Fireflies in the Dark - parte 4 - bonnie blue
Vou contar pra vocês uma estória que me aconteceu. Na época eu tinha uns dezenove anos, mas antes eu quero recapitular a historia da minha vida. É uma coisa confusa eu tentar contar a porcaria da minha historia e eu nem sei ainda como eu vou começar. Eu poderia contar como foi que eu nasci e o que aconteceu desde então e essas baboseiras todas, mas eu não vou não, primeiro porque não estou com vontade e depois porque a historia da vida da gente não começa quando a gente nasce porque eu não lembro de quando eu nasci, e se eu começasse assim ia parecer que era minha mãe que tava contando. Eu acho que a historia da gente começa pela primeira lembrança que a gente tem e daí em diante. Mas eu não to muito bem lembrado de quando eu era moleque. Uma das minhas lembranças mais antigas é d’eu jogando videogame.
Bem, em primeiro lugar eu vou dizer meu nome. Eu me chamo Arnold Damwell, e desde que eu me lembro eu sempre odiei essa porcaria desse nome. Isso aconteceu porque meu pai é de descendência escocesa e minha mãe adora um nome complicado e chique, e eles demoraram pra escolher essa droga desse nome, por pouco quase não acabo virando De Lucca, ou Capistrano ou qualquer dessas viagens que eles tiveram, acho que acabei ficando com o nome menos feio mas mesmo assim acho uma droga. Deviam é perguntar pra gente que nome a gente quer ou sei lá, mas aí também ia ser uma droga porque quando eu era pequeno queria me chamar Jimmy Bob, olha que lixo.
Quando eu nasci meu pai era vendedor na cidade de Livingston, Montana e minha mãe não fazia nada por isso ela e minhas irmãs (eu tenho duas irmãs gêmeas, mais velhas) ficavam o tempo todo comigo e a gente brincava bastante mas eu não lembro disso porque era muito pequeno, na verdade eu tenho poucas lembranças daquela cidade. Lembro da Bonnie Blue hasteada no jardim, lembro dos hamsters que eu criava numa caixa de papelão e que eles eram lindos, mas não lembro o que aconteceu com eles, provavelmente meu pai deve ter dado eles embora e me disse que fugiram ou sei lá, essas coisas de adulto. Um dia memorável foi quando eu vi um lagarto na porcaria do jardim, pra mim aquilo foi fascinante e eu nunca mais esqueci desse lagarto.
Eu estudei numa escolinha chamada Nossa Infância e a única coisa que eu lembro é de um moleque me tacando terra na cara, tenho certeza que esse moleque fez farra a vida inteira dele porque ele já era encapetado de pequeno e quando um moleque é chato com três anos quer dizer que vai ser um espírito de porco a vida inteira porque eu era tonto de pequeno e fui tonto a vida inteira. Se tem uma coisa que eu odeio é quando eu vejo um fedelho bagunceiro. E tem pai que nem liga, aí o moleque mexe em tudo, quebra as coisas, tira do lugar, rabisca e você vai ficando com raiva e tem vontade de esganar o danado e olhar pra mãe dele e falar:
_olha aqui o que eu faço com essa peste. _Caceta! Se tem algo que eu não goste é moleque infernizado e tal.
Nos só moramos seis anos em Livingston porque aí meu pai juntou com um tio meu e quis montar um escritório contábil. Esse meu tio sempre me contava uma historia estranha. Mas eles montaram o escritório no Oregon. Eu nem sei como eles arranjaram o dinheiro porque o escritório era grande e tal, eu sei que eu nem sabia de nada aí um dia veio um caminhão e levou nossas coisas embora e a gente foi morar numa casa maior. Eu não entendi nada mas ainda lembro a primeira vez que eu entrei no escritório e era novinho e grande. E eu fiquei enroscado na portinha de saída porque não tinha força pra empurrar. Essa merda toda foi minha vida durante muito tempo, sabe, eu era feliz porque era pequeno e nem via as merda que acontecia em casa e tal. Provavelmente meus pais não vão gostar do que eu estou contando mas eu não ligo e acho que se eles leram ate aqui vão continuar, foda-se.
Um dia sem mais nem menos a gente teve que mudar pra outra casa. Essa ficava mais perto do centro e tal, mas era velha pra burro. Então eu fiquei sabendo que meu pai não era dono da casa e o outro cara tinha mandado a gente sair, aí eu fiquei com ódio do sujeito porque eu não entendi nada, nem porque a gente tava morando na casa dele ou o que era aluguel e essas coisas. Ai minha mãe começou a trabalhar como psicóloga e eu acho que foi porque o dinheiro não devia estar sobrando lá em casa. Então ela ficou grávida e eu ganhei no mesmo dia outra irmãzinha e um brinquedo porque os idiotas acharam que eu ia ficar com inveja da bebe e ia querer atenção pra mim, esse monte de baboseiras que os pais pensam. Eu não sei se meus pais são os pais mais idiotas do mundo mas acho que todo pai e mãe não sabe cuidar direito do filho porque todo mundo acaba ficando com aquela revolta esquisita contra sua própria educação, e fala que nunca vai fazer isso com o próprio filho e tal, mas isso é ladainha. Puro papo. Nem ligo porque meus pais são mentirosos pra caramba. Eles dão conta de mentir em tudo que fazem.
Depois que meu irmã Leslie nasceu as coisas ficaram mais difíceis la em casa mas eu nem lembro e também não estou nem nunca estive preocupado porque eu era criança demais. Minha vida continuou do jeito que estava e na vizinhança nova eu conheci um grande sujeito, o Flavio Hokenbauer. O cara foi um dos meus melhores amigos ate eu me mudar de novo e ate hoje eu ainda comprimento se vejo ele na rua e tal, mas o cara é do tipo gente fina mas meio burrinho sabe, não que eu esteja fazendo pouco caso dele, não é isso. Eu odeio nego que fala que é mais inteligente que os outros e fica se achando mas não sabe nem esquentar arroz. Mas o Flavio era diferente, ele ate que tentava mas no fim concordava com tudo que a gente falava, não era culpa dele. O pai dele morreu quando ele era bem pequeno e ele ficou meio solto na vida. Sabe, no fundo eu tinha um pouco de dó do Hokenbauer por ele não ter pai e ter ficado meio avoado mas ele era realmente um cara gente fina, era simples e tal, eu gosto de gente simples, na boa.
Depois de um tempo, uns quatro anos naquela porcaria de casa velha a gente se mudou de novo. Fomos pra um prédio que ficava perto do escritório. Nesse apartamento eu passei a maior parte da minha vida. Lá tinha de tudo quanto é tipo de gente fresca, nossa como tinha fresco naquela merda. No primeiro dia de mudança eu fui em cima do caminhão. Eu sempre quis ir junto com o caminhão e chegar e ver descarregarem as coisas. No meu primeiro dia peguei amizade com um sujeito chamado Lian Smith, o cara era doidinho, roubava de tudo nem que não fosse usar. A casa do cara era um chiqueiro e a mãe dele estava sempre berrando, ela era uma daquelas mulheres que já passaram dos trinta e que ninguém mais olha, e eu acho que isso causa uma espécie de frustração interna nas mulheres, ela tinha ruga e cabelo branco e acho que a única coisa que ainda prestava nela era aquela merda de voz irritante dela. Eles moravam uns dois andares pra cima do meu e ainda assim quando eu tava assistindo televisão eu ouvia ela gritar pelo Smith, acho que o prédio inteiro ouvia mas ninguém falava nada por que todo mundo sabia que não ia adiantar. Mas eu tinha vontade mesmo era que ela escorregasse de lá. O Smith era chato pra burro, gostava de azucrinar o pessoal do prédio. Ele se metia nas melhores frias e depois apanhava daquela mãe dele. Ela batia nele pelado dentro do banheiro, dava pra ouvir e tal, de vez em quando eu até gostava e outras eu ficava era feliz porque não era comigo. Na boa, se eu tivesse uma mãe daquela eu acho que fugia se bem que a minha nunca foi muito flor que se cheirasse. E o Smith não sofria só com a mãe não, a irmã dele era fogo. Puta adolescente meleca, grudenta, pegajosa mesmo. A menina brigava e gritava por qualquer coisinha. Uma vez fez um escândalo tão grande por causa de um bombom que eu saí e fui comprar uma merda dum bombom na esquina só pra ela parar de berrar. E tinha o pai dele, coitado, na época eu achava que ele era um pinguço mas hoje, se fosse eu, ia mais é beber mesmo porque pra aguentar tudo aquilo só bebendo. Todo dia o cara brigava com a mulher por causa de bebida, era só dar seis horas que ele chegava e começava a discussão. Sabe, essa é bem o tipo da família ótima pra colocar num foguete e mandar pra lua esse bando de safado. Mas eles nem eram a pior família do prédio. Igual tinha um monte, pra falar a verdade aquele prédio tava cheio de família sacana e nem a minha escapava.
Nessa época eu assisti na televisão um filme que eu nunca mais consegui esquecer, passou a tarde mesmo depois dos desenhos e chamava O Estuprador. O foda é que nunca mais passou essa bicheira na TV. Eu só fui assistir de novo depois de uns dez anos quando passou de novo, aí então colocaram uma censura de dezoito anos e passaram de madrugada. Aposto que ninguém mais lembra que já passou de tarde pra molecada, é por isso que eu odeio televisão e toda a sujeira de merda que eles fazem.
Sei lá, a partir daí minha vida em relação a minha família foi ficando mais estreita é assim até hoje, mas agora já foi e foda-se. Eu só não gostei nada de ter vivido isso e hoje talvez preferiria não ter.
Quando eu já tinha uns quinze anos a gente mudou de novo dessa vez pra uma casa grande e bonita que ficava lá na puta que o pariu da cidade. Eu odiava ter que subir, porque ficava na subida minha casa, é lógico, tudo aquela caminhada todo dia do metrô até lá. Era um pé no saco mesmo.
Foi aí que eu me separei da minha turma de amigos de escola porque acabamos a oitava serie e eu fui estudar em outra cidade. Até que foi bom sair fora daquela droga de escola que era o Portland State High School. Aquilo parecia um internato com aquelas regras pra lá e pra cá o tempo todo e em cima da gente, credo nem gosto muito de lembrar. Mas lá fiz grandes amizades. Pra falar a verdade fiz as maiores da minha vida lá naquele antro. Figuras tipo Melvin Charles, um grande sujeito é verdade mas ignorante pra diabo. Nem estou falando mal dele, acontece que o Charly é um desses sujeitos que se você escreve algo no caderno dele, ele rabisca três folhas do seu, daí já dá pra imaginar o cretino que ele é. Mas é um puta amigo meu. Porque com esses caras você tem que saber levar, e as vezes da pra tirar um barato é claro. E tinha uns caras estranhos como o Bob Claude que_ no fundo_ era um bom sujeito mas era um idiota de marca maior daqueles que pedem desculpas se você esbarra e derrama cerveja nele. Tudo um bando de trolha.
Minha nova escola era o Saint Paul, eu lembro que essa escola tinha um bom nome na cidade e tal, mas eu cheguei lá e só encontrei safado. Aquilo desde o banheiro mais sujo que eu já vi, até o gabinete da diretoria tava entupido de cretino. Também foi lá que eu me desandei na vida, comecei fumar, beber e nem queria mais saber de estudar e pra falar a verdade eu gostava do curso de eletrônica. Um amigo do meu pai havia feito esse curso no Saint Paul e meu sonho de moleque era ser rico que nem ele e tal, coisa de moleque. Mas aí eu conheci um pessoal diferente e fui entrando na onda, eu confesso que eu estudei pra burro no primeiro e no segundo ano mesmo sabendo que aquilo era uma droga. O que aconteceu foi que eu matei muita aula e briguei com um bando de professor sacana que só queria era ficar na moleza, nunca vou esquecer a cara daquela safada da Srta. Lucy, minha professora de cálculo, uma cretina que eu tenho raiva até hoje, e eu não costumo chamar as pessoas de cretinas só quando merecem mesmo porque eu acho que pra alguém chegar a ser cretino já tem que ter passado muito na merda. E a Srta. Lucy tinha. Era o tipo de professora malandra que gosta dum puxa-saco, e se tem coisa que eu odeio e nunca fui é ser puxa-saco. Cara, na boa, isso me deixava irritado. Ela me desprezava, talvez tudo que eu queria era um pouco de atenção, sei lá. Mas a sacana não perdoava e naquele segundo ano me ferrou mesmo, sem dó. Eu já devia esperar isso de uma mal caráter como ela foi por isso que eu fiz o que fiz. Nossa, eu jurei pra mim que em dia eu jogaria fezes de cachorro na casa dela, e acabei incrementando e jogando as minhas mesmo. Puxa, ela merecia mesmo e eu nunca vou esquecer a cara dela mas tenho certeza que ela não vai esquecer a minha também.
O curso era de cinco anos e eu tomei bomba no fim do segundo. É claro que foi uma merda lá em casa um bom tempo, mas fazer o que se eu tinha tomado prego mesmo. Tive que estudar pra burro no outro ano - é claro que meus pais me tiraram do Saint Paul e me colocaram de novo da porcaria do Portland State, eu queria morrer mas no fim nem briguei porque no fundo eu não queria voltar praquela droga de colégio e ter que encarar a Lucy de novo e tal então concordei e foi assim. Esse outro ano no Portland State só serviu pra me mostrar o quanto eu sou anti-social, e se querem saber, eu adoro ser anti-social porque assim o povo mesquinho e individualista dessa escola me deixa mais em paz. É claro que muitas vezes a gente tem que se fazer de trouxa e dar uma risada pro professor, outra pro inspetor; escola pública é um lixo e você acaba tendo que arrumar coisas melhores pra fazer do que rezar então isso te exclui da droga de sociedade. Foda-se.
Foda-os.