FAVO DE MEL
Para @s adpt@s da Maiêutica, convido a acompanhar essa gestação e auxiliar no parto!
1º parte do texto (sinopse) da novela Favo de Mel
NOVELA: FAVO DE MEL!
NUCLEOS: 1º fase:
FAZENDA JEQUITIBA - Fazendeiro: Gerônimo de Mendonça (Homem de meia idade)
Filha: Marta de Mendonça (adolescente)
Empregados: Antônio Pereira, Maria e José Carlos (casal na faixa dos 40 anos e filho jovem de 18 anos) outros homens (empregados)
FAZENDA SANTA CRUZ: Fazendeiros: Geraldo Rivera e Jandira Antunes Rivera (casal de meia idade) e os filhos Ricardo (jovem 18 anos) Macilene (adolescente)
Empregado: Robério (jovem de 18 anos) Outros empregados
CIDADE COLIBRI: BAR: Juliano dos Santos (20 anos) e Lucas dos Santos (18 anos)
SALÃO DE BELEZA: Sonia (mulher de meia idade) Marieta (adolescente)
IGREJA: Padre João (Já em idade avançada) e Francisco (jovem de 18 anos)
FAROL: Salomé (mulher de meia idade) Ivete (jovem) outras moças
SÃO PAULO: Frades, Kátia e Cristina bebés e Dona Ceiça (vizinha de Marta)
Margens do Rio Pouso das Garças, cidade de Colibri, interior do Paraná, primavera de 1990, embalados pelo som sertanejo (Sonhador Leandro e Leonardo) as protagonistas desta história começam a desabrochar.
Antes que o Crepúsculo se avizinhe, o sol derrama todo seu fervor sob a pequena Colibri, cidadezinha interiorana, tipicamente rural onde o perfume do fim da estação das flores mistura-se ao odor dos corpos ofegantes de ninfas e mancebos, seduzidos pelo frescor das águas claras do rio Pouso das Garças, deitam mochilas escolares e roupas por sobre o gramado, é possível se ouvir ao longe a inocente traquinagem. O Quinteto inseparável Ricardo, José Carlos, Robério, Lucas e Francisco. Cursando o último ano do Ensino médio, misto de homem e menino, trazem na alma a nobreza dos cavalheiros, robustez e doçura, sonhos, planos mil para uma vida adulta que seduz e assusta. Guardiões das belas ninfas, Marta, Macilene e Marieta ainda colegiais, graciosas, inocentes gazelas.
Marta destaca-se entre o grupo, se não pela insigne beleza, o terno sorriso, a meiguice de gestos, pelo canto de cotovia. Filha única do rico fazendeiro Jerônimo de Mendonça, teve a infância marcada pela precoce partida da mãe, que levará consigo toda a jovialidade e afetividade de Jerônimo, que se torna um homem rude, pai distante alheio as necessidades da filha, que deixa aos cuidados da empregada da casa. Dona Maria fora mais que mãe para a menina que chegara saudável e feliz a sua puberdade. Ignorando inocentemente a transparência da camiseta escolar molhada como se fosse sua segunda pele, quase que num voo Marta se deixa embalar pelo fim da tarde, seu corpo baila por sob a ponte elevando a voz até o céu.
____ Nada sei dessa vida... (Canta, Nada sei Kid abelha)
Francisco, único a resistir o frescor das águas, sentado às margens do rio acompanha a melodia num violão, Lucas se põe a bailar e cantarolar, Macilene e Robério vivem seu próprio encantamento para desespero de Marieta que enrubesce na tentativa inútil de sufocar os ciúmes sentimento até então desconhecido que a toma numa intensidade avassaladora. Ricardo e José Carlos lançam-se ao mar, como marinheiros enfeitiçados por aquele canto de sereia sem saber que aquele era o primeiro passo para um sangrento duelo que o destino arduamente traçava.
____ Nada sei dessa vida Vivo sem saber/ Nunca soube, nada saberei/Sigo sem saber/Que lugar me pertence/ Que eu possa abandonar/ Que lugar me contém/ Que possa me parar... Sou errada, sou errante/ Sempre na estrada Sempre distante/ Vou errando/ Enquanto tempo me deixar/ Errando Enquanto o tempo me deixar... Nada sei desse mar/ Nado sem saber/ De seus peixes, suas perdas/ De seu não respirar... Nesse mar, os segundos/ Insistem em naufragar/ Esse mar me seduz/ Mas é só prá me afogar...
A Magia é de súbito quebrada, patas sedentas e suadas do azalão montado por Jeronimo Mendonça turvam as águas, marta vê-se agarrada pelas rudes mãos paternas, sacudida ao vento como uma folha que ameaça desprender do galho.
____ Mas que pouca vergonha é essa... ficou doida menina?
Marta pensa em mil palavras, mal consegue respirar, José Carlos refeito do susto tenta intervir.
____ Não estamos fazendo nada demais seu Jeronimo...
____ Seu peãozinho de merda... deveria estar ajudando seu pai na labuta, tanto trabalho pra fazer, e você aqui de sem-vergonhice com esses desocupados.
Antes que o rapaz pudesse responder outro Cavalo surge quase que por enquanto, Geraldo Rivera, corta a conversa com voz desafiadora.
____ A quem o amigo está chamando de desocupado?
Jeronimo solta a filha com tamanha brutalidade que a menina cai por sob as mochilas escolares, veste o agasalho envergonhada, pega a mochila e sai correndo... sendo seguida por José Carlos, e pelo olhar quase catatônico de Ricardo, os demais juntam roupas e matérias escolares apresados, exceto Francisco, que tal qual um mouro, sustenta um olhar enigmático em direção ao fazendeiro Geraldo Rivera, que do alto de seu cavalo mais parece um imperador, prestes a lançar uma sentença de morte sobre os próprios rebentos.
____ O Amigo chegou em boa hora... minha filha e seus filhos... em vez de estar na escola... estão de vagabundagem aqui sujando minhas águas... com esses moleques.
____ Nossas águas o amigo quer dizer…. Se dê o respeito Ricardo... deveria estar cuidando de sua irmã, bora pra casa!
Macilene, se dirige ao pai despreocupada, divertindo-se com a situação.
____ Que Jeito de falar papai... a gente só estava se refrescando...vocês também deveriam cair na água... esta uma delícia!
____ Não me Ouviu Ricardo, mexa-se... leva essa menina pra casa... lá conversamos...
Ricardo pega a Irmã pelo braço... sem coragem de levantar o olhar, prende a respiração e sai quase arrastando-a.
____ O amigo tem razão.... essa vagabundagem não vai se repetir.
Francisco se põe entre os dois fazendeiros, a voz ainda mal definida pelas mudanças da puberdade assume um tom tamanho, que o menino mestiço jamais imaginara atingir.
____ Ninguém aqui é vagabundo, Senhor Geraldo, peço desculpas pelos meus colegas, não deveríamos ter nos desviado do caminho da escola, só paramos para nos refrescar, e essas aguas não tem dono...são dom gratuito de Deus.
____ Mas que audácia... quem você pensa que é seu negrinho?
As palavras do fazendeiro, que ignorava por completo a descendência daquele rapaz, ferem a alma de Francisco, que prende as lágrimas que lhe comprimem o peito, lançando-se ao desafio, ignora o chamado dos amigos, que já se afastam assustados, preso ao rude e desdenhoso olhar daqueles dois senhores.
____ Mulato, mestiço, negro de nome Francisco, como meu avó, o velho Chico, que trabalhou nestas terras a vida toda, morreu de desgosto quando a filha, uma negra de inigualável beleza foi abandonada gravida, o senhor deve se lembrar dessa história senhor Geraldo Rivera? Aurora era o nome da minha mãe. O senhor se lembra da negrinha Aurora coronel?
Jeronimo lança um olhar divertido sobre o vizinho. Que emudece diante da inesperada pergunta.
____ Eita que parece que o passado veio acertar contas com o amigo... passar bem!
Lucas volta para busca-lo, segura Francisco pelo braço na tentativa de persuadi-lo.
____ Vamos Francisco.... não precisa ficar aqui ouvindo os desaforos desse senhor.
____ Aurora... como é chamada cada nova manhã... o senhor não se lembra!... senhores não guardam lembranças de seus negros...
A emoção de toda uma vida lhe assalta como num tufão arrasador.... ele dispara numa corrida desesperada, como que querendo fugir de si mesmo, de sua própria história
____ Francisco!.... como pode ser tão cruel?
____ De onde diabos saiu esse moleque?
____ Do orfanato, onde foi criado depois que o avô morreu, ele é mestiço, filho de uma negra, com algum branco safado, que nunca assumiu o filho... o senhor se acha o dono do mundo não é?.... Ai em cima desse cavalo olhando pra gente com desprezo, eu por que sou pobre o Francisco por que é negro...
____ Cale a boca seu moleque...Salta do cavalo, com tamanha agilidade que Lucas dispara a correr, sem olhar para traz.
____ Aurora!!!!
Geraldo banha o rosto repetidas vezes, como que querendo lavar as próprias lembranças.
___ Aurora.... Será possível?
Marta chega correndo em casa, um suntuoso casarão no estilo colonial, José Carlos a alcança na varanda. Foram criados juntos brincando naqueles jardins, filho dos empregados de confiança da casa, apenas 3 anos mais velho que Marta, José Carlos era muitas vezes incumbido pela mãe de cuidar da pequena patroa, que o tinha como um irmão, ao menos pensava assim até aquele momento.
____ Para Marta, por que está agindo assim?
Sem conseguir conter as lagrimas, ela se deixa cair sentada na escada, escondendo o rosto entre as mãos.
____ Por que ele tem que ser tão ignorante? ... estou morrendo de vergonha...
____ Mas também... pra que se exibir daquele jeito?
____ Eu não estava me exibindo.... eu estava... feliz.....
Dona Maria, os interrompe.
____ José Carlos..... menina.... por que está toda molhada desse jeito...e você também.... Andaram no rio outra vez? Quantas vezes eu já te falei filho... pega a menina na escola e vem direto pra casa...
____ Estava se exibindo pro Ricardo não era?
____ Que Ricardo? Você é igualzinho meu pai.... um ignorante
_____ Isso mesmo...eu sou um ignorante... eu que não deveria estar lá.... eu vou pro pasto lidar com os cavalos, que é o meu lugar
___ Vai seu bruto... vai cuidas das suas vacas
___ Das suas vacas, você quer dizer não é patroa?
___ Não fala assim comigo seu....
____ Parem já vocês dois.... vai logo pra casa trocar de roupa.... se seu Jeronimo chega....
____ Seu o quê? Fala patroa... peãozinho de merda.... não foi isso que seu pai disse?
____ Para de gritar comigo.... o que foi que eu fiz de errado Zeca? Por que está com raiva de mim?
____ Vai já ajudar seu pai José Carlos... e você menina vai pro banho que isso não é jeito de uma moça andar.... Virgem Santa... vocês perderam o Juízo... o patrão ta chegando... vai já pro seu quarto menina...e você chispa daqui Zeca.
Magoados e confusos, entregues a um turbilhão de emoções até aquele momento desconhecidas por ambos, obedecem a ordem de dona Maria.
Embaixo do chuveiro Marta deixa que as lágrimas se misturem livremente a água, tentando entender o inesperado desfecho daquele fim de tarde.
Dona Maria murmura uma oração a ver o patrão desapear do cavalo aos berros.
____ Ai minha Virgem o que está acontecendo nessa casa?
____ Cadê aquela sem vergonha? Marta!?
____ Misericórdia não fala assim da menina... ta no quarto tomando banho... o senhor quer um refresco?
____ Marta!....
Ignorando o falatório de Maria ele dirige-se para o quarto de Marta esbravejando
____ Saia ja desse banheiro.... não adianta se esconder.... Marta!
___ Por Deus patrão... que foi que aconteceu....
___ Aconteceu que você não sabe dar educação pra essa menina, ela estava lá no rio... quase pelada se exibindo na ponte com um bando de desocupados...e seu filho estava junto...onde é que tá aquele moleque?
____ São só crianças patrão, tem que ter mais paciência... só devem de ter parado pra se refrescar...ta um calor danado, não pode ficar maldando desse jeito.
____ Criança é que ela não é mais....
Cala-se ao ver Marta sair enrolada em uma toalha
_____ Não tem vergonha de se mostrar desse jeito?
____ O senhor é quem me chamou
____ Não me responde nesse tom....
____ Se o senhor puder esperar eu me visto
____ Ta ouvindo dona Maria o jeito de falar dela.... mas eu vou da um jeito nisso...
____ Um jeito em que pai? Eu não fiz nada demais.... ja tomei milhares de banho no rio, porque esse escândalo todo?
____ Que falta sua mãe me faz.... eita!
____ Faz mesmo pai... (Desaba a chorar, desarmando-o totalmente) Tem tanta coisa que eu queria conversar com ela... por que nunca me escuta pai.... está sempre gritando, dando ordens....
____ Olha sua mãe morreu cedo.... eu não tenho muito jeito.... mas já está na hora de você perceber que é mulher feita... não pode ficar se expondo no rio, mostrando seu corpo como se fosse uma...
____ Deixa eu conversar com ela patrão... o senhor se acalma
___ Ta certo.... prepara ela.... só tem um jeito de aquietar o fogo dessa mocidade...vou cuidar disso...
____ Do que é que o senhor esta falando pai?
___ Ja ta mulher feita, precisa casar antes que seja tarde demais.
Sai ignorando a perplexidade da menina que se deixa cair na cama.
____ Menina, não pode falar desse jeito com seu pai.... e que história é essa de banho no rio sem roupa? Ele ta certo você não é mais criança
____ Dona Maria pelo amor de Deus.... diz que eu não ouvi direito, ele disse casar? .... ele não está pensando em.... eu vou fazer 15 anos
____ Ja esta mesmo na hora de pensar em casar filha
____ Casar!? Eu?
____ Você ta uma mulher linda....
____ Que mulher?... ele está louco... e casar com quem?
____ Com quem haveria de ser? Com o menino Ricardo.
_____ O Ricardo.... Ricardo Rivera? De onde é que tirou essa ideia absurda? Eu e o Ricardo nada haver....
____ Desde que vocês nasceram que estão prometidos
____ Prometidos? Isso é coisa do século passado, as pessoas têm que namorar, se apaixonar e ai sim se desejarem se casam
____Mas vai dizer que não acha o Ricardo um pão?
___ Eu nem gosto de pão.... o Ricardo é um amigo...
____ Mas é bom se acostumar com a ideia... que seu pai e o pai dele, já acertaram isso e tem muito tempo
____ Eu estou tonta com essa conversa.... eu não vou me casar...muito menos com o Ricardo.... de onde é que meu pai tirou essa ideia?
___ É pra acabar com a briga por causa das aguas
___ Para!... Que história é essa de casamento... águas?
____ Se acalma menina...depois conversa direito com seu pai.... o que sempre se disse por aqui, é que os Riveras e os Mendonça nunca se entenderam por causa do rio Pouso das Garças, um diz que tem parte maior, outro diz que é dele... coisa de quando essas terras foram griladas... meu Zé diz que nem seu pai nem seu Geraldo compraram nada aqui....mas Deus me livre de me meter nessa história... o certo é que eles acertaram que você casando mas o Ricardo.... o filho de vocês é quem vai ser dono de tudo...ai acaba a briga.
____ Filho?... Eu devo estar ficando maluca... Eu vou falar com meu pai já...
____ Deixa seu pai se acalmar.... não enfrenta ele, você é moça...o Ricardo é tão bonito...
____ Que Ricardo... Eu não gosto dele
___ Aprende a gosta...
___ Cadé o Zeca?
____ Deixa meu menino fora disso....
___ Eu preciso falar com ele...
Veste-se apressadamente e sai correndo, sendo seguida pelos protestos de Maria
___Escuta Marta.... Meu menino é só empregado...
___ Para com isso Dona Maria.... a senhora me criou.... Junto com o Zeca, ele é... eu amo a senhora como se fosse minha mãe... o que que está acontecendo.... De repente parece que todo mundo enlouqueceu.
___ oh filha! Sabe que tenho por você amor maior que amor de mãe, quando Deus levou a patroa você era tão pequenininha... seu pai ficou tão cheio de tristeza, eu e meu Zé cuidamos de você.... meu Zeca tinha tanto zelo por você.... Sempre te tratou como uma princesa...
____Eu também amo tanto vocês... por que ele falou comigo daquele jeito...a senhora ouviu... me chamou de patroa.
____ É o que você é filha... nossa patroa e o José Carlos tem que saber o lugar dele.
____ O lugar dele é junto comigo...como sempre foi...
____ Escuta bem o que eu vou falar menina....
Marta sente o coração disparar, diante do olhar firme de dona Maria, que segura suas mãos com uma força nunca antes usada.
____ Eu criei você junto com meu filho, dei o mesmo amor para os dois, minha Santa Virgem é testemunha... mas vocês cresceram.... agora cada um tem que seguir seu caminho.
____ Eu não quero que nada mude...
____ A vida é assim.... segue seu caminho filha e deixa que o meu filho vai encontrar o dele... vai terminar de se arrumar.... pentear esse cabelo... passar perfume...que eu vou pra cozinha.... terminar a janta.
Marta caminha por entre as flores, as lembranças das brincadeiras infantis vão bailando diante dela, como que a conduzir seus passos, jamais saberá por quanto tempo ficou a vagar pelo jardim , pelo pomar, começava a escurecer quando seu corpo cansado chegou finalmente ao seu destino. Ao fim do pomar o extenso gramado e ao longe o imponente Jequitibá, ao seu tronco imerso nos próprios pensamentos José Carlos.
____ Zeca!
____ Marta!?
____ Eu sabia que você estaria aqui
____ Eu sabia que você vinha!
O coração de Marta encheu-se de luz, ao reencontrar o mesmo sorriso terno.... aperta forte a mão que lhe é oferecida, senta-se ao lado dele, recostando a cabeça em seu ombro. Deixam-se embalar pela brisa da noite, iluminados pela tênue luz das estrelas.
Na fazenda vizinha, Ricardo e a Irmã Macilene, se preparam para mais uma sessão de tradicionalismo familiar, a matriarca da família, Dona Jandira começa a lição enquanto aguardam a chegada do pai.
____ Ricardo meu filho.... já vai fazer 18 anos, é um homem de barba na cara, onde é que já se viu.... ficar brincando no rio feito moleque?
____ Que exagero.... tanta confusão por causa de um banhozinho de rio....
Macilene resmunga e vai para a janela, ignorando a preocupação da mãe, observa encantada Robério, entregue aos afazeres da fazenda.
____ Pare de brincar menina.... você deveria zelar pela sua irmã... não podem ficar por ai com os empregados, e com aqueles meninos da cidade.... até aquele negrinho vocês trouxeram para cá.
Pela primeira vez Ricardo se manifesta, com voz insegura e frases intercortadas.
___ Francisco Mãe.... é Francisco o nome dele, é o melhor aluno da escola... e também meu amigo
___ Amigo? Um mulatinho que saiba-se Deus de onde é que veio....
Macilene volta a se interessar pela conversa.
___ Eu também gosto dele.... e precisa ver como toca violão... e o jeito que ele falou com o papai ... deveria aprender com ele Ricardo.... em vez de ficar gaguejo.
___ Deixa de ser debochada Macilene... e você Ricardo tem que ter atitude de homem, nem parece filho de quem é... seu pai chegou.... escutem... sem discutir
___ É assim que quer que ele tenha atitude de homem?
___ Cala a boca menina.... (voltando-se para o marido) já me contaram o que ouve....
___ Saiam... quero falar com o Ricardo
___ Boa noite para o senhor também papai!
Macilene sai indignada com a atitude do pai, Dona Jandira lança um olhar desaprovador ao filho e sai cabisbaixa.
___ Olha pai.... eu sei que...
___ Desde quando andam com aquele... mulato?
___ Desde sempre pai... estudamos juntos desde a primeira serie
___ e o que sabe sobre ele?
___ O que todo mundo sabe... ele vive no orfanato, a mãe dele morreu...
___ Morreu? Como?
___ Ele não gosta de falar muito sobre isso, morreu no parto... desculpa ele... nos somos amigos... o Francisco...
___ Não quero ver você com essa gente... fica longe dele... e do rio, e daquele moleque filho do verdureiro, e dos empregados.... e olha pra mim quando falo com você.
___ Eu estou olhando pai...
___ Esse ano termina os estudos, ta na hora de assumir suas responsabilidades.
___ O que... quer que eu faça?
___Que pare de gaguejar.... e comece a se comportar como homem, a filha do Jeronimo ja esta moça feita....
Solta uma gargalhada, que deixa o filho corado
___ Vi o jeito que olhava pra ela... bobo você não é, gosta dela?
___ Da Marta?
___ E por acaso o coisa ruim tem outra filha? Gosta dela?
___ Por que?
___ Não responde uma pergunta com outra pergunta...
___ eu só quero entender...
___ Vai casar com ela
Ricardo se deixa sentar boquiaberto
___ Não faz essa cara de paspalho....
Jandira volta a sala interrompendo o marido
__ Não fale assim com ele
___ Eitá...isso é conversa de homem... por isso que ele é assim... fica tratando ele como se fosse um bebezão
___ Disse que vou me casar com a Marta?
____ Fale direito com ele...
___ Vá cuidar da cozinha... a janta ja esta pronta?
___ Estamos esperando o senhor meu marido tomar o seu banho....
___ Por isso que esta tudo assim... tinha que estar dando modos pra sua filha que fica por ai...
___ Ve la o que vai dizer Geraldo.... estou mandando servir o jantar (se retira magoada)
___ Esta dito... isso é coisa combinada entre mim e o pai dela...só espero que faça cumprir a palavra dele.... pelo que vi aquela franguinha é difícil de dobrar ... ali tem um fogo... vai ter que ser muito macho pra dar conta
Voltando a gargalhar se serve de uma dose de cachaça, oferecendo uma ao filho.
___ Mais tarde vamos na cidade... vou te levar na Salome.... eita aquilo sim é furacão ela vai te ensinar o que precisa saber.
___ Vai me levar num prostibulo?
___ E onde é que quer aprender a ser homem? Aposto que nunca nem beijou na boca
___ Isso é jeito de falar pai?
___ Assim que se formar...a gente acerta o casamento.
___ Pai, pelo amor de Deus.... nos vivemos no século XX, ninguém mais acerta casamento... a Marta nunca que vai aceitar.
___ Pelo amor de Deus você.... eu acerto tudo com o pai dela, a Franguinha é uma beleza... e mulher é tudo igual... basta um pouquinho de jeito.... mas pode ficar tranquilo que vou te recomendar à Salomé ela vai te ensinar tudo o que precisa saber. Vou tomar meu banho, que to pra acabar de fome.
Ricardo toma a cachaça que o pai lhe serviu num só gole, a imagem inebriante de Marta sobre a ponte lhe toma a mente, se dá conta do quanto a deseja, pela primeira vez na vida estava grato ao pai.... Iria se casar com Marta e aprender a fazê-la feliz.
____ Você vai ser minha, Marta... e todo mundo vai me respeitar, eu não preciso do meu pai pra aprender a ser homem.
Dona Jandira retorna preocupada
____ Você esta bem meu filho?
____ Eu nunca estive tão bem.... Vou até a cidade.
Beija a mãe e sai, ignorando seus protestos.
____ O jantar ja esta servido.... o seu pai é que te mandou na cidade.... responde menino.... o jantar... Esse bruto ainda põe o menino a perder!
Em seu quarto Francisco entrega-se a dor e a oração.
___ Senhor meu Deus, ensina-me a perdoar.... retira dos meus ombros esse fardo de ódio.... arranca senhor de meus ouvidos as palavras daquele homem maldito.... minha mãe Aurora, eu não posso amaldiçoar o sangue que corre em minhas veias... Ave Maria cheia de graça o senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, Bendito é o fruto do teu ventre Jesus... Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte ...amém!!!
Meio de semana a noite, a cidade fica “as moscas’ como costuma dizer o povo, na venda do senhor Malaquias, dois peões tomam cachaça, discorrendo sobre política, Luiz limpa as mesas mal humorado enquanto Lucas escreve versos. O Rapaz se alegra ao ver Ricardo e Robério acenando para os amigos, enquanto o irmão resmunga.
___ Vê se não vai ficar ai de conversa enquanto eu faço todo o serviço
___ Que serviço irmão... hoje não tem nem moscas para espantar... E ai... pensei que não fosse vê-los tão cedo seu pai ficou furioso, com o Francisco.
___ O que deu na cabeça daquele maluco pra falar com o patrão daquele jeito?
___ Vamos esquecer isso.... eu tenho coisa muito mais seria para me preocupar.
____ E pode se saber o quê, senhor Ricardo Rivera?
____ Em breve saberão....
____ O Patrãozinho esta todo misterioso
____ Corta essa de patrãozinho Robério... manda vim lá uma bem gelada Lucas que eu quero é comemorar...
____ Não, não, e não.... vai nos contar o motivo de toda essa euforia... Luiz traga uma geladinha...
____ Ora essa, por que não vai buscar... não ta vendo que estou ocupado?
____ Eu vou, que mau humor.... por que não senta aqui e comemora com a gente.
____ Senta ai Luiz que eu estou pagando....
____ Estou trabalhando... e você deveria fazer o mesmo Lucas, o pai não vai gostar de saber o que anda acontecendo por aqui enquanto ele está fora.
____ Mas você é chato ei Luiz.... quer saber.... tem um lugar bem mais animado pra gente comemorar...seja lá o que for.... eu ouvi que o Ricardo esta pagando?
____ Eu ouvi.....
____ Bora pro Farol.... deixa meu irmãozinho aqui a matar as moscas....
Pega uma cerveja para cada um e saem correndo.
___ (gritando para o irmão que os observa furioso) Coloca na conta dos Rivera!!!
___ Você é um irresponsável mesmo Lucas... vai ver só quando o pai chegar.... seu moleque...
Amassa os papeis do irmão irado, enquanto os três amigos se afastam entre gargalhadas. Os três vão até a Igreja, onde encontram o padre a polir uma imagem de São Geraldo.
____ Boa noite Padre!
____ Boa noite meus filhos, não são jovenzinhos demais para estarem por ai a beber? E em dia de semana!
____ O que isso padre... só umazinha, o Frade ta por ai?
Francisco surge atrás deles e repreende o amigo muito sério.
____ Já pedi para respeitarem a casa do senhor... me desculpe Padre...vamos conversar lá fora
___ Sua benção padre... desculpa!
Deus te abençoe Ricardo... a família vai bem?
___ Sim todos bem, Bora Lucas
Deus te abençoe Robério, e sua família todos bem?
___ O de sempre... boa noite padre.
Ricardo e Robério saem meio encabulados, Lucas continua a provocar o padre que se diverte com o jeito desprendido do rapaz.
___ Vai dizer que não toma uma de vez enquanto ei padre?
____ Lucas, Respeite o padre...
___ Deixa meu filho... conheço bem esse desmiolado... não se esqueça que fui eu que batizei todos vocês... vá se distrair um pouco com seus amigos Francisco.... está tão calado desde essa tarde, está tudo bem filho?
___ Não contou pra ele?
___ Vamos Lucas... você fala demais
___ Contou o que.... aconteceu alguma coisa?
___ Nada com que deva se preocupar....
Sai dando a conversa por encerada.
____ Sua benção padre...
___ Deus te abençoe filho
Ja na rua, Francisco encara os amigos com ar reprovador.
___ O que querem aqui a essa hora.... por que estão bebendo?
___ Estamos comemorando... não sei o que ainda, mas vamos lá animo amigo! O Ricardo esta pagando.
___ Pare de brincadeiras Lucas.... depois do que aconteceu hoje.... não vejo motivos para comemoração.
___ Olha só Francisco... eu sei que meu pai....
___ Não quero falar sobre isso Ricardo... alheais não quero falar sobre nada, preciso dormir cedo, vou viajar pela manhã.
____ Viajar?
___ Pra onde vai?
___ Logo saberão....
___ Mais um misterioso por aqui...
___ Lucas vai indo na frente com o Robério.... quero falar um coisa aqui com o Ricardo.
___ Ok... os misteriosos... respeitemos seus segredos, vamos lá meu preterido amigo
___ Não faz drama Lucas .... de cá um abraço e juízo.
___ Volta pra formatura ne?
___ Vamos ver... Eitá Peão...
ABRAÇA O AMIGO COM EMOÇÃO
___ Sabe que não sou muito de festa... mas a gente tem que estar junto na formatura nê?
___ Deus é quem sabe Robério, Deus é quem sabe!
Os dois ficam em silêncio por um tempo, enquanto Lucas se afasta com Robério recitando um poema de boemia.
___ Vou sentir saudade disso! Do besteirol do Lucas, o Jeitão serio do Robério... o Zeca!
___ Os cinco cavalheiros... Não vai voltar não é? Está indo embora por causa daquilo que aconteceu no rio hoje? Olha só, meu pai...
___ Tem muita coisa sobre seu pai que você não sabe Ricardo.... e talvez nem deva saber.... eu vou seguir meu caminho, vou para o seminário.
___ Como assim seminário... de padre?
___ Sim, essa é minha vocação, vou estudar, me preparar e se for da vontade de Deus.... um dia eu volto para nossa pequena Colibri.
___ Não Francisco, espera pelo menos a formatura.... Quero compartilhar com você minha alegria...
___ Estou vendo que está com um brilho diferente nos olhos...
O que que está comemorando?
___ Eu vou me casar?
___ Como assim casar? Casar com quem?
___ Olha ainda não entendi direito.... eu vou me casar com a Marta
___ Marta...que Marta?
___ Como que Marta? Quantas Martas a gente conhece?
___ A Mendonça!? Que história é essa?
___ Sei que vai dizer que é um absurdo.... mas meu pai acertou meu casamento com o pai dela.
___ Claro que é um absurdo!...coisa de coronéis.... assim as aguas do pouso das Garças fica entre família.... e você concordou com isso? E a Marta? ela é uma criança... vai fazer quinze anos, ela esta de acordo com isso, eu nunca percebi nada entre vocês.
____ Acho que ela ainda não sabe...eu mesmo só fiquei sabendo dessa história hoje....
___ Não pode tomar parte nisso... é um absurdo
____ Eu sou apaixonado pela Marta....
___ Você o que? Nunca disse nada....
___ Eu mesmo não sabia...mas hoje no rio.... eu nunca vi imagem mais bela.
___ Só porque se encantou com ela...e realmente foi uma imagem linda, não significa que tenha que se casar com ela.... Ricardo é hora de fazer valer sua vontade, não pode se deixar manipular
___ Você não ouviu o que eu disse?.... pela primeira vez na vida.... eu serei grato ao meu pai.... eu vou conquistar a Marta e vamos ser felizes.... eu quero você aqui para o nosso casamento.
___ Ele é muito pior do que eu imagina.... não faça isso Ricardo, vai estragar sua vida e a da Marta.
___ Esquece...você não entende...ninguém entende.... você disse que vai pro seminário seguir seu caminho, eu vou me casar com a Marta e seguir o meu caminho ...
___ O seu caminho? O que aconteceu com a faculdade? Com os seus planos?
___ Eu quero a Marta... só isso importa!
___ Você esta louco Ricardo... Aquele maldito!
___ Não fale assim do meu pai...
___ Seu pai... Deus me perdoe.... ele vai desgraçar sua vida... como já desgraçou de tanta gente!
___ Eu não quero brigar com você.... a gente sempre foi como irmão, se vai mesmo ser padre... reza ai, pra Deus, fazer com que a Marta me ame... como eu a amo.
___ Como irmão... é assim que te quero Ricardo, um irmão muito querido, e é nesse sentimento fraterno, que te imploro... pense bem em tudo isso, é sua vida... e a vida da Marta, ela tem tantos sonhos, que estudar, cantar....
___ E poderá fazer tudo isso ao meu lado.
___ O que mais eu posso dizer? Que Deus te ilumine... da cá um abraço... irmão!
___ Promete que volta pro meu casamento?
___ Quem sabe eu não celebre esse casamento...
___ É quem sabe...
Ricardo se afasta cabisbaixo, deixando Francisco entregue aos próprios pensamentos. Ele murmura pra si mesmo, sem perceber a presença do padre
___ Não deixe que ele destrua sua vida ... meu irmão...
___ Não deixe que ele destrua a sua filho.... Ouça seu próprio conselho.
___ Ouviu o que ele disse padre?
___ Ouvi.... esta história do casamento armado pelos coronéis, é pratica velha... e as vezes ate que da certo.... agora você vai entrar e me explicar direitinho essa história de viagem amanhã?
___ Eu estou decidido padre.
Numa sala de estilo rustico conservada desde o século passado Jeronimo se esforça para ser cordial com o vizinho e antigo desafeto.
___ O Amigo seja bem-vindo, já pedi que se faça um bom café.... do que eu colho aqui na fazenda mesmo.
____ O amigo sabe que estou pensando em aumentar meus pastos, o preço do café ta caindo demais, a mão de obra não está compensando.
___ Pena que sua fazenda está bem na curva do rio não é mesmo.... se aumentar demais seu rebanho....
___ É melhor a gente ir direto ao assunto... por que nós dois sabemos muito bem porque é que aquela cerca que divide nossas propriedades está onde está...
___ Oh.... o cafezinho.... Ajuda a clarear as ideia
Maria serve o Café se demorando mais do que de costume, apreensiva com o tema da conversa.
___ Então, eu ja falei com meu filho.... E está tudo acertado.... ele aprecia muito a sua menina.
____ Como o amigo ja deve saber e ter recebido o convite, to mandando fazer uma festança pra comemorar os anos dela, se esta tudo de acordo se pode anunciar o casório durante a festa.
___ De acordo, vou mandar encomendar o anel... nosso neto, vai derrubar essas cercas e ser o homem mais poderoso dessas bandas.
___ Uma coisa tenho que admitir.... os Rivera sempre foram adversários a altura dos Mendonça.... ao de ser bons aliados.
___ Eu to de acordo com amigo... Ai vamos precisar de uma coisa mais quente que café...pra comemorar.... apresenta uma garrafa de agua ardente.
Brindam o sucesso da empreitada, para desespero de Maria, que se deixa cair na cadeira quando chega a cozinha.
___ Virgem Santa protege minha menina...
Zé que entra a tempo de ouvir o lamento da esposa, se preocupa.
____ O que foi.... ta parecendo que viu fantasma?
____ Aquele coisa ruim ta ai na sala....
____ Eu mesmo levei o convite do patrão pra ele vim tomar um café...
____ Acertaram o casamento da menina.... sem nem mesmo falar com a pobrezinha.
____ É Maria a gente se apego demais a patroazinha....
___ E como não se apagar.... seu Jerônimo pós ela nos meus braços, quando era um anjinho... o pobre ficou tão desarvorado com a morte da mulher... passou tempo sem poder nem olhar pra pobrezinha... o quê que vai se dela?
___ O Ricardo é moço bom, é amigo do nosso filho... te aquieta Maria vai dar tudo certo.
___ Por que o Zeca não veio Jantar? Por onde ele anda?
___ Foi na cidade fazer um mando do patrão
___ Na cidade essa hora da noite? Inda bem que ele é moço estudioso, logo se forma e há de achar um serviço na cidade.
___ Lá vem você com essa conversa de serviço na cidade, o lugar dele é aqui lidando com a terra...
___ A terra dos outros Zé... precisava ver como ele tava revoltado hoje, disse que o patrão chamou ele de peãozinho de merda... é isso que quer pro nosso filho?
___ Vamos deixa de conversa e põe logo essa comida que to pra me acabar de fome.
José Carlos encontra os amigos na praça da cidade, Lucas o recebe com alegria.
___ Agora sim, essa cidade vai ganhar vida!
___ Não sabia que era dia de festa na cidade... da cá um gole dessa gelada.
___ Essa já era... mas vamos lá pro farol... o Ricardo esta de comemoração...
Ricardo, muito contrariado com o desfecho da conversa com Francisco, passa a cerveja para Zeca.
___ Toma ai peão... vamos deixar pra outro dia Lucas... sabiam que o Francisco esta indo pro seminário?
___ Não sei por que a surpresa Ricardo ele sempre teve cara de padre...
___ É melhor a gente voltar pra fazenda.... o patrão pode não gostar.
___ Esta certo Robério... sem o Francisco a comemoração perde a graça
___ Qual é, ninguém vai me contar o motivo da comemoração?
___ Conta ai Ricardo... aposto que já contou pro frade!
Ricardo se entristece, sabe que a reação dos amigos não será diferente da de Francisco, não iriam entender.
___ Deixa pra lá.... borá peão... logo vocês vão saber....
Se afasta dando a conversa por encerrada.
___ Não entendi nada... o que deu nele Lucas?
___ Eu menos ainda...chegou a pouco todo feliz...dizendo que queria comemorar... acho que foi alguma coisa que o frade disse.... esse é outro, vai viajar amanhã, antes mesmo da formatura... acredita?
___ É amigo, as coisas estão mudando, deixa eu volta lá pra fazenda que ainda estou a mando do patrão.
___ A essa hora?
___ E tem hora pra essa gente dar ordens? Não aguento mais essa vida, depois que pegar meu diploma me mando daqui... isso não é vida pra mim não.
___ Eu também, vou me mandar.... Estou ralando de estudar... vou conseguir entra na faculdade de artes... por que não se escreveu Zeca?
___ Tenho que trabalhar... fazer minha vida... um dia ainda faço esses senhores engolirem toda sua arrogância...
___ Por falar em Arrogância... e a Marta? Nunca vi Seu Jerônimo tão furioso?
___ Marta...
___ Ei peão...que suspiro foi esse?
___ Deixa de ser gozador Lucas... você vê se para de incentivar ela com essa história de artes...canto...viu só o que deu a cantoria de vocês lá no rio?
___ Como desabrochou a pequena cotovia... (recita o poema Iracema enquanto Zeca sonha, relembrando os momentos alegres com ela vivido).
___ Sim, como uma sereia canta e enfeitiça, a minha cotovia!
___ Zeca, velho amigo... esta a suspirar de amor pela patroazinha!
A sentença decretada por Lucas o tira do encantamento, de súbito José Carlos se vê confrontado com sua verdade mais intima, de fato amava Marta com todas as forças de sua alma, não era zelo como a mãe dizia, nem carinho fraternal, era amor o que lhe queimava o peito, ciúmes o que sentia da lembrança dos olhares de encantamento dos outros rapazes, sim gritou para sim mesmo, amava Marta e ela o amava.
___ Sim, sim... eu a amo... por Deus, e a amo!
___ Só me resta a inveja!... Por onde Deus, andara a minha Iracema!?... a que vai arrebatar meu coração... ela já sabe? Declarou esse amor a ela?
___ Como? se nem mesmo eu sabia...
___ Te apreça rapaz... vai declarar seu amor.
___ Vou embora daqui.... vou pra São Paulo, arrumo trabalho, faço minha vida por lá, e venho buscá-la.
Como a pressentir a trama cruel que lhe tece o destino, Marta se debate na cama, em sonho vê-se perdida em um labirinto, sozinha em meio a escuridão, ao longe ouve sua própria voz a cantarolar.... do outro lado das paredes daquele labirinto, Marta menina brinca com José Carlos, corre ao redor do Jequitibá.. rola pelo gramado, é carregada por ele... Quanto mais busca a saída, mas se afasta das lembranças de uma infância feliz.
___ Acorda filha... esta tudo bem....
Dona Maria a embala nos braços, o corpo molhado de suor, o rosto banhado em lagrimas, num soluço ela chama por José Carlos.
___ Zeca... Zeca... por que a gente não pode mais correr pelo gramado... por que o tempo insiste em passar?
___ Marta querida... aquieta esse coração, terá uma vida de princesa... ninguém pode lutar contra o tempo... tem que deixar as brincadeiras de criança pra traz...
___ Deixar o Zeca pra traz é isso?
___ É filha... deixar o Zeca pra traz...
Sem palavras para consolá-la, Dona Maria se entrega a própria tristeza, a prende entre os braços maternais, e deixam as lágrimas lavar os medos e incertezas.
O canto do Galo soberano, preludia a alvorada, a brisa suave dispersa a nebrina, a lenha queima no velho fogão e o cheiro de café invade a sede da fazenda Jequitibá. Jerônimo vem encontrar José Carlos e o pai na cozinha.
___ Bom dia patrão!
___ Bom dia seu Jerônimo!
___ Dia... Zé, quero que me leve pra capital, vá se aprontar, vamos sai logo depois do café, vou fica por lá uns dias, e você moleque, cuida das coisas por aqui, já ta na hora de espalhar o café no terreiro.
Sai sem esperar resposta
___ Como é que aguenta isso pai? Sujeito petulante, trata a gente como se fosse um móvel da casa.... eu não sou propriedade dele.
___ Te aquieta e vai fazer o que o patrão mandou, e vê se para de colocar ilusão na cabeça, a gente não é propriedade dele, mas é empregado, ele manda a gente obedece, vai logo cuidar dos terreiros.
Marta senta-se a mesa, muito pálida, procura esconder os olhos inchados.
___ Serve logo esse café Dona Maria que quero pegar a estrada cedo.... já ta pronta?
___ Eu tenho mesmo que ir pai?
___ Eitá!... estou gastando uma fortuna, mandei fazer tudo do jeito que queria, até roupa de príncipe mandei comprar, e esse tal de hotel Espar vai me custar os olhos da cara, vai dizer que agora não quer mais a tal da festa de debutante?
___ Claro que quero a festa pai...
___ Então pra que essa cara de enterro?
___ Pai, eu não consegui dormir direito... minha cabeça parece que vai explodir, tem que esquecer essa história de me casar com o Ricardo
___ Já esta tudo acertado, na festa agente anuncia o noivado, que não vou gastar essa dinheirama de novo....
___ Na festa?
___ O pai quer formar o filho primeiro, pra depois casar, como se precisasse de canudo pra cuidar de boi, depois da formatura dele a gente marca o casamento.
___ Ele terminou o ensino médio... eu estou acabando o colegial... e quer que eu me case?
___ Vi bem pra onde é que esses seus estudo vão te levar...
___ Se esta falando do rio....
___ Eitá come logo... que já estou perdendo a paciência... termina de arrumar as coisas dela Dona Maria to esperando no carro.
Marta se sente ainda mais frágil e infeliz diante da autoridade exercida pelo pai, estava tão feliz com os preparos para sua festa de debutante, aquele seria o dia mais feliz de sua vida, tinha terminado o ginásio, seria a oradora da turma e cantaria a música de Lulu Santos na formatura, tinha mil planos para o Colegial e depois faria faculdade de Artes Cênicas como o Lucas. Não era possível dizia para sim mesma, aquilo só poderia ser um pesadelo. Tomou um grande cole de café, na esperança de despertar.
Lucas compõe seu grande poema. Ao som de sua narração os dias se passam.
Marta na capital, recebe tratamento de princesa para seu aniversário.
Francisco entra para o seminário.
Robério é interrompido no trabalho e se entrega aos encantos de Macilene.
Marieta ajuda a mãe nos preparos para a festa de Marta.
José Carlos, trabalha até a exaustão.
Finalmente chega o esperado e temido dia, Dona Maria esta enlouquecida com tanta gente andando pela casa. Agora que tudo estava pronto, tinha que admitir parecia cenário de novela, apertou contra o peito a roupa de príncipe, lembrando a alegria de Marta ao imaginar José Carlos vestido com ela, secou uma lagrima ao ouvir a voz de Ricardo atrás de sim, ele sim a vestiria, ele era o príncipe que conduziria Marta naquela noite e por todas as noites de suas vidas.
___ Boa tarde.... Dona Maria?
___ Sim menino... aqui está sua roupa... tem um quarto preparado pra você se vestir... você é muito bonito filho... tenha paciência com a minha menina.
___ Eu vou ter... ela já chegou?
___ Esta se aprontado na cidade...
___ Meu Zeca foi buscar ela... você é o príncipe destinado para ela... vai se trocar.
Zeca é recebido por Marieta e Sônia
___ Não está vestido pra festa Zeca?
Ele responde sem esconder o cansaço.
___ Ainda tenho uma montanha de coisas pra fazer... a Marta está pronta?
___ Ela está lindíssima Zeca... olha só uma princesa!
Zeca emudece diante da aparição de Marta, nunca a virá tão bela, e tão triste, sente o coração apertar no peito ao ver as lagrimas que borram a maquiagem, para desespero de Sonia.
___ Por Deus Marta... por que está chorando? ... esta estragando toda a maquiagem.
___ Marta... hoje é seu dia... você está tão linda... minha cotovia!
___ Zeca!
Para estranhamento de todos, até mesmo de Zeca, ela se joga em seus braços, agarrando-se a ele com tamanho desespero, que o fez parar de respirar por um instante.
___ Marta, vai ficar toda amassada... ai meu Deus, você está suado rapaz...
___ José Carlos!? Eita moleque lerdo!
A voz de Jerônimo vinda de fora, traz Zeca de volta a realidade, ele a afasta com delicadeza, esforçando-se para controlar a própria.
___ Vai retocar a maquiagem... aproveita o seu dia princesa...
___ Zeca... está tudo errado... é você que tem que me conduzir no baile, cadê sua roupa? Você é meu príncipe...
___ Ai menina... não deixe seu pai escutar isso... venha... me ajude aqui Marieta.
Marta se deixa levar por Sonia, e Marieta, enquanto Zeca tem seus temores confirmados pelo impiedoso Jeronimo.
___ Mas cadê essa menina? O Ricardo já está pronto esperando lá na fazenda, o que está fazendo ai parado moleque?
___ Carregue logo essas caixas... cadê minha filha?
___ Está quase pronta... está linda seu Jerônimo... vem Zeca eu te ajudo...
___ Vamos logo com isso dona Sonia... borá Marta (Sai reclamando)
___ O Ricardo é o príncipe não é?
___ É só uma festa Zeca... depois vocês conversam... por ela seria você... sabe que o pai dela nunca iria permitir não é?
___ Eu sei Marieta... eu sei... um dia ele vai ter que me olhar nos olhos, de homem pra homem, ai vai me respeitar.
Quase todos os habitantes nobres da cidade e até alguns da capital, do prefeito, ao delegado e até um deputado Federal lotam o salão a espera de Marta. Ricardo se espreme na roupa de príncipe suando frio, diante dos olhares curiosos e comentários, sente-se aliviado ao ver Lucas se aproximar com a jovialidade de sempre.
___ Salve alteza! Estais divino!
___ Isso não é hora para brincadeiras.... cadê a Marta que não chega?
___ Por que aceitou esse papel? Eu achei que o Zeca fosse conduzir a Marta!
___ Achou errado meu caro... aquela comemoração? Hoje todos saberão o motivo.
___ Pera ai... sou um dos seus melhores amigos.. não vai me deixar nessa curiosidade...
Robério e Zeca se aproximam, Zeca tenta disfarçar o despeito, misto de inveja, ciúmes, raiva de ver o amigo ocupando o lugar que na vontade de Marta seria seu.
___ O Ricardo esta prestes a fazer uma revelação...
___ Agora já podem me felicitar....
___ Pela farda de príncipe?
___ Sem ironia Zeca?... estou me sentindo ridículo nessa roupa... mas por ela vale a pena... ela chegou... minha princesa.
Zeca ouve a declaração perplexo, já notará um certo interesse dele por Marta, mas agora ao vê-lo se dirigir ao centro do salão para recebê-la, sentiu o chão se abrir em baixo de seus pés, deixou-se ficar ali, inerte, vendo-a deslizar pelo salão, recebendo os comprimentos, elogiada, admirada, invejada e conduzida por um príncipe que não era ele.
Orgulhoso e visivelmente emocionado o anfitrião, levanta o brinde... o olhar de Marta, que antevê o que está por acontecer busca desesperado o semblante de José Carlos, vai encontrá-lo ao pé da porta, desfigurado, como que a ingerir uma taça de fel.
___ Agradeço a presença de todos os amigos, e chamo aqui meu vizinho e sócio numa grande empreitada... o amigo Geraldo Rivera, pra fazer esse brinde comigo, e com nossos filhos... que celebram hoje seu noivado!
___ Faço minha as palavras do amigo.... e já antecipo o convite pro casório que será em breve!
Marta se apoia no braço que Ricardo lhe oferece, sentindo o ar lhe faltar, os aplausos e felicitações parecem compor uma canção fúnebre, não encontra mais o olhar de Zeca, vê seu vulto desaparecer sendo seguido por Lucas, deixa-se conduzir, como se a vida tivesse lhe fugido.
José Carlos ignora a voz do amigo, liga o carro sem poder enxergar nada a sua frente, tenta fugir daquela trama, despertar daquele pesadelo.
___ Espera Zeca... onde é que você vai?
Desolado vê o carro sumir na escuridão da noite... (recita mais um de seus poemas, enquanto Macilene rouba um beijo de Roberio no Jardim, sob o olhar enciumado de Marieta. A festa vai se esvaziado, os últimos convidados se despedem, Ricardo e Marta se olham como se fosse a primeira vez.)
___ Marta!?
___ Por que aceitou toda essa palhaçada?
___ Palhaçada?
___ Já pode descer do palco... a plateia já se foi... essa droga de sapato esta me matando...
___ Marta...eu...
___ Eu nunca te vi dizer uma frase inteira... por que está sempre gaguejando?
___ E que... seu jeito de falar.... não sei o que dizer
___ Não sabe o que dizer? Então você vem aqui com o seu pai... Estraga minha festa... encena essa palhaçada e não sabe o que dizer?
___ Pra mim não é palhaçada... eu quero ser seu noivo, e me casar com você.
___ Você não me conhece... não sabe nada de mim... são as águas? É isso que você quer? Pois pode ficar com o rio inteiro... quer essa casa também.... pois bem... pode ficar com ela.... mais eu não sou uma coisa pra vocês negociarem...não pode me negociar... está ouvindo Ricardo Rivera?
Maria corre a sala ao ouvir os gritos dela, Marta está totalmente descontrolada, enquanto Ricardo, experimenta a humilhação de ser rejeitado, e deixa a sala sem dizer uma só palavra.
___ Por Deus filha, se acalma!
___ Não podem fazer isso comigo... eu não sou uma coisa.... não podem fazer isso comigo, não pode.... Eu te odeio Ricardo... eu te odeio...
Lucas a segura, prendendo-a num abraço, enquanto dona Maria tenta conter as lagrimas.
___ Acabou minha querida...acabou.... calma!
___ Lucas, cadê o Zeca? Cadê?
___ Leva ela pro quarto.... Seu Jerônimo logo volta, cuida dela menino... cuida dela.
Nos braços do amigo, Marta chora até adormecer, enquanto José Carlos, totalmente embriagado, se entrega aos cuidados de Ivete, uma linda jovem recém chegada à casa de Salomé.
As Margens do pouso das garças, Ricardo espera o amanhecer, sente-se profundamente infeliz, humilhado, seu pai tinha razão, era um fraco, ouvirá a revolta de Marta, sem ser capaz de se defender, de dizer o quanto a amava.
Da Janela do ônibus que se afasta da pequena Colibri, Francisco Contempla o amanhecer. Em seu coração relembra a voz do padre recitando a oração de são Francisco.
Marta desperta sente-se exausta, cobre a cabeça quando Maria abre a janela e o sol invade seu quarto.
___ Já passa do meio dia menina...
___ Eu quero dormir pro resto da minha vida...
___ Sua Festa tava tão linda...
___ Cadê o Zeca?
___ O menino Ricardo tava uma belezura...
___ Para de me torturar, eu tenho enjoo só de ouvir esse nome... eu nunca vou me casar com aquele... idiota, eu quero o Zeca é o Zeca que eu amo.
___ Valha-me minha virgem Maria...
___ Eu amo o Zeca... se um dia eu me casar vai ser com ele com o meu Zeca, meu Príncipe... meu pai não é meu dono, eu não sou uma vaca pra ele me vender assim... ele não pode fazer isso... não pode! (Esmurra a cama descontrolada)
___ Deus do céu filha! O que você está dizendo...eu criei vocês como irmãos... é amor de irmão...
___ Não, não é amor de irmão... eu amo o Zeca e ele também me ama... a senhora sabe...
___ Sei de nada não menina... meu Zeca é empregado
___ A Senhora é minha mãezinha... me ajuda... não deixa ele fazer isso comigo... não deixa!
___ (Prendendo-a num abraço, sem poder conter as próprias lagrimas) Acalma filha... acalma... vai me matar de sofrimento com toda essa tristeza...
No Bordel Salomé acorda Ivete, enquanto José Carlos continua dormindo, sob efeito da bebida.
___ O que foi que você fez com esse ai? O sol já está alto onde vocês pensam que estão?
___ Deixa ele dormir um pouco mais... eita peãozinho, eu vou fazer você esquecer sua Marta...
___ Eita que não tem nada pior que mulher da vida Burra... coloca uma coisa nessa cabeça oca Ivete... nós somos igual cachaça... depois do porre fica só a ressaca...não se ilude não, acorda esse peão e bota ele pra correr, que o patrão dele não vai gostar nada de dar pela falta dele.
___ Zeca... eu quero você pra mim...acorda meu amor (Ele levanta de um salto, sem saber ao certo onde esta) Calma amor!
___ Quem diabos é você?
___ Sou seu amor... você dormiu em meus braços
___Merda! Que horas são?
___ Vou pegar um café pra você...
___ Eu só quero sair daqui... quanto é? (Abre a carteira e joga o dinheiro sobre a cama) Espero que pague seus serviços... droga por que me deixou dormir?
___ Não precisa ser tão grosseiro... você foi tão gentil me chamou de Marta a noite toda...
___ Cale a boca... me pega logo uma droga de café... minha cabeça parece que vai explodir!
Jogado na cama, ainda com a roupa da noite anterior Ricardo ouve o pai reclamar com humor pior do que de costume, aos berros com Jandira
___ Que porcaria de café é esse... Isso é resto de bule...
___ Que diabos aconteceu homem... o café está igual o de sempre, eu mesma coei, pra onde vai logo cedo, com essa raiva do mundo?
___ Vou cuidar da vida, e cuida de colocar comida na mesa e você vê se cuida dos seus filhos, e vê se aprende a fazer uma droga de café.
Sai ignorando a magoa da esposa, que baixa a cabeça envergonhada diante do olhar reprovador da filha.
___ Vá se arrumar, quero que venha comigo até a cidade.
___ Antes vou dar bom dia pra alguém (Pega uma fatia de pão sai cantarolando)
Geraldo vai encontrar Robério selando o cavalo.
___ Onde esta seu pai?
___ Bom dia Patrão, ele esta adoentado, é só uma gripe logo ta na lida... o patrão precisa de alguma coisa?
___ Adoentado... to bem arranjado... um dia perco a paciência e mando esse bando embora daqui. (Pega o carro e sai esbravejando)
___ Vá pro diabo que o carregue! (Se volta irritado ao ouvir a risada de Macilene)
__ Bom dia Peão!
___ O que é que você quer?
___ Você... (Joga-se nos braços dele)
___ (Repelindo-a ao ver Marieta se aproximar) Sua louca... eu já disse pra me deixar em paz... ainda vai me arrumar problemas
___ Vai mesmo se o coronel vê isso... te manda embora daqui Robério
___ Não enche você também Marieta... eu te amo peão... e quero que meu pai vá pro diabo que o carregue... (Rouba-lhe mais um beijo e sai correndo)
___ Ela é uma menina mimada... por que deixa ela ficar brincando com você assim... parece até que gosta
___ E se eu gostar?
___ É sinal que você é um idiota... (sai correndo)
___ Ai meu saco... e o dia nem começou.... (monta e sai a galope!)
José Carlos, entra na cozinha onde a mãe o espera ao vê-lo desaba a chorar.
___ Por onde andou me filho... ta cheirando a bebida e a mulher da vida... (Marta entra a tempo de ouvir)
___ Mulher da vida?
Ele se deixa cair na cadeira sem coragem de encara-las
___ Volta lá pra dentro filha... vá pra casa tomar banho e lavar esse cara José Carlos, pelo amor de Deus vocês querem me matar?
___ Você está com cheiro de perfume barato... você passou a noite com as putas?
Diante da acusação e das lagrimas das duas pessoas mais importante de sua vida, José Carlos da vazão a própria dor.
___ Passei... sente patroa o cheiro de cachaça e de perfume barato... enquanto a patroa desfilava com seu noivo, esse peão de merda, se esbaldava na cama das putas... (Zé entra assustado com a falta de respeito do filho.)
___ Cala a boca seu moleque...
___ É isso que eu sou... Olha Marta! (Segurando-a pelos braços) Um peãozinho de merda... é isso que eu sou...
___ Não foi pra isso que eu te criei! (Zé acerta o filho com uma bofetada que quase o faz cair) eu vou te ensinar a ser homem... (Sai arrastando o filho a safanões, para o desespero de Marta e Maria).
___ Para... Zé pelo amor de Deus para...
___ Zeca... Meu Deus...
___ Sai daqui filha... pelo amor de Deus esquece meu Zeca, ele não é pra você, não é.... (Marta volta correndo para o quarto, atira-se na cama e chora...)
Na cidade Jandira a Filha e Marieta entram no salão de beleza e são recebidas por Sonia
___ Que surpresa boa Jandira, não te esperava aqui depois da festança de ontem, nem tive tempo de cumprimentá-la pelo noivado...
___ Obrigada Sonia...
___Mãe posso ir tomar um sorvete com a Marieta, nós vamos lá no bar do Lucas... (Sai arrastando a amiga antes mesmo que a mãe possa responder)
___ Já volto mãe... calma Maci...
___ Pode... adiantava falar não? Eu não posso com essa menina...
___ Deixa ela... elas estão na flor da mocidade, mas você me parece triste amiga?
___ Eu precisava sair um pouco de casa... hoje o Geraldo acordou com um humor daqueles...
___ Venha tomar um chã...
As meninas entram correndo no bar e são saudadas por Lucas.
___ Minhas lindas crisálidas... já posso antever o colorido delicado de asas a borboletear... (Juliano interrompe os devaneios do irmão)
___ Não diz besteira Lucas... desculpa, boa tarde.
___ Hoje estou mesmo me sentindo uma borboleta... louca para voar, voar, voar... esse seu irmão é muito serio Lucas, eu quero um sorvetão de chocolate...
___ Desculpa... e você Marieta?
___ Eu também quero um de chocolate Juliano...
___ Meu irmão é o ajuizado da família... o que seria desse nobre estabelecimento sem esse ar serio de filho de Libanês... meninas um sorvete de chocolate saindo no capricho...
___ Com licença meu irmão serve o sorvete...acho que você prefere ?
___ Prefiro mesmo...sorvete combina mais com poesia do que com essa cara de quem comeu e não gostou.
O rapaz se retira visivelmente magoado, Macilene continua a tagarelar.
___ Maci... precisava falar assim com o coitado...
___ Que coitado... só falei o que eu penso
___ Nem sempre a gente deve sair falando o que pensa... nem fazendo ne? Já imaginou se seu pai vê você agarrando o Robério, ele manda ele embora na hora se não fizer coisa pior.
___ O que foi que eu perdi? Quem agarrou quem?
___ Ontem na festa eu dei um beijão na boca do meu peão... ele gostou...
Lucas assume um ar sério, olha para o irmão com preocupação ao velo sair e repreende Macilene para sua surpresa.
___ Não deve brincar com os sentimentos das pessoas...
___ Quem disse que eu estou brincando? Eu sou louca por aquele peão...
___ Estou falando do meu irmão
___ Ah!?
___ Você sabe que ele gosta de você
___ Eu acabei de dizer pra ela... ele saiu todo chateado
___ Saiu é?... não sei porque eu não tenho nada com ele...
___ Mas vivia aceitando os docinhos, os salgadinhos sem falar nas flores...
___ Ele me dá aceito por educação... mas meu coração pulsa mesmo e quando eu vejo o meu peão... ele sim é homem
___ Por favor, não dê mais esperança pro meu irmão, vocês realmente não tem nada haver... e o Ricardo?
___ Sei lá, noivado mais estranho... pra mim que isso não vai dar em nada
___ Você veio com quem? Pode me dar uma carona quero conversar com o Ricardo
___ Minha mãe tá lá no salão agente te leva... agora vai atender seus fregueses que tenho muita coisa pra contar minha amiga aqui...
___ Ta, vou aproveitar e falar com o Robério também... parece que esses meus amigos andam meio a mercê das armadilhas do coração.
___ Isso fala pra ele que vou esperar ele hoje a noite...
___ Não me mete nesse enrolada...
___ Por favor Lucas... eu só quero conversar com ele... você que é tão romântico tem que ajudar...
___ Toma seu sorvete que está derretendo... apaga esse fogo ou vai sair com as asinhas queimadas borboletinha!
___ Escuta o poeta... e sossega a borboletinha!
Geraldo e Jerônimo se encontram no salão de Salomé
___ Eita que hoje é dia especial os dois homens mais ricos da região, logo de manhã na minha casa.
___ Hoje não estou muito pra prosa não... quero mesmo é... você sabe o que eu quero...
___Se sei... seu pedido já está lá em cima do jeitinho que o senhor gosta Senhor Jeronimo... o senhor já escolheu?
___ Isso aqui ta uma belezura... cadê a cabritinha nova?
___ Essa vou ficar te devendo... tá naqueles dias... mas o senhor pode escolher estão todas a disposição...
___ Olha Salomé... que to começando a achar que aquela cabrita ta me enrolando e eu não gosto de ser enrolado... te falei que queria aquela... e aquela que eu quero...
___ Mas coronel...
__ Não tem nem mais coronel, nem menos coronel... onde é que ta a menina... quero um dedo de prosa com ela.
___ A Ivete esta dormindo...mas se a vontade do senhor eu vou acordar...
___ Deixe... eu quero ver ela dormir... qual é o quarto?
Vai entrando sem esperar resposta, Ivete dorme tranquilamente, ele faz gesto para Salomé se afastar. Fica a observar, a semelhança de Ivete com Aurora o remete ao passado, ele se lembra dos encontros sob a luz da lua a beira do pouso das garças... a lembrança do encontro com Francisco o fez estremecer.
___ Diacho, como é que eu nunca soube nada desse menino? Aurora... é tão linda... (Contempla o corpo de Ivete como se o tempo tivesse voltado).
Salomé reclama sozinha.
___ Era só que me faltava... o maldito coronel ficar enfeitiçado por essa mulata desmiolada... é parecida demais com a menina Aurora... meu faro me diz que vamos ter sérios problemas por aqui...
Lucas bate na porta do quarto de Ricardo, que sequer responde, passará o dia todo na cama ainda com a mesma roupa da festa, parece anestesiado pela recusa de Marta.
___ Sou eu amigo... falei com a Marta depois da festa... me ouviu Ricardo?
___ Não adianta filho, melhor deixar ele
___ Obrigada pela carona dona Jandira... se quiser conversar sabe onde me encontrar Ricardo... Boa noite...
___ Boa noite... abrigada você é um bom menino... (Depois que Lucas se afasta, ela bate suavemente na porta) Ricardo! Só me diz se você está bem... (ouve ele murmurar, e vai para o quarto com o coração apertado)
___ Tô mãe...! (Ele chora abraçado ao próprio corpo, desejando o colo da mãe, experimento a dor de se descobrir adulto.)
Ao mesmo tempo, Marta e José Carlos, vivenciam a mesma dor, o mesmo desejo, de fazer o tempo voltar, de não crescer, de fugir para terra do nunca, pedir abrigo a Peter Pan, esconder-se sob as pequenas asas de Sininho.
Em seu quarto, Lucas escreve em seu diário, os acontecimentos que se seguem.
___ Naquela primavera, os campos ficaram floridos como tinha que ser, as garças bailavam em meio as flores que desabrochavam, às águas do nosso rio pareciam ainda mais alvas, cristalinas, e solitárias... Marta manteve sua janela fechada, aprisionada a Cotovia não mais cantou... Zeca partiu para a Capital, onde seu único alento eram as manhãs de domingo em companhia do nosso irmão Francisco... esse sim irradiava o perfume da primavera. Ricardo não foi visto nestes dias... O Coronel Geraldo, ocupava todo seu tempo a galantear a bela Ivete, que vivia pelos cantos a chorar de saudades do Zeca, Macilene nem bem se fez borboleta já se pôs a voar, levando consigo o juízo do peão Robério que por amor se deixou perder.
Dois meses se passaram, Já no fim da primavera, chegou o dia que por anos esperamos, lapidando nossos sonhos, nos preparando enfim era o futuro que chegava... o dia da nossa formatura, eu, Ricardo, José Carlos, Robério, e Francisco todos maior de idade formados na escola técnica de agronomia... em nossos sonhos tudo parecia tão certo, e agora, eu orador da turma, sozinho na sala de espera.
___ Chegaram, eles chegaram Lucas... (Marieta irrompe como um raio de luz)
___ Eles?
___ O Francisco, e o Zeca... já estão ai com o Robério... Vocês vão estar juntos poeta, como você sempre quis... vamos já está quase na hora a cerimônia vai começar... (Sai arrastando-o)
Eles se encontram com grande emoção, embora tenham sido só dois meses, parecerá uma eternidade.
___ Agora só falta o Ricardo...
___ Então não falta mais ninguém...
Ricardo e Zeca apertaram as mãos, sem uma única palavra, abraçados pelos três amigos, se dirigiram ao lugar reservado a eles, os formandos. No centro do palco um lugar vazio, Marta que tantas vezes ensaiara para cantar e homenageá-los, não podia cantar, sentia-se traída, por Ricardo que mantinha o noivado forçado e por Zeca, que fugirá entregando-a a sua própria sorte.
A cerimônia transcorre dentro do previsto, feita a colação de grau, inicia-se o baile. Todas as pessoas importantes da cidade estão presentes, Lucas recebe um bilhete e sai para encontrar Marta, lindamente vestida, olhos apreensivos, mãos tremulas, ela corre ao encontro do amigo.
___ Minha querida... que bom vê-la aqui...
___ Ele veio?
___ O Ricardo?
___ O Zeca?
___ Sim minha querida, ambos estão aqui... o Zeca e o Ricardo
___ Você sabe Lucas... eu não vou me casar com o Ricardo... eu amo o Zeca... eu vou embora com ele
___ Como assim vai embora?
___ Eu vou fugir com o Zeca... eu preciso que você me ajude
___ Como?
___ Eu não quero que ninguém me veja aqui... vai lá e fala pro Zeca ir lá pra Igreja... mas não diz que sou eu... só faz ele ir até lá, pode fazer isso por mim?
___ Nunca vi, nem lin nem ei de escrever... um amor assim como o que une vocês dois... pode contar comigo.
Na Igreja o padre João se prepara para fechar as portas, quando percebe a presença de Ivete, de joelhos ela faz uma prece silenciosa, ele aguarda por um longo tempo, e se aproxima.
___ Filha? (Silencia ao contemplar o rosto banhado em lagrimas) eu posso ajudar?
___ Pede a Virgem Maria, só ela pode me ajudar... eu estou perdida...
___ Calma minha filha... A vida que você escolheu é dura por demais, uma vida de espinhos...
___ Eu não escolhi padre... foi ela que me escolheu...
___ Ela te escolheu...e você a aceitou... por que toda essa tristeza agora?
___ Eu estou grávida... vou ter filho...
Marta entra na Igreja e esconde-se ao ver o padre conversando com Ivete.
___ Virgem santa... mas vocês não sabem...
___ Não me condene padre...
___ Quem sou eu para condenar... se o Próprio Jesus não condenou
___ Eu me apaixonei padre...
___ Minha filha... nessa vida errante, não tem lugar pro amor verdadeiro.
___ Eu amo aquele peão padre...
Marta sente o coração disparar, sente que seu destino está estranhamente ligado ao infortuno daquela moça desconhecida.
___ São tantos peões que passam lá por aquela casa...
___ Mas ele é diferente, o Zeca é diferente... ele sabe o que amar... me amou com tanta paixão, com tanto desespero...
___ O Zeca... Deus do céu, ele é só um menino!
___ O José Carlos... eu vi ele de longe... ele está tão lindo... o pai do meu filho...
Marta leva a mão à boca... por pouco não solta um grito... Encolhe-se no canto...vendo Zeca entra na Igreja.
___ Você, mandou me chamar aqui?
___ O que é isso moça marcar esse encontro aqui na casa de Deus?
___ Eu não marquei...
___ Mas é muito bom que você esteja aqui... leve essa moça daqui e resolva esse problema
___ Eu não estou entendendo... que problema... o que ela está fazendo aqui?
___ Isso ela vai te contar... vamos minha filha... se o que ela disse é verdade, você está bem encrencado rapaz.
Se esgueirando, Marta deixa a Igreja... uma prostituta grávida do Zeca, não era possível... vagou pela rua escura, queria chorar, mas sentia que as lágrimas havia secado estava tudo acabado. Quando deu por si, estava de volta ao salão de baile, entrou ignorando os comentários e comprimentos. Ricardo veio ao seu encontro.
___ Marta? Achei que não viesse... você está bem?
Marta o encara como nunca havia feito, se não tivesse tão machucada, teria visto naqueles olhos todo o amor pueril que transbordava da alma de Ricardo.
___ Você quer mesmo se casar comigo?
___ É tudo o que eu mais quero
___ Marque o casamento, e, por favor, me leve pra casa, estou com muita dor de cabeça.
Findada a festa, Lucas volta a escrever em seu diário
___ Só muito tempo depois eu vim saber o que de fato aconteceu naquela noite. Quando o dia amanheceu, José Carlos já havia ido embora, coincidentemente a mais bela mulata havia desaparecido do bordel para desespero do Coronel Geraldo Rivera, o casamento de Marta e Ricardo se realizou um mês depois, dizem que nunca se viu noiva mais linda e mais triste... Por mais atento que eu estivesse ainda hoje não entendo a estranha quadrilha que se formou... Marieta casou com Roberio que amava Macilene que casou com Juliano, Geraldo Rivera se perdeu de amor por Ivete que engravidou de Zeca, que amava Marta que se casou com Ricardo.
Seis meses depois do nascimento do filho de Zeca e Ivete, nasceu a filha de Ricardo e Marta, eu gostaria de terminar aqui dizendo que eles foram felizes para sempre... mas nossa história está apenas começando.
No hospital Marta recebe a visita do pai e dos sogros, dona Jandira toma a neta nos braços com afeto verdadeiro.
___ Se parece muito com você ... uma linda menina
___ Menina!?... espero que o próximo seja homem, tanto trabalho pra fazer esse casamento e me vem uma menina... o amigo fica sabendo que se sua filha não me der um neto macho nosso trato esta desfeito...
___ Pelo amor de Deus Homem... nossa neta acabou de nascer...
___ O próximo há de ser homem... descansa filha...
Os dois coronéis deixam o quarto, ignorando a perplexidade de Marta. Dona Jandira tenta consola-la
___ Não liga Marta... são dois xucros... O Ricardo vai ficar muito Feliz...
Vou levar ela para o banho, descansa.
Sozinha, Marta deixa extravasar sua indignação, a filha mal acabara de nascer e já era rejeitada... aceitará o casamento por despeito, embora reconhecesse os esforços de Ricardo para agrada-la...seus cuidados a irritava, achava ele fraco, manipulado pelo pai, o amor e as saudades que sentia por Zeca lhe esmagavam a alma. Tenta disfarçar as lagrimas ao ver Dona Maria entrar. Depois do casamento foi morar na fazenda Santa Cruz, sentia muito falta de casa e principalmente de Dona Maria.
___ Oh minha filha... como foi tudo? Cadê? eu já soube que uma menina, linda como a mãe.
___ Que bom ver a senhora... que saudade de casa...
___Minha menina... eu também sinto tanta falta...
___Me fala dele... a senhora nunca quis me contar, eles rejeitaram minha filha... disseram que o próximo vai ser macho... estou tão infeliz... por favor me fala... ele esta feliz?
___ Menina... você não esquece?
___ Nunca... eu penso nele cada dia... cada instante... quanto mais eu tento matar esse amor, mas ele cresce aqui dentro... parece que eu vou sufocar... (Ricardo para, atrás da porta entre aberta, amassa contra o peito o boque de rosas que traz, e ouve da boca de sua amada, o motivo pelo qual ela nunca poderia ama-lo.) Eu não posso ter outro filho do Ricardo, eu não suporto quando ele me toca...
___ Não diz essas coisa filha...
___ A senhora sempre disse que me ama como seu fosse minha mãe... por esse amor me diz... O Zeca me ama?
___ Sim, sim...ele não esquece... esse amor de vocês é grande demais...
___ Eu amo o Zeca com todas as forças da minha alma... (Ricardo deixa cair as flores, e foge dali...escondido no banheiro chora)
___ Você precisa descansar...
___ Ele é feliz com aquela mulher?
___ Não... meu Zeca não é feliz...ele só fez aquilo por que tava doido de ciúme... quando viu que você ia casar... ela deixou ele e o menino... meu Zeca ta sozinho...
___ Eu vou deixar o Ricardo... Vou sumir daqui com a minha filha
___ Não diz besteira menina... seu pai nunca que vai...
___Ele nem olhou pra minha filha... eu não quero mais saber dele... eu estou com muita raiva do meu pai...ele acabou com a minha vida...
___Ja chega... quietinha... você tem que ficar forte... pra dar bastante leite pra menina...
___ Eu vou ficar... vou ficar forte, minha filha também vai ser muito forte, ela nunca vai passar por isso... vou pra capital.... vou encontrar o Zeca e nós vamos ser muito feliz.
Lucas se surpreende ao receber Zeca em sua casa
___ Zeca... meu amigo... eu não sabia que estava na cidade... quando é que chegou rapaz?
___ Hoje... minha mãe foi lá ver ela... ela teve uma filha do Ricardo
___ Zeca... meu Deus você continua apaixonado pela Cotovia!
___ Me vê ai uma coisa pra beber... Meu peito ta explodindo amigo velho! (Zeca não segura as lagrimas que transborda da alma)
___ Eu também preciso beber...
___ Eu não entendo... por que ela casou com ele?
___ Por que você engravidou a Ivete?
___ Eu fiquei com tanta raiva, quando vi aquele maldito levando ela... eu bebi... bebi muito... eu nunca tinha dormindo com uma mulher... foi no dia do aniversário...do noivado da Marta... (Toma a bebida num gole só) depois ela veio me dizer que tava grávida... aquilo é doida de pedra, disse que cansou da vida direita, largou o menino lá comigo e caiu na vida.
___ Eu não sei nem o que dizer... aquele dia da nossa formatura, era pra você ter encontrado a Marta na Igreja...
___A Marta? Ela estava na Igreja?
___ Ela me pediu pra fazer você ir lá... disse que ia fugir com você, Deus do seu que ironia... ela foi lá te encontrar ...
___ Ela ia fugir comigo?
___ Sim meu infeliz amigo... Depois que você foi embora levando a Ivete grávida... a vida perdeu o sentido pra ela... sua partida calou a voz da doce cotovia que se curvou diante do destino.
___ Desgraçado destino! Desgraçado do Ricardo Rivera... eu não posso me curvar... eu não posso viver sem a Marta, é como se faltasse um pedaço de mim ... Eu preciso vê-la.
___ Não diga tolice... ela esta na maternidade...acabou de dar a luz, e esposa do nosso amigo Ricardo
___ Ela é feliz? Se é, eu vou embora, e vou viver pra sempre com essa dor... agora se ela não é feliz, eu vou lá e arranco ela daquele hospital, basta ela me dizer que sim.
___ O Ricardo ama a Marta...
___ E Eu odeio o Ricardo com todas as forças da minha alma
___ Ele não tem culpa...
___ Me ajuda... eu preciso ver a Marta... não sei como...mas eu vou naquele hospital
___ Não faz nenhuma loucura... ela te ama... Deus eu nunca vi um amor desses, mas ela não vai deixar a filha...
___ Eu levo... levo ela e a filha... aquele desgraçado não vai se importar... todo mundo sabe que o casamento foi arranjado por que eles queriam um herdeiro.
___ Nós estamos falando do Ricardo... nosso amigo... você não Pode ficar cego...
___ Se não vai me ajudar eu faço sozinho.
Marta passou a noite sozinha, a ausência de Ricardo aumentou ainda mais sua magoa, ignorando que ele estivera no hospital e ouvirá sua conversa com dona Maria, estendeu ao marido toda a raiva e desprezo que sentia pelo pai e pelo sogro. Antes que o dia amanhecesse Lucas e Zeca entram no hospital.
___(Marta desperta com o choro da filha), Calma meu amor... mamãe está aqui... somos só nós duas, vou te levar pra longe desses malditos. (Assustasse ao ver os Dois)
___ Zeca!
___ E eu... Ei a pequena cotovia herdou os pulmões da mãe... (pega a bebê dos braços paralisados de Marta que parece hipnotizada pelo olhar do seu Zeca!) Precisam se apreçar... Minha querida seja qual for sua decisão estou do seu lado.
___ Ela é linda... linda como você, minha menina...meu amor!
___ Zeca... você veio me buscar? Me leva embora daqui meu amor!
Lucas vigia a porta, apertando a pequena Marta contra o peito, sentindo-se a mais infeliz criatura, tinha por Ricardo o mesmo afeto que o unia a Marta e Zeca, sentia o peito comprimir imaginado a dor de Ricardo ao perder a filha e a esposa amada.
___ Que trama diabólica é essa na qual me envolvo? Deus é possível que esteja ai? A divertir-se com esse trágico desfecho... Que esse anjo possa guiar tantos corações e almas despedaçadas.
Ricardo abre a porta do quarto do hospital, desesperado... na cama um pedaço de papel. “Desculpa Ricardo... vou cuidar bem da nossa filha, Adeus!”
___ Marta!!!
O Brado que se ouviu, ecoou por toda a pequena Colibri, As garças se esvoaçaram... os rebanhos das fazendas Jequitibá e Santa Cruz se apartaram... amigos e familiares correram pra rua... Enquanto Lucas dirigia para longe o velho carro da família levando José Carlos, Marta e a pequena Kátia Mendonça Rivera.
Dois anos se passam, e Marta está novamente na maternidade, José Carlos com a pequena Kátia nos braços vai ao encontro da enfermeira que anuncia.
___Mais uma linda menina!
Nos braços de Marta, Cristiane Mendonça Pereira anuncia ao mundo sua chegada, seu choro forte não deixava dúvida, ela seria a mais brava das Mendonças, as pequenas e frágeis mãozinhas segurariam as rédeas da vida guiando a carruagem do destino.
Na pequena capela diante da imagem da sagrada família, no semblante endurecido de Ricardo Rivera quase nada há do menino inseguro que gaguejava diante das ordens paternas. Ele permanece imóvel ignorando a voz terna de Francisco... agora frei Francisco.
___ Ricardo... Que a sagrada família guie seus pensamentos...
___ Onde ela está? (Ricardo encara o amigo, que dá um passo para traz diante da frieza de sua voz) Onde está minha filha?
___ Eu já lhe disse tantas vezes... eu não sei
___ Aquele miserável sabe... onde é que ele está? Onde está o maldito do Lucas?
___ Por Deus Ricardo...
___ Não quero saber do seu Deus... não foi para isso que eu vim aqui... não minta pra mim, eu sei que o Lucas está nesta cidade, todos eles estão aqui... eu procuro a minha filha tem dois anos...dois anos que aquele desgraçado me roubou a Marta e a minha filha.
___ Não sabe como o Lucas sofre...
___ Sofrimento... quem é você para me falar de sofrimento? Todos vocês me traíram...
___ Você está cego pelo ódio... aquele casamento não podia dar certo...
___ Vou perguntar pela última vez... Onde eu encontro o maldito Lucas?
___ Aqui!
Ao ouvir a voz de Lucas atrás de si, Ricardo avança sobre ele, que se deixa esmurrar pelo antigo amigo. Ricardo o agredi com tamanha fúria, que outros frades correm para segura-lo.
___ Pelo Amor de Deus... Ricardo!
___ Fala maldito, onde está minha filha?
___ Eu vou matar você... a Marta e aquele maldito...
___ Me perdoa meu amigo... me perdoa...
___ Você esta na casa de Deus Ricardo...
___ (Soltando-se das mãos dos frades, pega Lucas pela camisa) Fala... onde está minha filha?
___ Solta ele Ricardo... (Francisco o segura, fazendo com que ele solte Lucas que cai no chão) Eu falei pra você ficar lá dentro Lucas... chega Ricardo, vamos conversar.
___ Eu vou descobri... e vou matar aquele desgraçado... não adianta vocês continuarem escondendo eles... eu quero minha filha de volta.
Marta acorda assustada, e grita por José Carlos.
___Zeca...
___ O que foi amor? Vai assustar as crianças
___ Me abraça... eu tive um sonho horrível... você não pode voltar lá... não vai amor...
___ Já faz dois anos que não vejo meu filho... fica calma, não vai acontecer nada.
___ O Lucas disse que o Ricardo está procurando a minha filha... ele disse que vai te matar...
___ Que mata nada... o Lucas é um exagerado...sempre foi... não podemos ficar fugindo o resto da vida... meu pai está doente, preciso buscar o menino... já conversamos sobre isso. Já adiantei os dias da Dona Ceiça, ela vai te ajudar com as meninas enquanto eu estiver fora.
___ O Lucas pode trazer ele.
___ O Lucas é um bom amigo... já foi tão difícil pra ele nos ajudar... Não podemos esquecer o quanto ele prezava a amizade do Ricardo... vamos deixar ele fora disso, vou lá vejo meus pais, pego meu filho e vamos criar nossos filhos, feliz como sempre sonhamos. Um dia o Ricardo se conforma.
___ Ele não vai se conformar... eu tenho tanto medo... (contempla as filhas que dormem) ele não vai se conformar enquanto não pegar ela.
___ Calma meu amor... ele nunca vai chegar perto dela... eu prometo.
Num pequeno apartamento numa cidadezinha vizinha de Colibri Ivete embriagada recebe Geraldo Rivera,
___ Bebendo há essa hora? O que foi que te deu mulher?
___ Saudades do meu coronel... saco isso de ficar aqui trancada sem nada pra fazer... deixa eu voltar pra Colibri
___ Voltar pro Bordel? Eu deveria de quebrar essa cara de safada... uma vez mulher da vida é sempre mulher da vida...
___ Sou mulher da vida mesmo... e meu coronel gosta... Não gosta quando me faço de Aurora...
____ Hoje não... vá curar essa bebedeira, comprar uns vestidos novos...
___ Não quero mais vestidos...
____ E o que diabos você quer?
___ Meu filho... deixa eu voltar pra Colobri... só quero ver o meu menino
___ Filho daquele peãozinho que desgraçou a vida do meu filho... Se quer ir atrás dele vá... mas nunca mais bota os pés aqui.
___ Eu preciso ver meu filho... eu soube que o Zeca vai voltar e vai levar ele embora.
___ O que? aquele merda... vai ter a coragem de voltar?
___ O Zeca não tem medo de você nem do seu filho... eita peão valente...
___ Não fala nesse peão que eu perco a cabeça... se aquele maldito pisar em Colibri... só sai de lá num caixão.
Ivete se desespera ao vê-lo sair furioso
___ Ai meu Deus... eu essa minha maldita boca... Espera coronel...o que é que você vai fazer...volta aqui
Zeca Caminha pela Jequitibá... lembrando os dias felizes da infância ao lado da mãe e de Marta. Encontra a mãe e filho alimentando as galinhas. Ao vê-lo ela corre para abraça-lo.
___ José Carlos... você ficou doido filho... o que é que está fazendo aqui... se seu o patrão te vê ele mata você filho...
___ Oh mãe... é o Carlinhos... como ele está grande...
O menino se aproxima cabreiro, esconde-se atrás da saia da avó.
___ Ei peãozinho... vem cá, olha só o que eu trouxe pra você... (dando a ele um cavalinho de madeira)
___Cavalo vovó...cavalo... (corre pelo terreiro feliz da vida.)
___ Não deveria de ter voltado filho...
___ Vim ver o Pai...a senhora disse na carta que ele está doente
___ Ele não perdoa, a doideira que você fez... ele e seu Jerônimo vivem numa tristeza que dá dó... vai embora filho... o Ricardo anda feito doido dizem que colocou até detive atrás de vocês, não se conforma o infeliz... jurou te matar.
___ Eu não tenho medo do Ricardo... se o pai não quer me ver... eu respeito, vou levar o menino...e a hora que a senhora quiser... venho te buscar pra ver ele a Marta e as meninas... estão lindas.
___ Tenho muito trabalho aqui... o menino precisa de cuidado...vou sentir tanta falta dele é minha única alegria... não se demora aqui não, vai La pra dentro...vou arrumar as coisas dele, pega ele e não volta nunca mais aqui.
___ Arruma ele... tenho umas coisas pra resolver... não se preocupa eu sei me cuidar.
___ Virgem Santa... estou com um aperto danado no peito. Cuida do meu menino minha virgem...
O Crepúsculo envolve a cidade com seu cinzento mato, Ivete Perambula pelas ruas meio embriagada, Geraldo Dirige em alta velocidade, no bar Jerônimo toma num gole só um copo de cachaça e sai. Enquanto Ricardo Revê as fotos do seu casamento, Francisco ora na capela e Lucas bebe e escreve freneticamente.
Ouve-Se o Galo cantar, Marta salta da cama, dona Maria deixa cair o bule de café... Na praça da Igreja o corpo de José Carlos numa poça de sangue.
Segue-se o cortejo.
Longe Marta, ignora o choro das filhas, parte de si é sepultada junto com o amado.
Dona Ceiça, embala as pequenas.
Diante da lápide de José Carlos. Lucas escreve.
___ Eis que se apaga a ribalta, chega ao fim o primeiro ato dessa trama... sórdida trama ardilosamente tecida pelo destino! Quisera eu, infeliz de mim... ter sido mero espectador... Destino!? Deus!? O que foi que fizeste? Aqui, junto ao corpo do meu desventurado amigo, jaz a inocência, o amor o ódio... Ainda posso ouvir nossos risos ali no pátio da escola primaria, juras de amizade eterna, Eu o menino maluquinho cheio de invencionices, Robério desinteressado com as letras, Francisco... eita neguinho esperto murmurava a professora, José Carlos e Ricardo protagonistas dessa quadrilha macabra, apaixonados por Marta... Marta a doce Cotovia que nunca mais ninguém ouviu cantar. Morto seu amor, só lhe restou odiar, a si mesma, a Ricardo, a Ivete ao pai ao sogro... não importava quem puxara o gatilho a todos culpava. Zeca morto, Kátia e Cristiane por criar, nenhum sonho, nenhuma esperança só a labuta diária, dura como a sina de dona Maria, que uma semana depois de enterrar o filho assassinado, nunca se soube por quem, enterrou também o marido e seguiu a vida, criando o Neto José Carlos Pereira Junior e cuidado do Velho Coronel que dia a dia definhava, sempre sentado numa cadeira na varanda a olhar para estrada, como a esperar por alguém que nunca iria voltar.
PASSADOS 16 ANOS
2º PARTE
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