NÃO QUERO NASCER: UM PACTO QUE TRANSCENDE A VIDA (DEGUSTAÇÃO PRÓLOGO)
Prólogo extraído do livro "Não Quero Nascer - Um Pacto Que Transcende A Vida", de Alegra Te Vittone. Edição: 1ª - Editora: Selo Jovem. Ano: 2017. Disponível no site da Selo Jovem: http://www.selojovem.com.br/pd-4ee47e-nao-quero-nascer-um-pacto-que-transcende-a-vida.html?ct=&p=1&s=1
PRÓLOGO:
Em uma floresta, um grupo de crianças brincava com os animais,
sorridentes e felizes. Grandes árvores pareciam servir de proteção
para esses seres, aparentemente, indefesos do mundo. Duas crianças,
uma menina e um menino, que brincavam distantes do restante do
grupo, planejavam algo estranho. A menina sentia que sua hora de
retornar se aproximava e desejava retardar o encontro, mais uma vez,
com aqueles que insistiam em tirá-la da floresta. Abeni se chamava a
menina, e atento ao pedido de sua amiga, Abasi acatava seus planos.
— Eles querem que eu volte, mas quero ficar aqui, com vocês. Novamente, irei fazê-los chorar! Toda vez é assim. Essa será a quinta tentativa deles, mas até agora vocês conseguiram me trazer de volta. Sinto que aquela mulher está fazendo de tudo para conseguir me prender desta vez. Então preciso de sua ajuda, meu amigo Abasi. Foi
você, junto com os outros amigos, que me fizeram lembrar o nosso
acordo e assim pude retornar ao nosso lar. Não me abandone, por
favor!
Abasi abraçou a amiga, que triste estava com seu destino. Em seu ouvido disse que nada quebraria o combinado entre eles e que, se preciso fosse, todas as crianças a defenderiam de quem não a deixasse retornar para a floresta.
As crianças que brincavam longe dos dois olhavam-nos profundamente enquanto os galhos das árvores começaram a se movimentar sozinhos e puxaram Abeni e Abasi para junto das outras crianças. As árvores pareciam cuidar para que os pequenos não fossem para muito longe, uma vez que o outro lado os atraía constantemente. As crianças acalmavam Abeni, afirmando que aquele casal não teria o poder de mantê-la por muito tempo em suas vidas.
O líder daquele grupo de trinta crianças era Eze, o mais severo delas. Ele se aproximou de Abeni e lhe transmitiu o temeroso recado:
— Estamos aqui para protegê-la, mas irei perturbá-la, caso você
esqueça o acordo que fez com Abasi. Ele será encarregado de nos
avisar como você está caminhando junto a essa família.
Abeni receou o aviso do impetuoso Eze. Sabia ela do poder que aquele menino possuía sobre as outras crianças da floresta. Abasi, em defesa de sua melhor amiga, entrou na frente da menina, interrompendo o discurso de seu líder.
— O que faria Abeni esquecer o acordo feito entre nós? Ela nunca
se esqueceu de nenhum dos nossos planos, nunca. E não será dessa
vez que ela esquecerá o acordo!
Eze se irritou com o tom de voz que Abasi criou para a conversa,
deixando o restante do grupo preocupado.
— Uma única coisa poderia quebrar o pacto realizado por vocês: um
amor! — Eze respondeu, com certeza absoluta de sua verdade.
— Um amor? — Abeni perguntou, espantada.
Abasi ironicamente sorriu para o líder, como que omitindo alguma
coisa, dizendo que seria impossível Abeni não retornar à floresta por
um amor, já que a mulher que tanto a anseia a ama avidamente, e nem
esse sentimento foi capaz de fazer sua amiga esquecer o plano entre
eles.
Eze balançou a cabeça, debochando da inocência de Abasi.
— Não seja tão tolo, Abasi! Tudo poderá ser diferente agora. Dessa vez, Abeni demorará a retornar para o grupo, não será como das outras vezes. O poder dessa família está mais forte, eles encontraram
alguém que sabe das nossas existências.
Abasi e Abeni entreolharam-se assustados, e Abeni, com um grito, suplicou que não a deixassem esquecer o que foi combinado durante seu tempo na floresta. Abasi sorriu para amiga, deixando Abeni inebriada com seu olhar.
— Nada nem ninguém fará você esquecer o nosso plano, pois eu não deixarei isso acontecer. Farei você lembrar sempre de mim. Sempre! Entendeu?
Abeni abraçou o amigo chorando e um sono profundo tomou conta
de si.
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Em um hospital particular da zona sul do Rio de Janeiro, Sara chorava de dor. Maurício amparava a mulher que se encontrava há mais de doze horas em trabalho de parto.
— Meu amor, eu não aguento mais de tanta dor, parece que não vou
suportar — disse Sara
Na sala de pré-parto, Maurício enxugava com um pano limpo o rosto da esposa, e em oração pedia por ela e pela filha. Pensava ele no sofrimento que tiveram para conseguir manter a gravidez de Sara. Não queria que nada de ruim acontecesse para a esposa e sua filha que estava para nascer. Sara apresentava pouca dilatação e o obstetra chegara à conclusão que necessitava realizar uma cesárea de urgência, uma vez que constatou que o feto estava entrando em sofrimento. Maurício se aproximou da mulher e percebeu o quanto ela estava suando frio.
— Calma, meu amor! Nós vamos conseguir, falta pouco agora. Aguente mais um pouco que logo estaremos com nossa princesa nos braços. Dessa vez, nada de mal acontecerá. Não se lembre do passado,
porque ele não nos atormentará nunca mais.
Maurício beijou a testa de Sara, que estava sendo preparada para o
parto cesariano, mas a dor de sua mulher era tão absurda que minutos
depois ela desmaiou, assustando-o. Abeni não queria voltar e fazia de
tudo para retardar sua volta. Começou a realizar um sofrimento para
a mulher, pois acreditava a menina que, uma vez que Sara sofresse, a
deixaria em paz para sempre.
Maurício, em desespero, lembrou-se de uma oração, transmitida por um senhor africano vindo para o Brasil, quando ainda era jovem, junto com seus pais, e que vinha acompanhando a gravidez de Sara depois de saber por Maurício dos repetidos abortos de sua mulher. Esse senhor lhe disse que a oração seria capaz de fazer a criança permanecer no ventre de Sara, porém um ritual após o nascimento deveria ser realizado para que ela continuasse na terra. Maurício fechou os olhos e, em Iorubá, pedia pela vida da esposa e da filha.
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Abasi olhava a amiga de longe e pedia para que ela não os esquecesse, porque ele não a esqueceria. Abeni chorava, pois percebeu suas forças sumirem, algo parecia ser maior que seu desejo de ficar na floresta. Eze nada poderia fazer por ela e observou tudo de cima de uma árvore. O líder do grupo sabia do poder daquela oração e preferiu se distanciar de Abeni.
O parto seguiu difícil. Sara se encontrava sedada, e Maurício foi autorizado a acompanhar o parto da esposa. Em oração ele continuou enquanto segurava a mão da mulher.
O obstetra tirou do ventre de Sara a criança, que nasceu roxa e com o cordão umbilical enrolado no pescoço, deixando Maurício apavorado com a cena. A equipe médica decidiu tirar o marido de Sara do centro cirúrgico, para que ele não se impressionasse mais. Maurício chorava do lado de fora, angustiado com estado de saúde das duas.
— Meu Deus, olhe por nós! Não deixe que nada aconteça a elas, eu
imploro.
Uma hora passou-se desde que Maurício foi retirado pelo obstetra de perto de sua mulher. Na sala de espera, doutor Sidnei apareceu para
dar notícias de Sara e do bebê. Maurício, aflito, não deixava o médico
falar.
— Diga que nada aconteceu a elas, doutor! Eu quero que minha esposa e minha filha estejam bem, pelo amor de Deus.
Doutor Sidnei orientou o rapaz a sentar no sofá e resolveu juntar-se a ele para tranquilizá-lo. Ainda jovem, não compreendia o que o obstetra tentava dizer.
— Sara e sua filha estão bem agora. É claro que, como o bebê nasceu
enrolado em um cordão umbilical curto, seus batimentos cardíacos diminuíram demais, mas ela foi reanimada por nós e por cautela está
em uma incubadora. Logo você poderá ver sua menina. Ela é linda!
Maurício alegrou-se com a notícia do estado de saúde do bebê, mas
esmoreceu quando percebeu que as coisas em relação à saúde de sua
mulher não estavam tão tranquilas assim.
— E minha mulher, doutor? O senhor disse que ela está bem agora.
Ela está bem mesmo, não é?
O obstetra firme olhou para Maurício e pediu que ele se mantivesse
forte, pois a notícia não era agradável.
— Sara está bem, sim. Ela sofreu muito durante o parto, apresentou pouca dilatação, mas sua vontade de ser mãe venceu todas as dificuldades.
Maurício aliviou-se com a notícia do obstetra em relação a sua mulher, mas não compreendia o que o médico ansiava em lhe dizer.
— Se minha mulher está bem, o que o senhor quer me dizer sobre a
saúde dela? Eu quero vê-la, estou com saudades dela, doutor! Nesse
tempo em que fiquei aqui, orando por ela e minha filha, pareceu-me
uma eternidade. Deixe-me vê-las agora!
Maurício levantou-se agoniado em ver sua família, mas doutor Sidnei solicitou que ele sentasse, pois, a conversa não se havia encerrado.
— Sua mulher está bem, porém após o parto percebemos uma complicação em seu útero. Ocorreu uma forte hemorragia e Sara começou a perder muito sangue.
Maurício apavorou-se com a notícia. O rapaz não conseguia conter
as lágrimas, e o obstetra tentava acalmá-lo.
— Mas, vocês conseguiram conter a hemorragia, não? — Maurício
insistia em saber da saúde de sua mulher.
— Sim, depois de muito tempo tentando controlar o sangramento,
conseguimos estancá-lo e agora Sara se encontra na UTI recebendo sangue. Porém, para que a hemorragia cessasse foi necessário um procedimento que tentamos de todas as maneiras evitá-lo.
Maurício, receoso, perguntou ao médico o que fizeram com sua esposa. O doutor Sidnei explicou o procedimento ao rapaz:
— Para salvar a vida de sua mulher, uma histerectomia foi a única solução encontrada pela equipe.
— Histerectomia? Que procedimento é esse? — Maurício ficou confuso com as palavras do obstetra.
Doutor Sidnei explicou calmamente o procedimento ao marido de Sara, que a cada palavra dita pelo obstetra, chorava compulsivamente.
— Sara é tão jovem, tão menina ainda! Ela desejava tanto ter mais
filhos. Ela não suportará saber que não poderá gerar mais nenhum filho, doutor. O que será de nós, agora?
Doutor Sidnei o confortou com palavras que deixaram Maurício
pensativo durante algum tempo.
— Que coisa mais esquisita é a vida! Ela tem o poder de nos dar
a alegria e a tristeza ao mesmo tempo. Porque é assim que estou me
sentindo agora, doutor Sidnei. Feliz e triste!
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Um dos planos feito por Abeni e Abasi parecia ter dado certo. Eles
dariam um jeito para que a menina não retornasse mais ao ventre de
Sara. Abasi cumpriu com o acordo, porém, Abeni renasceu em um
novo corpo antes que ele concluísse o trabalho. No entanto, Abasi
fizera mais dois outros acordos com Abeni, caso este não desse certo.
O menino andava pela floresta sozinho enquanto pensava em Abeni. Os dois sempre andavam juntos e, por vezes, alimentavam o ciúme de Eze, que gostava de todas as crianças ao seu redor. Abasi reencontraria a amiga quando esta completasse seu sétimo aniversário. E como ele aguardava ansioso por este momento! Até lá, ele iria se conectar com Abeni através de sonhos, uma forma encontrada por Abasi, para estar próximo de sua amiga e levar notícias da menina para o restante do grupo.
OBS: A degustação continuará...