Misturando a Casa dos avós

Estou juntando todas as informações possíveis que minha memória me disponibiliza.
Estou juntando o aroma que sai da cozinha e invade cada cômodo da casa grande que todos os avós tem.
Estou juntando a mangueira após molhar as plantas; retirando da escada que dá para a casa de cima o machucador com tomate, cebola e pimentões para temperar nosso almoço.
Estou a procurar o pente fino para passar nos seus cabelos lisos que escorreram como água por entre os dedos das minhas mãos.
Estou juntando minhas sandálias que deixei cair do chão logo após correr chamando-te de careca.
Estou recolhendo meu grito que ecoa pela casa e colocando em cima do sofá junto aos gibis da turma da Mônica.
Recolho também os caroços da doce manga espada ou a casca das uvas que sua dentadura não conseguia atravessar.
Recolhi a imagem de Cristo após replicar a oração que aprendi ao conhecer o senhor do Bonfim.
Agora procuro sua tesoura para cortar os fuxicos. Por entre todas as mesas e vasos de cerâmica procuro a aposta do jogo que você fez e não se recorda onde colocou.
Suplico por doce de leite, doce de tamarindo, doce de caju. Suplico besteiras.
Bato forte na porta indignada, por ser retirada de uma roda de conversa mais madura.
Que imaturos, não enxergam que sei me posicionar? Me silenciar?
Minhas pequenas mãos roliças seguram fortemente o capô da caminhonete e meus pés alcançam o pneu reserva da carroceria.
Enquanto você dirige da cabine eu vou logo acima de você, falando ao vento, rindo, vendo a vastidão das terras que você diz ser nossa
Me encanto com os verdes e a ausência de pessoas
Peço que corra que corra muito
Você corre Corre
E agora está longe. Estamos longe.
Somos distantes, somos instantes.