RP - ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA - PARTE 25

ERA UMA VEZ... EM CASA BRANCA

PARTE XXV

São oito horas da noite. Na Fazenda Quatro Estrelas reina o silêncio calmante que só é interrompido pelo cricrilar dos grilos, o latido de um cão na estrada ou pelo barulho que os animais fazem se movimentando nos estábulos e na cocheira.

Na casa, as luzes estão apagadas, com exceção a do quarto de Wagner, que teria chegado em casa dando pulos de alegria se tivesse vindo direto de Campinas, sem passar pela cidade.

Quando chegou, ele nem teve ânimo contar ao pai e à madrasta que havia passado no vestibular. Subiu sem querer falar com ninguém. Nem quis jantar, pretextando uma dor de estômago e por ter comido demais no almoço.

A conversa que teve com o irmão e depois com Mônica o deixou mais preocupado do que já estava antes. Ficou no quarto a tarde inteira.

Depois do jantar, Leonardo interroga a mulher a respeito deste mau humor enquanto lê o jornal.

- O que o rapazinho tem agora? Nem desceu pra jantar.

- Ele disse que é dor de estômago. Comeu demais na cidade. Deve ter comido besteira com os amigos. Tentei levar um antiácido, mas ele não quis. Acho que essa dor de estômago tem outro nome. Ele saiu dizendo que ia a Campinas ver o resultado do vestibular. Não deve ter passado. Isso é irritação.

- Se for esse o motivo, acontece, ele diz, servindo-se de uma xícara de café. - Ele tem muito tempo. Ninguém vai morrer por causa disso. Não conseguiu esse ano, consegue ano que vem.

- Eu vou perguntar se ele quer comer alguma coisa, um copo de leite, um pedaço de bolo... Não pode dormir de estômago vazio.

- Deixa ele. É melhor deixar que ele se acalme, Magda. Ele vai pensar um pouco, talvez já esteja até dormindo. É capaz de ser malcriado com você.

- Eu fico preocupada, ela diz sinceramente, olhando para o topo da escada. – Ele deve estar se sentindo péssimo. Deve ser muito duro esperar por uma coisa que se quer tanto e não conseguir. Apesar de tudo, em tudo que faz, Wagner sempre quer fazer coisas pra te agradar. Quer fazer Agronomia pra te ajudar aqui na fazenda.

- Ele vai fazer quando for o tempo. Só tem que amadurecer um pouco mais, Leonardo diz, segurando a mão dela. – Eu amo você por esse amor que você tem pelos meus dois garotos.

Magda se senta no braço da poltrona em que ele está sentado e o beija.

- Vamos dormir? - sugere, sorrindo.

- É uma ótima ideia.

Wagner não consegue dormir. Rolou na cama a noite inteira até a madrugada e, cansado, resolve se levantar, pois, além de toda preocupação, o calor também está insuportável.

Vai até a sacada do quarto. A noite está linda e muito quente, apesar da aragem fresca. Apoia-se no parapeito e encosta o rosto nas mãos.

Por sua cabeça passam milhares de imagens que se misturam em frações mínimas de segundo. Primeiro, as mais recentes: o fato de Mônica passar mal no consultório, o rosto de Cláudio lhe abrindo seu possível futuro, o rosto do pai no dia do aniversário conversando calmamente com ele na biblioteca, os amigos na lanchonete, o nome dele na lista de aprovados no vestibular, o início da festa de aniversário dele e de Mônica, a confusão toda acontecida lá, todo mundo muito animado pelo fato de estarem muito altos, a mistura de bebidas, muito barulho, o som da vitrola incrivelmente alto e finalmente a inconsciência.

Wagner passa a mão pelo rosto suado devido ao calor. Isso o faz lembrar-se de imagens mais antigas: o casamento do irmão em sessenta e oito, a primeira vez que entrou no cinema em Casa Branca, a primeira vez que montou num cavalo, com dez anos, ajudado por Lopes, o tombo que provocou risos na família inteira por quase um mês, o nascimento de Diana que o deixou muito confuso por saber que não seria mais o filho caçula. Mal tinha começado a se acostumar com a ideia de que Magda estava ocupando o lugar de sua mãe. Uma mãe que ele mal havia conhecido e que só via por fotografia, mas que era a única de quem ele tinha conhecimento e em quem havia se acostumado a pensar como figura materna, mais que realmente não conhecia.

Magda tinha vinte e dois anos e iria ficar para sempre com eles, ao lado de seu pai, como sua mulher. Diana era, para os seus sete anos, um bebezinho esquisito, em sua opinião de criança de sete anos, deitado num berço que já tinha sido dele, no quarto do pai.

As imagens continuam...

O casamento do irmão. O dia em que surpreendeu Cláudio chorando no quarto, semanas antes. Nunca tinha visto Cláudio chorar. Ao contrário, sempre tinha sido consolado por ele. O irmão estava sempre resolvendo seus problemas. Um brinquedo quebrado, apanhar uma fruta muito alta numa árvore, um corte num dedo ou um arranhão num joelho em consequência de uma travessura que o pai não podia saber.

Para ele, Cláudio nunca errava. Nunca levava “bronca” do pai. Nunca desobedecia. Nunca! Ele sempre quis saber como o irmão conseguia essa façanha, mas nunca teve coragem de perguntar. Ele supunha que era uma coisa que um filho deveria saber, naturalmente, porque era natural em Cláudio, mas ele não conseguia. Ele não sabia. Amava o pai, mas não conseguia deixar de fazer o que lhe vinha à cabeça. O que tinha vontade.

Naquele dia, apesar de ter apenas onze anos, ele intuiu que o irmão não queria se casar. Que, como ele, não gostava de Tânia, ou não a amava a ponto de querer se casar com ela. Mas Cláudio não era como ele. Se fosse, teria coragem de dizer a todos a verdade e deixaria a noiva no altar se fosse possível. Mas havia o medo do erro. Cláudio ia cometer um, para não desapontar o pai. Wagner nunca entendeu direito por quê. Leonardo era severo, mas ele sabia que não era um tirano. Em sua cabeça, não o via punindo Cláudio por dizer a verdade.

Havia um amor filial diferente que unia Cláudio ao pai que ele não entendia. Com certeza não era o que ele sentia. Ele nunca contrariaria sua vontade para fazer a vontade do pai. Não, se a decisão fosse tão séria quanto um casamento sem amor.

Wagner é acordado dessa série de pensamentos por uma voz vinda debaixo da sacada. No meio da escuridão, alguém chama:

- Ei! Oh, Romeu abandonado, escuta! - a voz diz em tom teatral e num sotaque português que parecia música.

Ele fixa os olhos na escuridão e começa a ver a silhueta de uma pessoa que, pela voz, parece ser uma garota.

- Quem é? Quem está aí?

A pessoa se aproxima mais. É realmente uma moça.

RETORNO AO PARAÍSO – ERA UMA VEZ... CASA BRANCA

PARTE 25

BOM DIA E OBRIGADA!

DEUS ABENÇOE A TODOS!

Velucy
Enviado por Velucy em 05/02/2018
Código do texto: T6245379
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