AS TRÊS MARIAS - capítulo 01 - QUEM ERAM AS TRÊS MARIAS

Eram três lindas irmãs. Um ano de diferença a cada nascimento.

Com a mãe professora, pai advogado e ambos ausentes de casa por grandes períodos, tiveram de ser criadas, predominantemente, por suas avós. Ora com uma, ora com outra, de acordo com as possibilidades momentâneas, delas extraindo muitos exemplos, que levariam consigo por toda a existência. Cada uma, porém, absorveria o aprendizado de um jeito próprio.

Ana era irrequieta, teimosa, valente, desafiadora e questionadora. A caçula.

Berta preferia sonhar, mas fazia amigos com facilidade, pela simpatia e afabilidade.

Cíntia era estudiosa, prática, versátil, disciplinada, séria e sisuda. A primogênita.

Em comum o sobrenome: Maria dos Anjos, ou seja, eram três Marias dos Anjos.

Apesar das diferenças acentuadas, em suas personalidades, estimavam-se muito e com suas avós ou o resto da família, estavam sempre reunidas, sendo por todos benquistas.

Vó Dulce, como se infere do próprio nome, era mulher doce e carinhosa, que abrigava as netas sob suas asas, tentando compensar o afeto que lhes faltava, pela ausência frequente dos pais, assoberbados pelos compromissos de suas carreiras profissionais. Já vó Eloá era mais autoritária, priorizando o cuidado com higiene, estudos, comportamento, embora também as tratasse com grande desvelo e muitas carícias. Fazia doces deliciosos. Ambas viúvas.

Francine e Gregório, os pais, talvez pela facilidade de contarem com o apoio de suas mães para cuidar das meninas, assumiam crescentes compromissos profissionais, de tal modo, que raramente podiam ser vistos em sua própria casa. Era até incomum que as filhas dormissem ou comessem ali, e tinham seus cantos ou suas refeições costumeiras nas casas das queridas nonas. Com o tempo, a casa paterna virou apenas referência passageira.

Apesar da situação complicada, pais e filhas se entendiam bem, mesmo que existisse muito menos intimidade e conhecimento mútuo na relação. Nas poucas ocasiões em que havia a possibilidade de compartilhar uma refeição ou um passeio, por mais que se tentasse alguma proximidade maior, algo não funcionava bem, já que o mundo de uns e outras tinham muitas diferenças, que só se aplainariam pela identificação cotidiana, o que nunca acontecia.

Por toda a infância e início da adolescência, nenhuma alteração ocorreu, a não ser pelo fato de os pais se tornarem mais distantes ainda, por cargos importantes assumidos, tornando ainda mais raros os já escassos encontros, e mais frias ou esquisitas, as relações pessoais.

Uma semana após o aniversário de treze anos de Cíntia, chegou o aviso de falecimento do pai, por mal súbito. Houve grande tristeza, mas não desesperação, já que o apego que existia, não era muito profundo. A preocupação maior foi com vó Eloá, que chorava muito a perda do filho único, e só tentou se controlar em presença das netas, abraçando-as, silenciosa.

Quatro meses depois, numa segunda feira de manhã, Francine apareceu, de repente, na casa de vó Dulce, espantando sua mãe e filhas. Visivelmente nervosa, levou-lhes a notícia de que aceitara um cargo no exterior, e deveria se ausentar do país por, no mínimo, três anos. O silêncio que se seguiu ao seu anúncio, podia ser descrito como constrangedor, pois se sua genitora ficou desapontada e triste com o que ouviu, as meninas não exibiram nenhuma reação ou sentimento aparente. Na prática, quase nenhuma mudança haveria em suas vidas.

Aliás, a vida já foi assemelhada a um rio, por diversos artistas, e, realmente, é possível ver que pode correr mansa, indefinidamente, ou se alterar, repentinamente, enveredando por diversos tipos de acidentes de percurso, que turbilhonem seu fluxo e prejudiquem a navegação ou travessia. O rio dos Anjos, das três Marias, estava prestes a enfrentar mudanças razoáveis, para dizer o mínimo, mas o tempo da vida é mais lento que o de nossos anseios, então . . .

Enquanto Francine partia para longe, Vó Dulce e Vó Eloá, sentindo a gravidade daquele instante, puseram-se em acordo, para assumir de vez o encaminhamento das garotas, e ao invés de tolherem seus passos, resolveram dar-lhes ciência da responsabilidade que pesava sobre seus ombros, já envelhecidos e cansados, solicitando que escolhessem o caminho que tencionavam seguir, para que se pudesse tomar as providências necessárias.

A conversa, franca e serena, surpreendentemente, teve o dom de provocar uma série de reações nas três irmãs, que não eram esperadas ou sequer imaginadas. Ana passou a agir de modo reservado e rebelde, evitando conversas; Berta chorava continuamente, mas não sabia explicar o motivo de sua tristeza; enquanto Cíntia descarregava no trabalho seu incômodo, não descansando nunca. A mudança chegara para ficar, sem que as meninas pressentissem.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 10/06/2016
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