Como num piscar de olhos... -2
Aos 10 anos, Christopher Cavendish perdeu ambos os pais em um fatídico incêndio, o qual foi ocasionado por Cliffwood, um ex administrador invejoso de sua família. Assim, na tenra e próxima idade de ser mandado para Eton, Christopher teve de lidar com o peso do título herdado por seu pai.
Ao contrário do que muitos supõem, ser o Duque de Devonshire atribui mais preocupações do que prazeres, o que delimitou sua infância e adolescência a um interminável treinamento e aconselhamento de como lidar com suas responsabilidades.
Ao sair de Oxford, entretanto, Christopher cuidou de selecionar bons gerenciadores e decidiu aproveitar melhor o tempo com sua avó, a qual carregara por toda sua infância o peso da administração do ducado, além de tentar ao máximo suprir a falta dos pais de Christopher.
Margaret Cavendish era uma mulher elegante e, ao mesmo tempo, muito doce e carinhosa, o que garantiu ao pequeno duque as atenções de que uma criança necessita. No entanto, ansiava pelo momento em que Chris, como apenas ela o chamava, assumisse o poder de sua posição e a livrasse de tamanhos aborrecimentos quanto a negócios e administração... Quão tediosos eram esses tópicos para a ex duquesa!
Dessa forma, assim que deu por finalizados os estudos e os tempos de devassidão na universidade, Cavendish juntou-se à avó e tirou de suas velhas costas o peso de suas próprias responsabilidades, que por ora seriam atribuídas a estranhos competentes e bem remunerados.
Passados seis meses de ociosidade na companhia da avó e da alta sociedade inglesa, Christofer notou sua natureza inquieta e sua necessidade por aventura e movimento. Assim, três meses após essa resolução, encontrava-se ele em terras finlandesas, após enfrentar o Mar Báltico.
Sua primeira percepção foi a de que a costa era mais frequentada do que havia imaginado. Haviam várias outras embarcações, barcos de pesca e comerciais, lotados de mercadores buscando fazer fortuna com produtos exóticos de todos os cantos do mundo. Ao desembarcar, imediatamente, Christopher não foi absorto pelo vento gélido que o cortava, mas sim, o ignorou, focando sua concentração em uma figura ao longe.
A garota movia-se rápido, quase correndo, e era impossível não reparar em seus cabelos ruivos e rebeldes, que voavam às suas costas como asas de um pássaro selvagem. Era a imagem mais hipnotizante que Christopher vira na vida. Como eram maravilhosos os modos nórdicos! Christopher sorriu enquanto refletia. Na Inglaterra a cena seria quase despudorada... Uma jovem a passos largos com aquele cabelo lascivo e vermelho liberto seria, sem sobra de dúvidas, julgada como inadequada.
No entanto, não estava em terras inglesas e não resistiu à peculiaridade da cena, trotando em direção a moça. Já estava tudo esquematizado em sua mente. A alcançaria e perguntaria se ela estava bem, se sentia-se ameaçada ou corria perigo, já que demonstrava tão óbvio desespero ao quase correr.
Quando apenas dois metros os separava, ela virou-se em sua direção, súbita e destemidamente. E então aconteceu. E a fração de segundo entre a moça tropeçar e Christopher a alcançar pareceu uma infinidade.
Ela tinha olhos verdes, absurdamente escuros e brilhantes, parecia que sua vida toda concentrava-se naquelas duras esmeraldas cintilantes. A garota era fogo, fogo e vida, e a expressão decidida em seus olhos só fez com que Christopher também se decidisse mais ainda.
Quando finalmente libertou-se de seu estupor, Cavendish viu-a em seus braços, pálida de frio e tensa devido ao seu toque. Porém, mesmo vendo a situação da moça, ele esqueceu-se disso por um momento e se dedicou a apenas absorver seus detalhes.
Como uma pintura, várias sardas ornavam os olhos de vulcão, que ameaçavam explodir a qualquer momento, dando um toque sedutor à menina tão séria, que franzia as sobrancelhas esguias ao estranho que a impedira de cair. Além disso, Christopher tinha plena consciência daqueles cabelos avermelhados roçando em suas mãos, que estalavam com a perspectiva de emaranhar-se neles e conferir a maciez. Até que, subitamente, a moça ruiva e alva em seus braços se debateu, levantando-se em um susto e pondo-se a correr na direção que ia antes de ser intercepta. E assim, o breve sonho do duque viu-se esfacelado, com a mesma rapidez que se formou.