Cidade do Alvorecer

Capítulo Dois

Ao chegar na loja, Lúcia não entrou imediatamente e por isso, percebeu que já havia um dos “clientes” de Julianne do outro lado da rua. Ela não queria pôr Amelia em risco, por isso apressou-se a dar a notícia.

Ao ver Lúcia, Amelia foi logo recebe-la com um abraço e vá-rias perguntas sobre a viagem.

- Senhora Herman! Que bom vê-la novamente. Como foi sua viagem? Para onde foi desta vez? Trouxe mais livros para a loja? – Mas ao abraça-la, Amelia sentiu que ela estava diferente, estranha, mas pensou ser o cansaço e decidiu deixar pra lá.

-Já pedi para não me chamar mais de senhora. – E abriu um sorriso que não era tão alegre, a menina percebeu. – Minha viagem foi bas-tante cansativa. Fui até Porto do Céu para umas reuniões de empre-endimento e não tive tempo de comprar nenhum livro. Mas no cami-nho de volta, vi algo e lembrei de você. Veja.

Entregou um embrulho pequeno para Amelia e ao abrir, vieram lá-grimas aos olhos da menina. Era um pingente com o símbolo yin yang, que tinha um significado enorme para ela. Seus pais, Eliot e Ana se conheceram em um festival de cultura japonesa, e sim, sabemos que esse símbolo é da cultura chinesa, mas a questão é: Eliot não sabia e quando ele começou a namorar com Ana, deu de presente um chaveiro com o símbolo yin yang com os nomes deles gravados. Ana riu e ele, magoado e sem entender o porquê daquele comportamento, perguntou o que havia de engraçado naquilo e ela explicou que o símbolo era, na verdade, da cultura chinesa. Os dois riram e decidiram que aquele seria o símbolo do amor deles mesmo assim, onde um completa o outro.

Amy sabia aquela história de cor de tanto ouvir seus pais contarem nas festas e feriados, quando eles se reuniam. Mas havia três anos e meio que seus pais sofreram um acidente de carro e não sobrevive-ram, o que a levou a mudar-se para Cidade do Alvorecer e começar uma nova vida. E é claro que ela havia contado para Lúcia, pois no primeiro ano após a morte de seus pais, ela pediu para que aquele dia fosse sempre seu dia de folga e ela tinha que dar o motivo. Foi o dia mais difícil da vida de Amelia e ela não gostava de compartilhar in-formações sobre esse dia com ninguém, mas como Lúcia insistiu, resolveu contar.

Olhando para aquele pequeno pingente cheio de significados, ela lembrou de seus pais e percebeu que tinha feito a coisa certa em con-tar a Lúcia.

- Obrigada Lúcia. Você sabe o quanto esse símbolo é significativo para mim. Não sei como agradecer. – Falou com a voz ainda trêmula por causa da emoção que as lembranças causaram.

- Não me agradeça ainda menina. Também trago péssimas notícias. – Lúcia encarou o chão, com medo de olhar para os olhos já tristes de Amelia.

-O que houve? Realmente senti que você estava diferente, mas achei que fosse o cansaço da viagem.

-Ah, minha cara, se o cansaço fosse o pior dos meus problemas. – Suspirou. – Mas, infelizmente, não é. Vou ter que fechar a loja. Fiz um negócio arriscado há alguns anos atrás e agora estão chegando as consequências. Tive que vender a loja por menos da metade do valor que comprei e o novo dono quer que eu esvazie o prédio imediata-mente. Na verdade, já tem umas semanas que o acordo foi feito, mas eu estava tentando dar mais um tempo para você poder receber um pouco mais pelo mês, mas meu prazo acabou. Vou levar os livros para casa, se você quiser levar alguns, qualquer um deles, fique à vontade. Eles são mais seus do que meus na verdade.

-Mas Lúcia, você nunca falou que havia algum risco de perder a loja. E agora? O que eu faço? Não tenho experiência em mais nada, não tem como eu conseguir um emprego hoje em dia com apenas o ensino médio e um trabalho como recepcionista, afinal não existem muitas pessoas que nem você.

-Acalme-se. Vou lhe pagar pelo resto do mês e o próximo mês tam-bém para te dar um tempo para tentar encontrar algo e também vou checar com alguns amigos e ver se eles têm alguma vaga para você. Vamos dar um jeito. Não vou te abandonar completamente!

-Agradeço muito, de verdade, mas não precisa me pagar por um mês de trabalho que eu não vou trabalhar. Eu não posso aceitar. Vou dar um jeito.

-Minha querida, deixe-me ajudar. É o mínimo que eu posso fazer. Veja, meu filho trabalha em uma editora publicitária, não é muito longe daqui. Eu posso pedir a ele que te contrate como assistente e você não precisaria gastar com passagem de ônibus para ir até lá, ele pode te levar. Vou ver com ele hoje mesmo.

- Não precisa Lúcia, de verdade. Você já fez bastante por mim, por todos esses anos você teve paciência comigo e me deu este emprego mesmo sem me conhecer. Não posso pedir mais nada de você.

- Mas você não está pedindo, eu estou oferecendo. Aliás, eu estou dando minha última ordem como sua patroa. Vou conversar com meu filho e te dou a resposta amanhã. E falando nisso, já está na hora de você ter o meu número na sua agenda e eu ter o seu na minha.

- Tudo bem então, você quem manda patroa. – As duas abrem sorri-sos, mas sem passar alegria. – Você tem um papel onde eu possa anotar o meu número? Assim, quando você ligar, eu posso salvar seu número no meu celular.

- Tenho sim, deixe-me procurar.

Ela vasculhou por dentro de sua bolsa, que parecia estar uma bagun-ça. Amelia notou alguns frascos de remédios, mas não quis perguntar com med0 de estar sendo rude. Alguns minutos depois, ela entregou um papel bastante amassado e disse:

- Aqui, anote aqui.

Amelia anota seu número no que parece ser um antigo folheto de um festival de músicas Indie. Nunca imaginara que senhora Herman fosse do tipo que vá a shows, mas pensou que ela nunca fosse vender a loja e também estava errada sobre isso.

Depois de um abraço e muitas lágrimas, as duas começaram a des-montar a pequena loja Sun & Moon e retirar cada livro das prateleiras atrás do balcão. Amy guardou apenas três livros para si, um que já havia lido e gostara, outro que havia lido e não gostara e outro que ainda não tinha lido e que parecia ter uma história atraente. Por que ela escolhera esses três? Porque o que ela gostou serviria para quando ela buscasse conforto e quisesse algo em que se recostar e saber que estaria segura, o que ela não gostou serviria para quando ela sentisse que não gostasse de algo ou de alguém, então ela leria de novo aque-le livro e talvez percebesse que mesmo que as coisas que ela não gos-tou logo de primeira pode ser bom se você der uma segunda chance – ou não – e o último serviria para quando estivesse com vontade de conhecer algo novo e se aventurar, mas sem correr muitos riscos. Era assim que ela planejava em seguir sua vida.

Ao terminarem, Lúcia disse que Amelia poderia ir embora, pois ela iria levar os livros para casa e encontrar com o novo dono para entregar as chaves e os papeis de escritura do prédio. Então, Amy saiu, chorando e relembrando cada lembrança boa que havida vivido na-quele lugar. Ao sair, olhou mais uma vez para a frente da loja: Uma porta estreita de madeira antiga, a fachada com a ilustração de um eclipse e o nome Sun & Moon livraria na caligrafia de um colega de Lúcia que faz grafite, o mostruário, agora vazio, por trás do vidro. Aquilo tudo iria se desfazer e ela iria sentir falta.

Depois de um longo suspiro, Amelia pegou sua bicicleta e pedalou de volta pra casa e subiu direto para seu quarto, onde passou o restante do dia deitada em sua cama, pensando nas coisas que haviam acontecido naquele dia e ouvindo a um velho cd de música indie que estava no aparelho de som quando o ligou, até ouvir algo bater na rua lá fora. Aquele barulho fez com que ela despertasse do transe em que se submetia. Ela então levantou-se, trancou as janelas e checou seu celular que continha várias ligações perdidas de um número desconhecido. Imaginou ser Lúcia e já estava prestes a retornar a ligação quando ouviu alguém batendo em sua porta.

rAven
Enviado por rAven em 10/02/2017
Código do texto: T5908753
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