UNIÃO DE FACHADA - Nono capítulo do romance

Enquanto naquele mês de julho, Osmar curtia suas férias com a família em Fortaleza, Leny vivia um turbilhão de problemas e preocupações no Rio de Janeiro. Realizou suas provas para a faculdade particular que estava estudando, outras para o vestibular da universidade pública UERJ, teve sua gravidez confirmada pelo médico da sua mãe e foi pressionada por seu pai para aceitar suas decisões.

Apesar de Valdívia ainda não ter certeza da fecundação por parte de Alexandre, apoiava o seu marido João na cobrança da responsabilidade do rapaz. João ficou sabendo da notícia pela esposa na mesma noite após o diagnóstico do médico, aproveitando momento a sós no quarto. No entanto, conhecendo o gênio do marido, pediu para ter calma e serenidade nas decisões contra Alexandre e, com a sabedoria de mãe, também demonstrou para o marido o quão seria importante para Leny sentir-se protegida e confortada pelos pais. João entendeu o recado indignado com aquela situação que deixaria sua filha bastante exposta, mas avisou que não deixaria de bater à porta de Antônio, pai de Alexandre, no dia seguinte.

Mas, antes disso, na parte da manhã, João abraçando calorosamente a filha, acariciando seu rosto e cabelos, sentenciou: -- A sua mãe já me contou tudo. Não fique nervosa nem preocupada com isso. Seu pai e sua mãe estão ao seu lado e não vão abandoná-la. Tudo será feito para preservá-la e defendê-la.

-- Mas estou com medo da sua reação contra Alexandre. Não vá cometer uma loucura! Ponderou Leny com preocupação.

-- Preciso mesmo de calma. Só quero que ele conserte o erro que cometeu, porque não posso admitir que a minha filha querida venha a ser uma mãe solteira desgarrada. Isso não! Respondeu João bastante inconformado.

-- Antes, porém, eu preciso entender algo de Leny. Interrompeu Valdívia pedindo ao marido para aguardar o resultado dessa conversa. E finalizou determinando: -- Conversa entre duas mulheres. Deixe-nos a sós, por favor.

-- O que foi agora, mãe? Quis saber Leny após a saída do pai.

-- Tem alguma coisa que não está batendo... Instigou Valdívia bem ressabiada.

Leny: -- O que não está batendo?

Valdívia: -- Os cálculos do Dr. Ariosto. Você alega que deixou de menstruar após aquela noite horrorosa com Alexandre, mas se isso aconteceu, a sua gravidez está indo para três e não para dois meses como previu o doutor.

-- Será! Como chegou a essa conclusão? Rebateu Leny entendendo a esperteza da mãe e aonde ela queria chegar.

-- Muito simples minha filha. Lembro-me muito bem do dia que Alexandre esteve aqui alegando que o sexo foi consentido por você. Foi no início de abril. Logo, se a gestação começou naquele período, os inícios de maio, junho e julho completam três meses. Esclareceu Valdívia com convicção.

-- Então o doutor errou. Tentou despistar Leny com o que a mãe acabou de descobrir.

-- Mas a sua barriga não tem volume para três meses. Será que a criança não foi gerada mais tarde? Voltou a insistir Valdívia.

-- Só pode ser do Alexandre, porque não me entreguei a mais ninguém. Você está deixando-me magoada por não acreditar em mim. Vamos parar com isso, mãe? Finalizou Leny escondendo de vez a sua verdade.

-- Está bem. Não se fala mais nisso e vamos, então, fazer o que tem que ser feito. E só espero que isso não traga arrependimentos para todos nós. Concluiu Valdívia ainda cheia de dúvidas.

Leny tinha certeza que o cálculo do Dr. Ariosto estava correto, como também não tinha dúvidas que o filho gerado era de Osmar. E no meio desse segredo todo que, se revelado, iria magoar e revoltar seus pais por ter se entregado a um homem casado, a moça entendeu que a melhor saída seria comprometer Alexandre. Seria uma maneira de resguarda-se, preservar Osmar dessa responsabilidade e castigar Alexandre pelo seu ato violento daquele início de abril. Mas até quando esse comprometimento transformaria sua rotina, a sua liberdade e a sua vida?

Leny, então, decidiu aceitar as decisões de seus pais quanto a Alexandre, mesmo que essas não fossem do seu agrado. Resolveu ser prática apesar da grande mentira que conciliava aquele momento, que poderia causar sérios contratempos no futuro para si, Alexandre, Osmar e principalmente para a criança.

Conforme havia determinado, João, ainda naquela manhã de domingo, bateu à porta de Antônio. A mãe de Alexandre, Dona Carlota, atendeu e, meio sobressaltada, mandou-o entrar. E João, sem perder tempo, após o tradicional bom-dia, sentenciou: -- Preciso falar com o Antônio e o Alexandre. E com a senhora também.

-- O Antônio foi à padaria e já volta. O Alexandre está dormindo e vou acordá-lo. Chegou de madrugada. O que foi dessa vez, João? Quis saber a senhora.

João, no entanto, preferiu aguardar a presença dos três para falar: -- Antônio, antes de qualquer coisa, quero dizer-lhe que estou aqui em paz e na melhor das intenções. Há alguns meses atrás, você esteve em minha casa pedindo a mão da minha filha para o Alexandre.

-- Casamento que a sua filha resolveu desistir. 
Rebateu Antônio.

-- Mas agora a situação é outra. A Leny está grávida! Soltou a bomba João, deixando-os estarrecidos.

Os três se entreolharam surpreendidos com a notícia e Alexandre mostrou toda a sua alegria com a expressão: -- Então eu vou ser pai? Que felicidade isso me traz!

-- Pois é meu rapaz, mas não é só isso. Você tem essa responsabilidade agora e vai ter que se casar com a minha filha. E se casar bem rápido, porque não quero ver a Leny na boca do povo com uma barriga de mãe solteira. Exigiu prontamente João.

-- Mas ela já disse que não quer saber mais dele, como fica isso? Interrompeu Antônio.

-- Mas agora a história é outra. É o nome da minha família que está em jogo. Ela vai se casar sim, mesmo contra a sua vontade. Determinou João.

-- Ela já sabe disso? O senhor sabe como gosto dela e sempre tive essa intenção. Perguntou Alexandre com ansiedade.

-- Ela ainda não sabe, mas vai ter que concordar. Senão deixo de me chamar João. Como será resolvido isso eu não sei, mas eu quero o papel passado o quanto antes. Exigiu João.

-- Mas as coisas não podem ser resolvidas assim de uma hora para outra. Temos que pensar com calma. Tentou apaziguar Dona Carlota.

-- Não há tempo para pensar minha senhora! A filha é minha e a barriga já está crescendo. Não quero passar por essa vergonha. Irritou-se João.

-- Por mim eu caso amanhã. É o que sempre quis. Ter a Leny como a mulher da minha vida é o meu sonho. Interrompeu Alexandre todo empolgado.

-- Então faça isso o quanto antes e apareça lá em casa para combinarmos tudo com a Leny. Finalizou João.

João se despediu aliviado com a sua decisão e deixou o problema nas mãos daquela família. Como poderiam resolver tão rápido essa situação, se nem casa para morar os dois possuíam? Antônio tinha dois apartamentos alugados em Jacarepaguá e um deles poderia servir. Mas os contratos estavam em vigor e era complicado e muito demorado conseguir a sua liberação amigavelmente. A sua casa de dois pavimentos era maior do que a de Leny e poderia acomodá-los até que fosse possível encontrar-se um canto para a vida em comum do casal. Antônio tinha algumas economias que poderiam ajudar na montagem do lar daqueles dois, mas tudo isso teria que ser acertado com eles.

Quando João retornou a casa, uma Leny, preocupada e ansiosa, quis saber: -- Pai, o que foi que você resolveu com eles?

-- Que vocês vão se casar, para tentar apagar o sol com a peneira. E tem que ser bem rápido. Respondeu João de pronto e sem pestanejar.

-- Mas eu não quero. Não posso conviver com uma pessoa que eu odeio. Ele me magoou muito. Recusou Leny de imediato.

-- Esse casamento já está decidido e não tem mais conversa. Não quero passar vergonha perante os vizinhos, com a sua barriga fora de hora. Devolveu João sem esconder o seu desconforto.

-- Mas como assim? Você não pode obrigá-la a se casar com um sujeito que fez o que fez! Isso não está certo! Rebateu Valdívia com indignação.

-- Eles vão se casar sim e de papel passado. Se vão ficar juntos é outra história. Decidiu João e finalizou: -- Logo mais eles estarão aqui para tratarmos desse assunto da melhor maneira possível.

-- E eu vou ter que aturar este sujeito aqui em casa outra vez? Fingir que nada aconteceu? Não vou suportar isso? Revoltou-se Leny.

-- Vai aturar sim e tratá-lo muito bem. Se não tivesse entrado num motel com ele, isso não estaria acontecendo. Determinou João bastante irritado.

-- Pense bem minha filha. Ele tem que assumir o seu erro e registrar a criança quando nascer. Sugeriu Valdívia tentando acalmar e convencer a filha.

-- Mas para registrar a criança não sou obrigada a me casar com ele. Indignou-se Leny com autoridade, sabendo muito bem que a criança era de Osmar. E pensou: "Eu só devo registrar o meu filho com o nome do seu pai biológico".

-- E você vai passar a ser uma mãe solteira? É isso que você quer? Aqui nesta casa não quero isso. Vociferou João com bastante desagrado, finalizando: -- Veja bem o que você vai fazer, porque não quero tomar uma medida extrema.

Leny tentou argumentar com o pai, mas Valdívia interrompeu. Ela conhecia o gênio do marido e sentiu que aquela conversa poderia não acabar bem, principalmente quando ele ameaçou "tomar uma medida extrema". E ela imaginou muito bem, que medida extrema seria aquela.

Antes, porém, da chegada de Alexandre e seus pais, Valdívia, a sós com a filha, tentou convencê-la: -- Veja bem Leny. O seu pai é um homem honesto, trabalhador e excelente chefe de família. Sempre lutou pela nossa união com muito amor. E como ele é uma pessoa correta, não vai desistir desse casamento que pode corrigir os erros de vocês dois.

-- Mas o que eu posso fazer se não gosto mais do Alexandre? Seria horrível conviver o dia-a-dia com ele. Quis saber Leny mostrando fragilidade.

-- Faça a vontade de seu pai e continue morando aqui até vocês se acertarem numa vida em comum. Enquanto isso, o tempo vai passar e tudo poderá se resolver normalmente. Sugeriu Valdívia.

E assim foi feito. Leny, mesmo desconfortável, recebeu a visita de Alexandre e seus pais. As duas famílias conversaram e concordaram com o casamento o mais rápido possível. Leny deixou claro que só sairia da casa da sua mãe, quando o seu canto fosse encontrado e estivesse pronto para morar. Alexandre, ainda envergonhado por tudo, prometeu reconquistar a moça e aceitou a situação por não ter condições de exigir alguma coisa.

João e Antônio ficaram com a missão de correr os papéis em juízo e as duas senhoras com os preparativos e marcação do casório na Igreja Presbiteriana que Valdívia frequentava. As duas também ficaram com a tarefa de preparar os convites para o maior número possível de pessoas, visando amenizar comentários indesejados da vizinhança, de parentes e amigos.

João e Antônio andaram rápido com os papéis, mas não conseguiram marcar o casamento dos dois no civil antes da cerimônia religiosa que já havia sido agendada pelas mães para o sábado 23/07. Acompanhados de João e Antônio como testemunhas, os noivos apresentaram os documentos necessários ao Cartório de Registro Civil mais próximo da sua casa, visando à habilitação do casamento. No entanto, como este processo imposto pela legislação, teria que ser submetido à averiguação de liberdade e desimpedimento dos noivos, além da afixação e publicação dos proclamas num prazo nunca inferior a trinta dias após a entrada da papelada, o “sim” dos noivos perante o Juiz ficou para outra data posterior.

Os convites foram distribuídos e a recepção na igreja bastante concorrida. A solenidade emocionou com as sábias palavras do pastor, ao dizer da importância em se construir uma família sólida, com amor e com as bênçãos do Senhor. Chamou a atenção de todos que, ao gerar um filho, as pessoas têm que assumir a responsabilidade de criá-los, educá-los e encaminhá-los para a vida. Os noivos receberam esse recado e o consentimento do pastor com obediência, apesar das suas diferenças. Com aquela recomendação do pastor sobre filhos e família martelando a cabeça de Leny e após o “sim” de cada um às promessas de praxe na vida em comum, os dois trocaram as alianças sob palmas e aplausos dos presentes.

Na recepção, conseguiram disfarçar as mágoas e mostraram-se bem simpáticos com os convidados. Leny entrou na onda e chegou a esboçar risos de alegria em seu vestido longo rosado e cheio de rendas aprontado e ofertado por D. Odete, sua avó materna bastante habituada a atender esses eventos com suas costuras. Mesmo não dando muita atenção a um elegante Alexandre com sua gravata vermelha em seu terno preto, a moça foi simpática ao receber os cumprimentos das visitas. A festa, bem simples, regada a doces, salgadinhos e refrigerantes teve que se encerrar rapidamente por conta do horário restrito da igreja.

As duas famílias foram para suas casas e João mostrou-se satisfeito com o resultado da recepção bastante concorrida. Assim, pensou ele, as pessoas maldosas ficarão na dúvida para criticar a gravidez da sua filha antes do tempo. Agora, pensou, só restava aguardar a liberação dos proclamas para oficializar o casamento de papel passado.

Aquele final de semana agitado e cheio de situações, terminou na noite daquele domingo dia 24/07. E Leny, ao deitar-se em sua cama, não conseguiu dormir pensando que, no dia seguinte, iria encontrar Osmar voltando de férias. Que situação! Como ele reagiria a tudo isso?
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N.A.: É o que veremos no décimo capítulo “DOIS FRUTOS“
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POETA OLAVO
Enviado por POETA OLAVO em 14/05/2016
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