um baile porque não queria dormir. Acho que ele gostou de você.
Miguel a beija de novo.
- E eu dele. Você tem dúvida de que isso vai dar certo?
- Você não pode dormir aqui. Ele não está acostumado com homens em casa.
- O que é o instituto que ele falou?
- A escola onde ele estuda. É uma escola para cegos, por isso ele falou que todo mundo tem cheiro de remédio. Quase todos são médicos ou enfermeiras. É particular e eu pago bem caro por ela. Foi a melhor que eu pude encontrar aqui em São Paulo. Meu filho sabe ler em braile muito bem, apesar de ter só seis anos, graças a ela.
- E eu quero te ajudar a continuar isso, mas hoje é o último dia do ano e eu vim buscar você, ele e, se você conseguir, levar o Alberto também pra Poços. Minha mãe está esperando a gente lá.
- Assim de uma hora pra outra? Já está tarde...
- E o que tem? Eu te avisei que viria te buscar.
- Você já está de férias?
- Na verdade... eu estou desempregado...
- O quê?! Desempregado? Como?
- Eu fui mandado embora, estou na rua, vadiando, como dizia minha avó. Estou morando em Poços com a minha mãe.
- Mas o que aconteceu?
Miguel ia começar a explicar, mas Rodrigo aparece no corredor e chama:
- Vocês vêm dormir ou não? Eu estou com sono.
Miguel sorri, encolhe os ombros e vai para perto do menino.
- Onde é seu quarto, Rodrigo?
O menino o puxa pela mão e o leva até lá. Sobe e deita-se na cama, deslizando sem problemas para debaixo dos cobertores.
RETORNO AO PARAÍSO – MUDANÇA - 1978
PARTE 2
OBRIGADA POR SONHAR COMIGO!
BOM DIA, TARDE E NOITE!
DEUS NOS ABENÇOE A TODOS NÓS!