A ÚLTIMA RECONCILIAÇÃO
 CAPÍTULO 03

 
No trabalho ou em casa, Marli contava às horas que passavam lentamente. Sua colega de trabalho já começava a comentar como Marli ultimamente andava desligada. Já não caprichava mais na faxina como antes. Marli desejava que o tempo triplicasse a velocidade, que o sol não demorasse muito tempo contemplando o mundo de sempre. Caminhando pelas ruas, eram frequentes os tropeços em pedras e em objetos de forma atabalhoadamente pela calçada em pelas ruas sem pavimentação. Trafegava pela cidade sem a costumeira preocupação e sem o precavido costume de olhar a para os lados. Parecia que naqueles dias ela estava vivendo no mundo da lua ou em qualquer outro astro do universo, menos no planeta Terra.
Assistindo as novelas, vibrava intensamente com as cenas de amor. Imaginava ela e seu primo vivendo as mesmas cenas que os atores. Contos de fada povoavam a cabeça da pequenita jovem suburbana de uma cidade do interior. Diríamos até que o amor mora em Mutum e encarnou-se em Marli.
Chegou o fim de semana, finalmente, que determinaria a metade do tempo para Marli encontrar o seu Romeu. Foi comum no começo, sem novidade. Marli não queria novidade. Mas quando planejamos e esquematizamos nossos dias, marginalizamos as novidades, o imprevisto.
Único dia de folga da faxineira. Sábado passado foi concessão dos patrões. Marli pela manhã ajudou em casa. Fez a faxina, descansou e cortou os legumes e ajudou na copa após o almoço.
A sua tarde foi ocupada ouvindo música. Ouvia de Zezé Di Camargo e Luciano a Tracy Chapman. Sonhou acordada com o primo. Beijou-o, abraçou-o, excitou-se. Amou-o sozinha na sua cama. Pensou: “O que seria dos apaixonados se não fosse a imaginação.” Suspirou fundo escutando os beijos que sua irmã estava saboreando com seu namorado na sala.
Sentiu sua bexiga cheia. Foi ao banheiro. Sentada no vaso sanitário urinou relaxadamente. Em outras ocasiões detestaria ter que urinar. Julgava as mulheres inferiores por ter que fazer essa necessidade fisiológica sentada ou agachada. Desta vez não se inferiorizou, não ridicularizou as limitações anatômicas das fêmeas. Começava a gostar de verdade de ser mulher. Demorou a perceber que sua bexiga já havia se esvaziado. Não sentia vontade de levantar. Resolveu ficar mais um pouco ai com as pernas abertas como se estivesse testando a elasticidade da bermuda e da calcinha arreadas até o joelho.
Sentiu o vento quente roçar os seus lábios vulvares. Achou interessante uma gota de urina cintilando na ponta de um dos pelos próximos à rubra caverna de sonhos e de vida. Sua mão direita começou a tatear a suavidade branca das partes internas de suas coxas. Começou a sentir uma excitação tal qual a provocada por aqueles beijos dentro da orelha há nove dias. Não esboçou nenhuma forma de resistência quando um dos dedos começou a explorar uma glândula pequena acima da sua uretra. Uma força estranha e gostosa subia pelo seu corpo liberando uma descarga revigorante por toda parte. Masturbou pela primeira vez.
Não adianta marginalizar as novidades. O excluído sempre se rebela. E ali, depois daquela profunda excitação que deliciosamente queimava Marli por dentro, fazendo daquele ordinário banheiro um paraíso e da pobre mocinha suburbana, uma Eva sem Adão. Marli resolveu tomar uma duchada de água fria para aliviar o calor que a consumia.
Foi até ao quarto, pegou a toalha listrada de cores fortes e sérias. Voltou rápido. Despiu-se. Recebeu um jato de água fria no rosto, molhou todo o corpo, começou a ensaboar apertando o Rexona contra a pele branca. Apertou com mais força na região pubiana entumecendo os pelos com escuma abolhada. O shampoo na cabeça desta vez também foi aplicado sem pressa. Tinha tempo e não tinha o que fazer depois do banho.
Não foi a missa. O paraíso já estava ganho. Pensou assim e logo se arrependeu. Veio a dúvida: e agora? Será que eu preciso me confessar por ter me masturbado? Será que é pecado o que eu fiz?
Foi para o quarto levando consigo a dúvida. Colocou uma roupa simples: bermuda e camiseta. Sentou no banquinho de frente a rua tentando afastar a dúvida persistente enquanto sorria para aqueles que passavam por ali em direção ao centro da cidade, seja para a igreja, seja para o bar.
Dormiu cedo para no dia seguinte pegar firme no batente. Já que a semana que passou foi consideravelmente exaustiva.
Acordou mais disposta e foi para o trabalho. Sua colega, que trabalhava na cozinha, notou logo cedo uma Marli diferente da semana anterior. Não se parecia mais com um astronauta no mundo da lua, mas uma guerrilheira com os pés no chão. Fez o trabalho mais atenciosamente e mereceu até menção favorável por parte da patroa.
Quem também notou a mudança foi a sua irmã.
-Que bicho tá pegando, maninha? Perguntou.
-Nada Maria. Nada.
-Uh! Pensa que não tô te manjando há tempos?
-Manjando o quê?
-O que só não percebe quem não quer ou não entende de sentimentos.
-O problema é meu. Ralhou.
-Se é algum problema, por que não me conta? Quem sabe eu posso ajudar?
-Não, não tem problema nenhum.
-Você mesmo acabou de dizer que o problema é seu. Então tem problema sim.
-Ah! Maria. É só maneira de falar.
-Sei. Tô sabendo.
-...
-Ah! Marli. Sabia que tem um cara nessa rua afinzão de você?
Marli começou a se interessar pelo papo da irmã. Mudou a expressão facial e perguntou curiosa:
-Quem?
-Curiosidade, heim maninha. O Carlinhos. Quem me falou foi Carol, a irmã dele.
Marli forçou um riso que saiu pelo canto da boca.
-Por que você não fica com ele? Perguntou a irmã de dezessete anos.
-Ah! Eu já tenho alguém.
-Quem? Vai, conta-me. Interessou-se a primogênita.
-É o Zé Roberto. Fiquei com ele no casamento de Marina.
-O Zé Roberto da tia Joana?
-Sim. Ele mesmo.
-E aí? Conta-me como foi.
-Ah! Foi bom. Eu gostei. Afirmou  Marli que pela primeira vez conversava sobre esse assunto com a irmã.
-Sabia que eu já fiquei com o Quizim da tia Aparecida? Começou a irmã mais vivida a abrir a sua vida para aquela que considerava uma criança até dia atrás. Agora sabia que a mana mais nova participava do mesmo mundo que ela.
O bate papo que começou por acaso, por mera curiosidade a partir da observação de Maria, teve que ser encerrado de supetão com a aproximação de dona Leontina, mãe das moças.
Sem ficar contando as horas, Marli nem percebeu que a semana já estava quase acabando. O tempo passou rápido. Quando assustou, já era sábado. Em alguns momentos tinha esquecido que era nesse final de semana que Zé Roberto viria. Uma vez lembrado, a ansiedade voltou com menos intensidade desta vez.
Finalmente chegou domingo. Marli esperava que Zé Roberto chegasse a tarde. A tarde chegou e Zé Roberto não. Achou que ele chegaria a noite. Certamente iria direto para a rua. Viria só para ficar com ela e nada mais. Havia combinado com Celina. Aquela sua amiga de irem juntas. Aprontou-se, entusiasmou-se, sorriu diante do espelho para si mesma. Chegou a se elogiar. Celina a esperava na sala.
Celina não estava paquerando ninguém naqueles dias. Iria ficar com a amiga até ela encontrar o rapaz. Queria conhece-lo. Se ele estivesse com algum amigo lá da roça e se fosse lhe apresentado, quem sabe poderia rolar alguma coisa. Preferiu deixar por conta do acaso. Ela havia paquerado várias vezes. Achava os rapazes todos iguais. Todos com os mesmos papos banais. Diziam que estava afim, chamavam para um lugar mais apropriado, beijavam e abraçavam sem nenhum estilo inovador. Na primeira oportunidade tentavam passar as mãos nos seios. Algumas vezes ela até deixava, outras não. Dependia do momento, do lugar, do seu entusiasmo.
Marli, chegando com Celina na pracinha, encontrou algumas conhecidas. Havia três finais de semana que não vinha a pracinha. Uma delas chegou a perguntar se Marli tinha ficado doente. Outra, se a mãe tinha lhe proibido sair. Conversou com uma, com outra e o tempo foi passando. Começou a perder a esperança. Celina preferiu não comentar nada.
Passou muito tempo. Andaram por toda praça. Não encontraram e nem foram encontradas pelo rapaz. Não. Ele não veio. Perdeu de vez a esperança depois de circularem três vezes pela pracinha inteira. Deve ter acontecido alguma coisa.
Voltaram para casa às duas mocinhas e despediram-se. Foi então que Celina tocou no assunto. Percebeu que Marli não estava tão angustiada como se esperava. Disse que lamentava muito e tentou consolar a amiga.
-Essas coisas acontecem. Mais cedo ou mais tarde você vai ficar sabendo por que ele não veio.
Trocaram tchaus e foram dormir.
 
CAPÍTULO 04
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 01/10/2016
Reeditado em 29/06/2020
Código do texto: T5778161
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