Fireflies in the Dark - parte 5 - sunnyside
Eu só sei que tive que estudar mesmo, e puxa eu nem lembrava mais como se fazia isso. Na hora do vestibular foi a pior. É claro que eu prestei nas faculdades mais longes e tal mas nem adiantou é claro, porque eu não sabia nada. E eu ainda precisei ir me despedir da dona Gertrudes minha professora de matemática. Ela era gente boa mas eu odeio despedidas, fica uma coisa nebulosa, meio estranha quando a gente ta indo embora e eu sempre tenho a sensação de que sou um calhorda assim que eu vou embora do lugar.
Ela morava do outro lado da cidade, bem depois da Hawthorne Bridge. Me lembro que cheguei na casa da Gertrudes e quem me atendeu foi o marido dela. O cara me olhou desconfiado quando eu perguntei se ela estava e me disse pra esperar. Sabe aquele olhar de:”que você esta fazendo aqui?” e ele nem me conhecia. Eu acho que isso é um problema masculino lá do fundo mesmo, da animalidade do ser. Merda, o sujeito me lançou um olhar como se eu fosse roubar a mulher dele. A coroa dele né. Sei lá mas de qualquer modo eu entrei e ele me disse pra ir ate a sala que ela estava lá. Quando eu vi ela não tava parecida com uma professora, alias ela não tava parecida com nada, é estranho ver os professores da gente fora da sala de aula porque aí eles parecem de tudo menos professor. Um dia encontrei um professor meu de ciências na rua, o cara era tipo sério e tal mas tava uma graça naquele shortinho de tirolês. Puta quase dei uma gargalhada na cara dele na hora em que vi isso. Mas não perdi tempo não, é claro que eu puxei papo e tal, o problema é que a gente não respeita o cara como respeita na sala de aula e aí acaba tirando um sarro. É divertido, mas de uma certa maneira você passa a ver aquele sujeito diferente depois dessas coisas, sei lá porque.
Eu caminhei até a sala e assim que ela me viu já abriu um sorriso.
_Warnie_ disse ela_ sente-se aqui. E me indicou um pequeno puff ao lado da poltrona dela. A sala cheirava a um azedo que dificultava até o sorriso que eu tinha que dar.
_Oi professora_ falei ao sentar naquela coisa dura _como tem passado?
_Não tão bem_ ela retrucou com um ar de vitima. Tudo bem se a pessoa esta mal mas se fazer de vitima não dá. Nesse momento eu já queria escapulir dali _e seus pais como estão?
_Otimos_ eu disse. Mas que mentira escabrosa. Duvido que tenha muita gente por aí com tantos problemas que nem meus velhos_ minha mãe está feliz com o novo emprego e meu pai vendeu o escritório agora_ pra falar a verdade eu nem sabia como andava o clima lá em casa mas pra eu estava bom porque minha mãe realmente tinha achado um novo emprego e estava indo morar em New York, uns 2000 quilometros daqui.
_Então Warnie, eu precisava mesmo falar com você antes que fosse embora_ só aí já dava pra imaginar a ladainha que eu ia ter de suportar,e sinceramente eu não tava com saco pra isso_ eu estava analisando suas provas_ continuou_ e acho que voce não aprendeu muita coisa nesse ano.
_Eu sei professora_ e já sabia também aonde ela queria chegar_ mas eu me esforcei e acho que esta bom assim_ fui cortando logo o assunto porque era realmente chato ir visitar um professor ele ficar te dando lição de moral e ainda tinha aquele cheiro.
_Mas não se deve ser assim_ ela tinha um fio de baba entre os dentes_ a gente precisa estudar pra ser alguém e você já está crescido meu bem_ se tem algo que deixa a gente sem graça é alguém te chamando de meu bem. Nesse momento eu imaginei o troglodita do marido dela entrando na sala e me jogando pra fora da casa por causa disso. Mas não aconteceu e eu ate estava com vontade de ser jogado pra fora mesmo.
_Eu sei professora_ parece que eu ia responder só isso pra ela e o pior era que ela não tinha se tocado. A velha era gente boa, de verdade mas qualquer pessoa que vai te dar um sermão manjado deixa de ser tão gente boa.
_Pega pra mim aquele papel em cima da mesa e um lápis por favor_ ai eu fui lá e peguei certinho do jeitinho que ela queria. E tava só esperando o telefone dela tocar ou qualquer outra desculpa pra dar o fora o mais depressa possível _agora eu vou te passar um problema_ foi o fim. Eu queria morrer. Já não bastasse a despedida, que nesse momento já tinha virado papo furado ela me vinha com essa de conta e problema de matemática? É claro que eu não consegui resolver nada com ela em cima de mim e aquela droga de cheiro de repolho que o troglodita tava preparando pro almoço. No fim larguei o lápis no chão mesmo e agradeci por tudo e saí sem nem mesmo falar um tchauzinho pro mastodonte. Mas puta, como me senti aliviado quando saí fora de lá e tive aquela sensação de que eu era um calhorda de novo. Acho que é porque eu nunca consigo me despedir direito de ninguém, sei lá.
Eu entrei na faculdade mais cretina de Portland, a Portland Community College. Nego lá só tinha panca e pose mesmo. Era até difícil conversar com as pessoas porque parecia que elas não falavam a minha língua. Povinho metido sabe, era uma faculdade cara pra diabo. Pra um cara que nem eu, que meu pai era quem pagava, aquilo não servia mesmo. Mal entrei e já comecei a estudar uma maneira de me livrar daquele antro e transferir pra outro lugar qualquer, desde que fosse bem longe.
Agora que eu já falei da mediocridade que foi minha vida até aqui eu vou contar o que me aconteceu nesse Thanksgiving e eu espero esquecer de tudo depois disso. Tudo começou na terça feira a tarde quando eu estava chegando da faculdade, é claro que eu não ia ir na aula na quarta feira porque eu tinha que me preparar pro feriado e tal. Aí fui chegando em casa pensando que ainda teria que correr atrás de muita merda até a outra noite porque eu tinha entrado em um camping que ia acontecer numa floresta próxima e as barracas ainda não tinham. Na verdade foi um amigo meu, o Stephen Clovis que me chamou pra ir então eu topei e até disse que ia ajudar mas depois desanimei.
Cheguei e coloquei o material na cama e então lembrei que nesse fim de semana minha mãe tinha vindo de NY pra ficar em casa. Eu já sabia que ia ser uma droga se ela ficasse me perguntando sobre o que eu ando fazendo então pensei em posar numa pensão durante os dois dias seguintes e era isso mesmo que eu ia fazer.
_aonde é que você estava?_ era minha mãe, ela abriu a porta e entrou no quarto. Se tem algo que eu odeio é quando alguém entra no seu quarto sem bater nem nada, ai se você tranca a porta te chamam de chato mas em casa sempre foi assim e acho que nunca vão mudar, por mais que se fale eles acham que estão com a razão.
_eu tava lá no shopping_ respondi_ fui ver se já tinha chegado um livro que eu encomendei.
Uma coisa detestável é ter que dar satisfação pra alguém. Puta eu não gosto mesmo disso, por isso sempre que me perguntam algo cretino que exija satisfações pessoais eu minto pra burro. Nem ligo porque eu acho que o que a gente faz nem tem que falar nada pra ninguém. As vezes eu invento cada estória mirabolante que nem eu esqueço mais. Pra mentir eu sou bom mesmo, e quando o sujeito é trouxa eu embromo mais ainda. Um dos problemas da mentira é esquecer tudo depois e eu não tenho uma memória boa, não mesmo, vivo esquecendo de tudo quanto é merda. Aniversario, provas, remédio, chave, nome, mas eu nem ligo e se um dia alguém descobre que eu menti nisso ou naquilo foda-se. A gente não deve nada pra ninguém.
_Que livro?_ ela perguntou. Puxa como ela sempre quer saber de tudo.
_Sei lá, um da escola_ sabe eu não gosto de me meter na vida de ninguém, é tipo cada um na sua e acabou, mas também não sou ignorante não eu sei que não fazia mal nenhum inventar uma porcaria um nome pra ela mas se você dá a mão eles sempre querem logo o braço.
_Qual? Você vai precisar comprar?
_O apanhador no campo de centeio_ falei qualquer nome.
_Nunca li. Como está o curso de engenharia elétrica?
_Mesma coisa, legal_ legal uma ova eu precisava mesmo era dar o fora daquela josta. Mas já eram quase duas da tarde e eu precisava ir atrás das coisas do camping.
_O que você esta fazendo?_ será que ela tem sempre que colocar uma interrogação no final da frase? Eu estava colocando umas roupas numa malinha.
_umas coisas que eu não uso mais, resolvi dar embora_ falei pra ela_ sabe, passou um grupo religioso pedindo umas roupas e eu to indo até Sunnyside pra distribuir.
_Ai que legal, espera aí que eu vou pegar umas minhas também._as vezes eu sou muito convincente, nem devia ter dito isso, depois me arrependi. Minha mãe é beata pra caramba.
_Deixa eu ir com você, aonde é?
_não da, porque tem que ajudar a fazer coleta, passar de casa em casa sabe, só depois é que vai entregar._ então ela desistiu e eu peguei aquele monte de roupa velha e pus numa sacola. Contei o meu dinheiro e vazei de lá pra voltar só daqui uns sete dias. Nem seria bom se eu falasse alguma coisa porque ia gerar muita discussão em casa e na boa, eu não tava com cabeça pra discutir nada. No mínimo eu ia mandar todo mundo pra merda e ia sair nervoso naquele frio infernal. Puta esses dias são como se a gente estivesse pregado no chão a cada passo que dá.
Andei uns dois quarteirões e vi um terreno baldio com uns dois bois pastando. Era tudo que eu queria.
_bom apetite_ eu disse enquanto tacava aquela sacola de roupas no pasto. Nem sei como andei duas quadras com essa droga mas eu estava mesmo era guardando pra tacar em algum lugar especial, tipo esse pasto. Não sei por que mas nesses dias meio fudidos de frio quando a gente esta atravessando uma rua sempre tem a impressão de estar sendo sugado pra baixo. Sei lá como é mas é sempre a mesma sensação.
Fui até um pequeno hotel e pedi um quarto. O recepcionista tava chupando uma melancia e ficava com a barriga de fora o tempo todo, tipo de cara nojentão mesmo mas eu nem liguei porque eu também sou meio porcão com as coisas. Pedi um quarto e o cara demorou pra caramba só pra levantar aquela bunda suada da cadeira e vir no balcão. Tava na cara que o hotel era dele porque ninguém ia contratar um cara desses pra tomar conta de algo, sabe aquele tipo de gente legal que parece que ta fazendo o maior favor em te atender.
Eu mesmo tive que levar minha mala ate o quarto porque o sujeito só foi atrás naquele passo de lesma dele e com aquela feta de melancia pela metade. O cara fedia mas o quarto fedia mais que ele, verdade. Parecia que alguém tinha vomitado em algum canto e que ele não tinha limpado. Acendi um cigarro. Ele foi até a janela e abriu as cortinas.
_Não pode fumar aqui certo?_ disse o barrigudo._Me da o cigarro que eu jogo fora_ Pegou meu cigarro e foi embora sem falar nada. É o tipo de cara gente boa. Eu nem falei nada, na hora em que ele saiu eu acendi outro e deitei na cama. Fiquei pensando uma meia hora e fumei uns quatro cigarros, um atrás do outro. Tava pensando numas coisas malucas, umas historias de um tio meu. Levantei e fui até o banheiro. Tinha umas baratas passeando por lá e o pior é que não tinha chuveiro só uma banheira suja pra burro, tenho certeza que os quatro últimos caras que ficaram naquele muquifo não tomaram banho lá. A banheira tinha umas sujeiras da segunda guerra, aquelas que só saem se você tirar um pouco da casca. Abri a mala e tirei umas roupas que coloquei numa poltrona então peguei meu chapéu e coloquei na cabeça. Eu adorava esse chapéu, mas só usava ele em casa ou quando não tinha algum conhecido olhando. Acendi outro cigarro porque o cheiro daquele quarto já tinha voltado.
Resolvi sair um pouco e comprar uma ou duas garrafas de whisky. Andei um pouco por uma praça que tinha lá perto até ver um boteco, então entrei e pedi dois dos whiskys mais baratos e uma coxinha. Se tem um salgado que eu adoro é coxinha de carne. Só depois é que fui perceber que eu tinha saído com meu chapéu de caça. Eu tava uma graça mesmo mas nem liguei. Quando eu cheguei no hotel de novo o cara tava comendo uma jaca, sem desmerecer, foi uma visão do inferno aquilo e eu já fui passando rápido porque nem sei quem tava fedendo mais, se era ele ou aquela jaca aberta no balcão.
_Ei você aí._ gritou o barrigudo_ não pode levar bebida alcoólica pros quartos certo?
Pra falar a verdade esse cara já tava começando a me encher o saco.
_Tudo bem, vou devolve-las ali no bar então._ eu disse. Dei a volta pelo corredor dos fundos e coloquei as bebidas no peitoril da minha janela. Ainda tive tempo de ver um rato se arrastando pelo tapete do quarto e indo em direção do banheiro. Provavelmente a família dele inteira devia morar no meu quarto. E o pai na certa era aquele barrigudo sacana.
Voltei pro meu quarto mas não sem antes dar uma olhada no “papai rato” comendo jaca e se lambuzando feito um bebê. Sabe, no fundo dá uma certa pena desses caras porque tudo o que eles querem é serem umas pessoas respeitáveis porque muita gente já deve ter tirado muito sarro na cara desse danado e talvez isso até vá deixando a pessoa meio sem graça e tal, mas não deixava de ser engraçado.