O Complexo Amor - Cap.2

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Lembro daquele momento como se fosse hoje. Vi abrir o portão, vestindo uma regata preta e um short jeans roxo, seus cabelos castanhos estavam presos e vinha com um belo sorriso estampado no rosto, sorriso este, que logo fora desfeito quando ela fitou os meus olhos, e descobriu finalmente quem era que estava no portão. O entusiasmo com que vinha receber-me, isso sem saber ser eu, dava a impressão de já ter alguém na qual alegremente esperava.

Se pudesse direcionar meus olhos em mim naquele momento, veria um jovem decepcionado, onde tanto a postura quanto todo o semblante revelariam minha total frustração. Demorei um pouco para abrir minha boca e começar a falar. Aline, por estar perplexa, também acabou ficando “muda”, mas foi ela a quebrar o silêncio, questionado de modo frio, qual o motivo de minha presença.

- Por que está me ignorando? – Não temi perguntar. Estava lá para isso, era a hora das respostas, porém naquele momento, tinha dúvidas se queria mesmo obtê-las, no fundo, tinha certeza de ser o fim.

- Não estava te ignorando, eu só... eu só... o que está pretendendo Leo? – Após gaguejar ela retrucava minha pergunta com praticamente a mesma indagação de outrora, e dessa vez em um tom raivoso. Eis, que me sentia mal por estar ali, pois com toda a certeza, não era desejado. Mesmo contrito e humilhado, resolvi continuar.

- Eu só quero saber o que está acontecendo? Por que você parou de falar comigo? Tem algum outro cara na jogada? Por favor eu preciso saber...

- Não, não tem outro cara! É só que... que... é só que num dá mais!

- Mas como assim não dá mais Aline? Eu não entendo? – Sentia-me desesperado por uma explicação, era tudo muito confuso, eu a via muito confusa. Ela raramente fitava os meus olhos enquanto falava, e a todo momento ela franzia a testa e sacudia a cabeça fazendo sinal negativo, como se já não falasse “não” ou “basta” para mim, mas para ela mesma. Era tenso e insuportável de se assistir. Dentro de mim, crescia uma vontade de desistir, de virar o meu rosto e ir embora, e acreditava ser a vontade dela também naquele momento, mesmo assim, eu continuava ali sem querer acreditar.

- Eu não sei. Eu só não quero mais! Leonardo por favor vá embora?! – Cabisbaixa e de olhos fechados, ela agora implorava a minha saída. Era frustrante.

- Mas? – Insisti.

- Sai! – Ela gritou irada.

Então eu saí. Me virei sem olhar para trás, entrei em meu carro, e acelerei sem destino em mente. Confesso que não suportei o peso das lágrimas e permiti que elas vazassem. Alguns dias mais tarde, eu voltaria a procurar aquele primo e amigo dela, para perguntar a ele se Aline tinha algum amante, e “não que eu saiba” fora o que ele me respondeu. Talvez, lá no fundo, seria mais fácil para mim acreditar que tudo havia acabado por causa de uma outra pessoa. Pois assim sendo, retirava, de certa forma, um peso enorme das minhas costas, que a todo instante culpava-me por tudo, mesmo meus olhos soberbos não conseguindo encontrar nenhum defeito em mim.

Nunca mais eu a vi, nem tive notícias dela, com exceção de um pequeno e constrangedor trocar de olhares, algum tempo depois de tudo aquilo. Pelo meu próprio bem, decidi cooperar para o fim, me afastando.

***

A tristeza substituirá toda a paixão, e ficou comigo ainda por vários meses. Naquele dia em questão, lembro de ter chegado em casa, sentado sobre a cama angustiado, tomando folego para então começar a se desfazer do passado. O primeiro objeto de minha lista era a torturante foto sobre minha escrivaninha. Tomei-a em minhas mãos, enquanto recordava daquele dia. Aquele parque fazia parte de um evento regional que acontecia apenas uma vez por ano, e todos da região iam se divertir, iria fazer um ano completo que nós estávamos juntos, e decidimos juntamente comemorar naquele parque. Erámos ingênuos e adorávamos brincar, só na Montanha-Russa, fomos mais de cinco vezes, só para ficar olhando a todos lá do alto, pois era admirável ver toda aquela gente ali reunida e feliz, comprando fichas de brinquedos e doces para suas crianças. Todas aquelas luzes, onde a iluminação amarela era predominante, mesclado com as barraquinhas verdes, azuis e vermelhas, cercadas por pinheiros, e o céu, azulado, quase escurecido, que já deixava avista suas estrelas a brilhar, parecia uma linda obra de arte. Ao meu lado, igualmente maravilhada, estava ela, apertando a minha mão, vestia um vestido rosa, e tinha um olhar radiante, então eu permitia-me deixar de olhar a paisagem ao fundo, para poder contemplar à beleza em minha frente. Finalmente fixos um no outro, não demorava muito para que envoltos no encanto, entregássemos aos beijos.

Aquela lembrança fez-me agir no ímpeto com ira, arremessando com todas as forças o porta-retrato no chão, estraçalhando todo o vidro no chão do quarto. Tremia de ódio, e sentia-me mal por isso. Queria ter força para fazer como as pessoas sábias, simplesmente virar a página e seguir em frente, mas não conseguia fazer isso, principalmente naquele momento, quando tudo era tão recente. De qualquer forma deveria seguir em frente.

Me dirigi então até a lavanderia que ficava na parte de trás da casa, encostado na parede da cozinha, para pegar uma pá e a vassoura, juntamente com um saco preto de lixo, era a hora de fazer uma limpeza geral.

Cada objeto simbolizava uma lembrança, que exigia de mim um grande esforço para desfaze-la de minha memória. Fotos, alguns presentes, e até um ursinho de pelúcia gigante ao lado do meu guarda-roupa que ficava de frente a minha cama, tratava-se de um presente comprado adiantado para Aline com o motivo de comemorar nossos três anos de namoro que se completaria na semana seguinte. Ela sempre ficava entusiasmada nas vésperas de nosso aniversário de namoro, ligava-me cedinho para nos parabenizar e a noite geralmente nós íamos a uma lanchonete próxima de casa que ela gostava.

Não ousei torturar-me por mais nem um segundo, peguei o urso e o saco de lixo e coloquei tudo na caçamba de lixo, do outro lado da rua, e fiz questão de arrumar direitinho, para que o bichão de pelúcia não chamasse muita atenção de quem passasse por ali, ou viesse colocar seus lixos também naquela caçamba.

Pronto! – Pensei comigo – agora poderia finalmente descansar meus pensamentos, ao menos parte do grande mistério estava resolvido. Mesmo sem saber o motivo exato, era nítido o semblante duvidoso por estar insatisfeito que ela me fazia. Modéstia parte, sempre me concederei um bom companheiro, não era certo para mim aonde não a satisfiz. Era mais fácil acusa-la de ser problemática, e culpada de tudo aquilo, e nas semanas que se seguiriam, fora justamente o que fiz quando alguém me vinha perguntar por que tínhamos terminado, pois sentia-me melhor ultrajando-a.

***

Passados, quase dois meses, começava a me recompor, aceitando convites que meus amigos me faziam, no intuito de aumentar minha baixa estima, eles se usavam de uma tática psicologicamente injuriante, pondo diante dos meus olhos a hipótese de Aline estar no maior astral já com outro cara enquanto eu ficava ali me privando de tudo e de todos. O programa era sempre o mesmo, nós saiamos todos juntos e íamos até um bar, na rua Eduardo Tomanik, próximo ao Shopping Palmeiras, beber cerveja o bastante para ficar bêbado e começar a tarar garotas que nós nem conhecíamos o nome. Como uma anestesia, aqueles passeios serviam para tirar-me da “fossa” por alguns momentos. Quando enfim, voltava para casa, caindo de bêbado, tinha de suportar minha mãe, Rose, vestida de pijama e chinelos, com os cabelos curtos todo despenteado, e um olhar de afronta, pois reprovava a minha atuação.

- Você é e sempre foi um menino tão bom, tão comportado. Todo mundo da vizinhança vinha até mim elogiar você, por que falavam: “Nossa! Eu nunca vejo seu filho pela rua. Está sempre dentro de casa. Como ele é comportadinho”. E agora olha ai! Chegando bêbado em casa! Você por um acaso sabe que horas são?

- Ai, mãe, amo seu extinto maternal. – Respondia dando risada, enquanto dirigia-me cambaleando até a geladeira na cozinha, para pegar água. Bêbado e sem nenhum modo, não se dava ao trabalho de despejar a água em um copo, preferia beber ali mesmo na boca do recipiente. Minha mãe só faltava ficar louca, e retornava ao seu quarto aos berros, criticando-me, em resposta eu gritava em tom sarcástico: - Nós temos vizinhos!

Mesmo achando naquele momento tudo tão engraçado, eu sempre acordava no outro dia reprovando as minhas próprias atitudes na noite passada. Me levantava da cama, arrumava-me para ir trabalhar como estatua da biblioteca municipal Prof. Nelson Hand, pois ficava o dia sem fazer grandes coisas lá, e durante todo esse tedioso tempo, voltava a me culpar. Não compensava o efeito anestésico, eu estava ficando casando, e minha mãe também já não aguentava mais, e sabia que ela falava sério. Ela dizia que ao invés de procurar ajuda na folia, eu bem poderia ir junto dela a igreja nos domingos, mas meu preconceito sempre falava mais alto, e eu dispensava tal programa sem nem mesmo pensar sobre o assunto.

- Shake, você não acha que eu sou o cara perfeito para qualquer mulher? – Perguntava para o Shakespeare, um homem de trinta e sete anos que se achava um fracassado por trabalhar numa biblioteca vazia e por se ver sempre tão desgostoso, vinha trabalhar desarrumado e com cara de tédio. Além dele, trabalhava junto a nós Bianca, uma jovem de dezoito, de longos cabelos loiros e muito bonita, ela tinha uma risada hilária, por ser escandalosa. Juntos, eu e ela, foi quem havia dado ao nosso colega o apelido de Shakespeare, o nome dele na verdade era Ubirajara, mas por ser tão complicado quanto, e pelo fato dele viver lendo o grande poeta inglês, achamos melhor lhe renomear. A barbicha, a cara pálida e o cabelo preto despenteado jogado para os lados, cooperava para o apelido.

- É para responder com sinceridade? – Indagava ironicamente.

- Sabe, eu sou romântico, poético, razoavelmente belo, tudo o que uma garota desejaria. Não consigo compreender porque ela se achava tão insatisfeita.

- Esquece essa patricinha Ribeirinho! – Respondia-me Bianca saindo de trás de uma prateleira de livro e vindo em direção a recepção onde me encontra apoiado no balcão com Shakespeare lendo o seu chara, sentado ao meu lado. Ela me chamava daquela forma, pelo fato de meu sobrenome ser Ribeiro, era a única pessoa que me chamava assim.

- Essas dúvidas na minha cabeça não me deixam esquece-la.

- Como o amor é lindo! – Zombava o poeta ao meu lado. Rebatia todas suas piadas com indiferença, ignorando-o.

- Olha Ribeirinho, você é um cara muito legal, e não tem que perder seu tempo pensando naquela outra lá não! Você merece muito mais! Se quiser, você sabe a hora que eu saio do serviço, e eu adoro cinema. – Após lançar o convite, deu uma piscadela e soltou sua famosa gargalhada. Ela era muito engraçada e sabia alegrar o meu espirito.

- Bia eu também adoro cinema. – Respondia Shakespeare em meu lugar, com um olhar de malicia.

- Aff... me erra, Seu. Ubirajara!

Aquela dupla de comédia sabia alegrar meu dia, e bastava um pouco de tempo com eles, e quase que podia me sentir renovado. Sentia que Bianca estava certa, eu deveria elevar a minha estima, e seguir adiante. E conclui também que não conseguiria fazer isso afogando a minha mágoa em um copo de cerveja.

Eu tinha sonhos e planos com Aline, e o fim do nosso relacionamento acabou frustrando todos eles, e forçava-me a repensar sobre minha vida, pois o tão almejado e planejado futuro ao lado dela não aconteceria mais, tinha de tomar um rumo novo, construir um caminho novo.

A que mais ficou feliz por me ver se recuperando, obviamente foi a minha mãe, dando graças à Deus por eu ter “colocado minha cabeça no lugar e tomado juízo”, era assim que ela me dizia. Entusiasmado com a alegria dela, resolvi alegra-la ainda mais aceitando seu convite de finalmente ir à igreja, mal sabia eu que aquele simples programinha religioso para o domingo, mudaria completamente a minha vida.

E Rodrigues
Enviado por E Rodrigues em 15/01/2016
Código do texto: T5511556
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