Os olhos de Narciso- Primeiro Capítulo.

São Paulo, Janeiro de 2017

A cidade é grande, tão imensa que engole as pessoas com o seu apetite voraz.

Estamos no bairro de Santana, um distrito tradicional localizado na zona norte de São Paulo.

O dia começa nublado, chuviscando e o vento sopra levemente uma brisa. A terra da garoa não pára, os bares levantam as suas portas, os ônibus saem das garagens e pegam os seus primeiros passageiros que esperam no ponto, mas um dia de trabalho.

Em plena segunda- feira paulistana, o jovem Pedro se encontra perdido na selva de pedra.

Muitos pensamentos o bombardeiam sem misericórdia da sua sanidade.

Pedro tem os olhos fundos, um espírito vazio por causa de um passado tumultuado.

Mesmo vazio o seu espírito pede, grita por uma ajuda, porém as buzinas e o barulho de São Paulo, faz esse grito se calar, se calar dentro do seu peito.

Pedro sai andando por aí, tropeçando por entre os buracos e as calçadas da cidade grande.

Dos seus olhos fundos saem lágrimas de desespero, mas mesmo com os seus soluços o rapaz é invisível. As pessoas não o enxergam, pois estão preocupadas em bater o seu ponto e ganhar o pão de cada dia.

Pedro entra no metrô e tenta pensar no trabalho que o espera. Atender o telefone e ser simpático com o cliente, do outro lado da linha.

Será que com todo esse vulcão explodindo em seu peito, o rapaz irá conseguir manter o carisma na voz?

Sim! Esse é o desafio. A sorte está lançada meus amigos.

Pedro passa a catraca do metrô e os monstros que povoam a sua mente, empatam o seu caminho.

Tudo gira a sua volta, o trem então pára na estação Santana.

Tudo é trevas no seu andar, no seu caminhar não tem mais sentido.

Nada faz sentido para Pedro.

A sua imagem é refletida na janela do vagão que sai apinhado de pessoas.

Na imagem, Pedro vê uma imagem de solidão e de um profundo vazio.

Será o indício do esperado?

O seu coração entra em tremendo desespero, apavorado ao se ver refletido na janela, daquela maneira, o trem chega a estação do Carandiru.

Sem pensar duas vezes, Pedro sai do vagão, empurrando as pessoas ao seu redor. Nem ele sabe onde tirou tanta força para isso.

Então sem pensar, sem raciocinar no erro que está prestes a cometer.

Pedro se pendura no parapeito da estação, que fica no alto.

Em baixo passa a Avenida Cruzeiro do Sul.

Quando menino, Pedro tinha o sonho de voar, e descobrir o mundo.

Mas agora adulto, Pedro não tem mais sonhos, nem gostos, só o desejo enfame de voar e terminar com tudo aquilo.

E assim ele o fez, se atirou de uma altura de 3 metros e caiu em meio à Avenida.

Os gritos das mulheres e os homens debruçados no parapeito, assistindo a cena estarrecedora, se faz uma tragédia na manhã paulistana.

A ambulância não se demora.

E pela graça dos céus, Pedro ainda está vivo. Porém gravemente ferido.

Os enfermeiros pulam da ambulância e com todo o cuidado, colocam o rapaz na maca o imobilizando.

Nos bolsos os enfermeiros acham o celular, e então o número de Alice é o primeiro na agenda.

Alice é uma mulher de meia idade, e está se arrumando para ir trabalhar. A mulher trabalha de doméstica na casa dos Villar, uma família rica do bairro do Jardim São Paulo, também localizado na zona norte.

Passando o seu batom e prestando atenção nos movimentos da boca, Alice grita para o seu filho Carlos Alberto acordar.

Alice: Carlos! Vamos acordar, seu dorminhoco. Não vê que já passam das oito horas da manhã!?

Carlos: Já vou mãe, a senhora sabe muito bem que eu detesto acordar cedo.

Alice: Onde já se viu. Falando assim, até parece filho de rico!

Você vai se atrasar, não quero filho meu desempregado.

Carlos: Tá bom, tá bom mãe. Estou levantando.

Alice: Bom mesmo senhor Carlos!

Alice é doméstica e divide um quarto e cozinha com o filho Carlos, se um perder o emprego, isso pode impactar na hora de fechar as contas no final do mês.

O celular toca dentro da bolsa de Alice, a mulher rapidamente abre a sua bolsa e pega o celular.

Alice: Alô?!

Depois de falar "Alô" a mulher fica branca, parecendo que viu uma assombração. Carlos que toma um café preto, estranha o jeito de sua mãe.

Carlos: Mãe, o que houve?

Parece que viu um fantasma!

Alice empurra o seu filho e procura um papel e uma caneta para anotar o que está sendo dito ao telefone.

Carlos lê o que está escrito no papel.

Carlos: Hospital do Mandaqui?!

Mãe me diz logo o que está acontecendo.

Com um ar de desespero, Alice larga o seu celular no chão e respira fundo, para não atropelar as palavras com o seu nervosismo.

Alice: O Pedro.

Carlos: O que tem o meu ex mãe?!

Não vai me dizer que ele aprontou de novo?

Alice: Não só aprontou, como dessa vez foi mais grave!

Ele passou dos limites meu Deus!

Carlos: O que aconteceu? Me conta logo!

Alice: O Pedro se jogou da estação Carandiru e caiu de uma altura de 3 metros. Está no hospital, entre a vida e a morte.

Carlos: Quê!?

Ele tentou suicidio? Meu Deus!

Alice: Filho a culpa não foi sua, não coloque ideias erradas na sua cabeça.

Como a mãe dele não liga muito pra ele, eu vou até o hospital, para ver o que podemos fazer.

Carlos: A senhora não pode fazer nada, nem parente dele nós somos!

E eu sei que não tenho culpa, ele tem repressão já um tempo.

Alice: Vamos parar de conversar e vamos para o hospital. Eu vou ligar para a Dona Mônica e avisar que não irei trabalhar hoje!

Que Deus nos ajude.

Carlos está com uma expressão de preocupação. Pedro é o seu ex namorado, mas os dois ainda são amigos. O rapaz sabe bem da história conturbada da família de Pedro, e diversas vezes tentou o ajudar, mas sem sucesso.

Alice entra no carro e faz um sinal para o filho ligar o motor. O carro parte em direção ao hospital. Alice então ligar para a mansão dos Villar e a governanta Elvira atende.

Alice explica tudo e Elvira diz que vai passar o recado para a patroa Mônica.

Elvira desliga o telefone, e carregando a expressão de espanto, encontra Vinícius no caminho para a cozinha. Vinícius nota que a governanta soube de algo trágico.

Vinícius: Elvira, que cara é essa?

Elvira: Aí patrão, eu recebi uma ligação da Alice e fiquei com o coração partido.

Vinícius: A Alice?!

Ela não vêm trabalhar hoje?

Elvira: Não vem, não senhor. Aconteceu uma tragédia.

Vinícius: Com ela?

Elvira: Não, não. Foi com um sobrinho dela. O rapaz se jogou da estação Carandiru. Tentou suicidio patrão!

Vinícius: Que história mais triste Elvira, como uma pessoa pode chegar a esse ponto? Suicidio.

Que Deus tenha misericórdia desse cara.

Elvira: Depois que falar com a sua mãe, vou acender uma vela para São Jorge, pra ele nada é impossível!

Vinícius: Você é uma mulher tão bondosa Elvira, a sua fé é muito forte. Use a sua crença para emanar energias positivas para esse rapaz.

Bom mesmo com essa tragédia, a vida não pára. Vou ter uma aula super chata na USP e não posso perder.

Fica com Deus Elvira, até mais tarde.

Vinícius dá um beijo na testa de Elvira, essa intimidade é porque a governanta trabalha há 25 anos na casa dos Villar e praticamente ajudou a criar Vinícius, Joyce e Marcela. Os três filhos de Mônica com o empresário Emanuel Villar, que vive mais viajando do que na mansão.

Com um sorriso sincero, Elvira dá um abraço em Vinícius. E fala:

Elvira: Bons estudos meu filho.

Vinícius sorri de volta e em seguida sai pela porta da frente.

Então Elvira sobe as escadas da mansão com dificuldade, pela sua idade avançada, e abre lentamente a porta do quarto da Madame Mônica.

Com passos leves, Elvira vai até a janela e abre as cortinas.

Os primeiros raios de sol adentram a suíte luxuosa e a governanta se dirige até a cama da patroa.

Elvira: Dona Mônica ... Dona Mônica...

A Madame então tira o seu tapa olhos e com um olhar de desprezo, incrimina a governanta.

Mônica: Por acaso a senhora bebeu?! Cheirou cola?

O que deu na sua cabeça para me acordar essa hora da madrugada?!