Cidade do Alvorecer
Capítulo Um
Era uma fria noite de quinta-feira do mês de dezembro e o vento fez com que as janelas do quarto dela se abrissem, mas ela realmente não estava no clima de levantar da cama naquele dia. Você está querendo saber por que, não é? Bem, nesta manhã. Amelia acordou, tomou seu café da manhã habitual – café preto e uma fatia de pão com manteiga – e foi trabalhar. Até aqui tudo estava normal, tranquilo. Ela saiu de casa no horário normal – 6:00 a.m. –, cumprimentou uma senhora chamada Virginia que mora ao lado da sua casa e passa boa parte do dia em sua cadeira de balanço na varanda, sempre vestindo um vestido florido e uma manta, ouvindo o rádio; passou pela banca de jornais e comprou o jornal local e deu uma olhada nas notícias – obviamente – e só então, subiu em sua bicicleta a caminho do trabalho.
Chegou lá ás 6:55 a.m, horário em que chegava todos os dias nos últimos três anos, pois costumava pedalar devagar e gostava de passear um pouco pelas ruas calmas da cidade e sentir o aroma das árvores que ainda estavam vivas por ali. Ela trabalhava numa pequena loja de livros chamada Sun & Moon - que ficava do outro lado da pequena Cidade do Alvorecer, ou seja, 5 quilômetros de distância de onde ficava sua casa – como recepcionista e sim, eu disse trabalhava, porque foi a partir deste momento que esse dia começou a desmoronar.
Ela entrou na loja e sentiu algo de diferente no ar – poderia ser o cheiro de perfume barato misturado com fumaça de cigarro que estava vindo da mulher que estava parada bem em sua frente. De qualquer forma, a mulher estava toda vestida de vermelho – Chapéu, vestido, sapatos e até mesmo a cor das unhas e do batom – como se estivesse ali à procura de sangue e tinha uma expressão no rosto como se estivesse espantada com a sua presença e, ao mesmo tempo, com nojo de estar ali. Seus cabelos negros caiam em ondas até a cintura e seus olhos verdes tinham um quê de selvagens. Ela se aproximou da mulher e se apresentou:
- Olá, eu sou Amelia Clark. Posso ajuda-la em alguma coisa?
A mulher olhou-a de cima a baixo e observou cada detalhe seu – seu cabelo castanho e liso, mas preso em um rabo de cavalo, seus olhos que mudavam do azul para o verde com a mudança de luzes, seu rosto sem quase nenhuma maquiagem e seu corpo pequeno, coberto com uma camisa de uma série famosa de livros e jeans surrados, as mãos que seguravam, nervosas, a alça da mochila que trazia nas costas – e então disse:
- Olá, me chamo Julianne Van der Ville e sim, você pode ajudar. Estou procurando o dono dessa espelunca e gostaria de marcar uma reunião com ele imediatamente. – Ela falou com um sotaque bem forte que Amelia não pôde reconhecer de onde vinha.
Mas Amelia não tinha como contatar o dono, ou melhor, a dona da lojinha porque ela estava fora da cidade haviam três dias e não tinha o número dela. E foi isso o que disse àquela senhora.
- Me desculpe senhora Van der Ville, mas não tenho o telefone da senhora Herman, a dona da loja, e ela está fora da cidade. Eu aconselho que a senhora volte um outro dia.
Porém Julianne gostou muito do que ouvira e nem sequer respondeu-a, apenas jogou o cigarro no chão, apagou a chama com a ponta do seu sapato – também vermelho – e saiu, deixando Amelia bastante confusa. Mas aquilo não iria afetar o seu dia de trabalho, pensou ela. Mal sabia que aquele dia de trabalho já estava condenado a ser afetado.
Ela não reparou, mas aquela mesma mulher estivera ali algumas vezes antes em reuniões com Lúcia Herman e sempre que ela aparecia, Lúcia não aparecia na loja no dia seguinte. Havia algo de estranho naquela mulher e, ao que parecia, ela não aparecia para dar boas notícias.
Amelia não desconfiou de nada, até que meio dia recebeu uma ligação no telefone da loja. Era Lúcia.
- Olá Amy, espero que esteja tudo bem por ai! Acabei de chegar de viagem e estava pensando em dar uma passadinha aí daqui a pouco.
Amy era um apelido carinhoso que seus pais a deram. Poucas pessoas tinham conhecimento disso e mais poucas ainda eram as que ainda a chamavam assim. Mas Lúcia era íntima o bastante para chama-la pelo apelido carinhoso e Amelia adorava que ela fosse uma dessas poucas pessoas que ainda a chamavam de Amy, pois aquele nome tinha um sentido especial para ela, assim como tudo que se relacionava com seus pais.
- Oi senhora Herman, como foi sua viagem? Está tudo perfeito por aqui. Acho uma ótima ideia que a senhora venha.
- Ah, viagem de negócios nunca são divertidas, mas trouxe uma lembrancinha para você.
A senhora Herman era uma mulher de meia idade, tinha entre os 40 ou 50 anos – Amelia nunca perguntara –, com olhos de um castanho claro que pareciam mel líquido, com o cabelo castanho cortado na altura dos ombros e de média estatura, ela transparecia doçura e serenidade. Ela foi muito generosa quando uma Amelia de apenas 17 anos entrou em sua loja pedindo um emprego, sem ter experiência alguma e Lúcia a contratou e guiou durante as primeiras semanas de trabalho. Amelia tinha muita admiração por aquela mulher e se sentiu muito feliz ao saber que a senhora lembrara dela.
- Não precisava me trazer nada, já basta ter me dado esse emprego sem eu ter nenhuma experiência. Sempre serei grata à senhora.
- Pare de me chamar de senhora, me sinto tão velha! – Amelia pôde ouvir alguém falar no fundo dizendo “Você é velha” E Lúcia se abriu em risadas. Era uma voz impossível de não se reconhecer. Se tratava de Léo, filho de Lúcia por quem Amelia tinha não apenas uma quedinha, mas um precipício inteiro – não que ela já tenha falado isso pra ele, ou pra qualquer um, na verdade. Ela riu junto por um segundo e respondeu:
- Desculpe! Serei eternamente grata a você.
-Muito bem. Agora, dê-me apenas um momento para tomar um banho, comer alguma coisa e daqui a pouco chego aí.
Somente após o fim da ligação Amelia lembrou de Julianne, mas como Lúcia estava vindo até a loja, imaginou que não havia problema contar apenas quando ela chegasse. Ah, como ela estava enganada. Assim que ela desligou o telefone, Lúcia ouviu a campainha de sua casa tocar. Era Julianne, ainda toda de vermelho, com a mesma expressão no rosto e um novo cigarro entre os lábios.
Lúcia ficou chocada ao ver aquela mulher ali, em sua casa. Não a convidou a entrar, saiu para a varanda e levou a mulher até onde se encontrava o carro e falou, nervosa:
- Julianne! O que você está fazendo aqui? Já falei para não vir na minha casa! Meu filho está aqui!
- Bem, eu estive naquele projeto que você chama de loja, mas não encontrei você lá, apenas uma doce menina que não sabia onde você estava e nem quando iria voltar, então eu pensei em ficar esperando por perto e ver se você aparecia.
-Amelia? Mas ela não falou nada. Você disse alguma coisa a ela?
- É claro que não. Mas vim até aqui porque quero uma resposta e quero rápido, agora. Não tenho muito tempo para desperdiçar.
- Tudo bem, tudo bem. Pode ficar com a loja, mas deixe-me falar com Amelia primeiro, quero que ela saiba por mim.
- Ok. Mas faça isso logo, pois assim que eu sair daqui já vou entrar em contato com meus clientes e dizer que já temos o lugar. E você sabe como eles agem rápido, não é mesmo?
- Sim, eu sei. Mas é isso, o lugar é seu, já cumpri com a minha parte e espero que vocês cumpram com a de vocês e deixem a mim e à minha família em paz!
-Não se preocupe, sou uma mulher de palavra! Adeus Lucia, foi bom fazer negócios com você.
E ela saiu deixando apenas o cheiro com a mistura de perfume e cigarro, entrou no carro vermelho e não olhou mais para trás. Lúcia ainda estava em choque, mas precisava ir ao encontro de Amelia e dar a notícia.
Obs.: Aos poucos vou postando os capítulos.