O Complexo Amor - Cap.1
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Amor, uma palavra simples, mas de significado extremamente complexo.
Sentado diante de uma escrivaninha, conseguia enxergar apenas alguns livros embolorados, e um caderno quase todo em branco. Na gaveta abaixo da escrivaninha, sabia eu, provavelmente, encontraria alguns lápis de tamanho médio, devido as várias vezes que já teria sido apontado, algumas borrachas finas também, e canetas na cor azul. Vazia três semanas em que estava praticamente preso a aquele quarto. Mal sabia onde estava, a única informação que tinha era que o lugar ficava um pouco adiante de Belo Horizonte.
Havia sido levado às pressas aquela casa, pelos meus fiéis companheiros, depois daquela grande confusão em frente ao prédio luxuoso e abandonado. Mãos fortes segurando cassetes batiam em mim e em meus companheiros, reprimindo-nos. Tinha em meu corpo vários hematomas e cortes profundos recém cicatrizados. Na primeira semana após o conflito, mal podia me levantar da cama em que fora posto. Com os olhos extremamente inchados, conseguia ver apenas reflexos do barraco velho onde estava hospedado.
A luta e a repreensão não me deprimiam, pelo contrário, me davam ainda mais força para protestar. Naquela casa, não estava sozinho, e todos os dias, meus amigos davam em minha boca uma sopa rala, porém fortalecedora, e aos poucos, fui retomando minhas energias, a ponto de já conseguir ficar sentado e poder andar cambaleante.
Tudo o que queria era sair de lá para prosseguir com o manifesto, no entanto a voz da razão em meu consciente sabia que naquele momento infelizmente, ainda não era possível. Estava predestinado a ficar naquele quarto durante ainda muitos dias até que minha saúde corpórea estivesse totalmente recuperada. Aos poucos fui tomado pelo tédio e passei a sentir-me um inútil. Mas eu ainda podia escrever – pensava – e a escrita com toda a sua sutileza natural, pode mudar muitas coisas. Foi então que comecei a pensar em escrever sobre a luta de cada dia a qual, populações periféricas e até mesmo mendicante, eram obrigadas a enfrentar. No entanto a cada linha escrita, onde expressava minha comoção com aquele povo, o meu povo, ficava mais nítido o quanto eu os amava.
Escrevi, escrevi, apaguei e rasguei, até que finalmente cheguei à conclusão de que não era sobre política ou lutas populares que deveria “falar” especificamente, e sim sobre o amor, o tão complexo amor.
***
Eu era muito jovem, tinha uns dezoito anos, desconhecia muitas coisas, e estava diante de várias novidades. Aline e eu já estávamos juntos faziam três anos, e cada momento que ficávamos juntos era para mim, um momento mágico.
De braços abertos, entregava-me aquela paixão, comtemplando aqueles sentimentos magníficos que nos envolvia. Conseguia compreender claramente os gregos, que diante do chamado Eros, ficaram tão perplexos, que decidiram divinizar o dom.
Não era a minha primeira namorada, mas era a primeira que eu realmente queria compromisso mais sério.
Tudo nela me cativava. Os lábios rosados de menina, o olhar incerto que rodeava todo o ambiente ao redor, os cabelos macios, na qual de vez em quando, de modo tímido e sorrateiro, deixava escorregar minhas mãos.
Não havia um dia sequer, que não nos contatava-nos, porém, de uma hora para outra, foi como se ela tivesse desaparecido. Não respondia as minhas ligações, e nem sinal de sua presença eu tinha. Com medo de apagar o fogo da paixão, comecei a desesperar-me. Contatei todas as pessoas próximas a ela. Seu primo e melhor amigo me dizia que ela estava bem, e que não havia dito nada a ele, principalmente sobre nós dois.
Era inacreditável! Como, dois seres que nasceram para viver um para o outro, podem estarem bem, estando separados? Impossível! Eu não estava bem – pensava – como pode, então ela estar?
Lembro-me que era tarde, o sol reluzia no céu, enquanto, apoiado no muro amarelo vibrante de uma casa numa rua que carregava o nome de um grande romancista, Graciliano Ramos, discava o número da Aline, pois precisava falar com ela e matar o que estava me matando. A minha agitação, reflexo de meu desespero, marcava presença naquela rua tranquila com suas casas de estética agradável e seu asfalto feio e remendado de cimento e camadas finas de piche.
A ligação ficava chamando... e chamando, até que depois de chamar por três vezes, ela resolveu atender. E quando enfim isto ocorreu, lembro de ter sentido meu coração saltar em meu peito. Não sabia como seria recebido e nem o que exatamente iria falar, era tudo muito confuso e aquilo perturbava-me por inteiro.
- Fala Leo? – Atendia, com um tom de cansaço na voz, como se a minha presença na ligação à enfadasse.
- Oi amor, é que você sumiu, e, eu fiquei com saudades, sabe?!
- Eu andei meio ocupada, mas fala o que você quer?
Nossa! – Pensei comigo - não conseguia acreditar no que estava ouvindo, depois de dias sem nos contatar-nos, tudo o que eu queria era uma recepção calorosa, cheia de saudade no tom da voz. Não esperava, realmente, que ela me atendesse daquele jeito, confesso que até fiquei sem fala por alguns minutos, tentando desvendar o motivo de toda aquela frieza.
- Nada! Quer dizer, eu só queria falar com você, eu senti saudades poxa! – Desabafava, quase caindo em prantos, sentia-me frustrado.
- Tá! Então... foi bom falar contigo, agora eu tenho que desligar, depois a gente se fala. Tchau!
E ela desligou. Dentro de mim, não sabia o que pensar. Resolvi sentar na calçada, encostar minha costa na parede, e ficar olhando os girassóis plantados em vasos na casa à minha frente, do outro lado da rua, enquanto refletia sobre o que estava acontecendo. De repente, foi como se a minha memória tivesse aberto todas as suas portas e deixado um turbilhão de lembranças passadas sair, para começarem a reviver diante dos meus olhos.
Aline era tão carinhosa, exalava de dentro dela um medo enorme de me perder, achava que eu era seu príncipe encantado, ela tinha quase dezessete anos, e me fantasiava por inteiro na cabeça dela, eu, por outro lado gostava, pois se sentia amado. Acreditava ser impossível todo aquele encanto que ela mesmo havia cultivado, acabar assim, tão de repente. Isso sem dizer as incontáveis semelhanças, que em muito ajudavam para nos unir ainda mais. Ela, por exemplo, adorava ler, habito na qual também era adepto. Nós trocávamos livros um com o outro, ela preferia um romance, seu preferido era “O Morro dos Ventos Uivantes”, da Emily Bronte, já eu, livros de mistério, como “Assassinato no Expresso do Oriente” da Agatha Christie.
Mas talvez, nós não fossemos tão parecidos assim, e nem concordássemos com tudo igualmente, algo que sempre ficou-me desconhecido, pois Aline nunca me contestava, e seus olhos de ressaca nunca me revelavam nada.
Recordar estes detalhes naquele momento me deprimia, pois, a sensação que tinha é como se eu já a tivesse perdido e que agora só me restava as lembranças. Para não deixar que estes flashbacks me deixassem melancólico, resolvi levantar e seguir andando de volta para a minha casa, que ficava numa rua sem saída chamada Raul Zomignani, no Jardim Liberdade, o que dava a confortável sensação de clausura, tudo o que precisava naquele momento para afastar aqueles pensamentos ruins, “tudo voltaria ao normal em breve e nós ainda seriamos felizes para sempre” – repetia para mim mesmo. Mas a medida que caminhava, a cada passo, uma nova dúvida, um novo pensamento surgia dentro de mim. A voz que questionava o “por que” em meus ouvidos era insistente, e via-me forçado a solucionar esse mistério, para o meu próprio bem, pela própria paz.
Qual seria a causa de tudo isso? Será que Aline encontrou um outro amor? – No mesmo instante, sacudi a cabeça, enquanto dizia: “Deixe de pensar besteira, isso jamais!”
- Ei! Leo! – Ouvi então, do outro lado da rua, alguém que me chamava.
Quando me virei para ver quem era, eis que vi um velho colega, de jaqueta de couro e com óculos de grau alto, e senti um alivio, pois ali estava alguém, que talvez, poderia me auxiliar nessa verdadeira perturbação.
- E aí Leo, como vai? – Perguntava Bruno, sorridente.
- Bem ... bom, eu estou bem e você? – Rebati o cumprimento sem graça, não conseguia disfarçar meu semblante confuso e abatido.
- Nossa! Você está bem mesmo? Tá com uma cara estranha. O que houve?
Agora começa o desabafo – pensei – era tudo o que eu precisava, tirar este encosto de cima de mim, esta incompreensão, que ameaça tirar o meu sossego.
- É, na verdade, eu não estou muito bem não, será que você não poderia me ajudar cara, é que sei lá ...
- Não, Claro! Pode contar comigo Leo! O que te aconteceu?
- Vamos comigo lá em casa, daí lá eu te conto tudo.
Ao chegar em casa, a encontrei vazia, aparentemente minha mãe não estava. Pedi então que o Bruno se sentasse no sofá da sala, e corri na cozinha, que era logo ao lado, separado da sala de estar apenas por um balcão de mármore negro, com a justificativa de que iria pegar algo para ele beber, ele afirmou estar confortável e que, portanto, não queria nada. Na verdade, eu estava querendo é pegar um copo de água gelada para mim.
- Mas então fala ai Leo, o que foi que aconteceu? – Gritava meu amigo da sala.
Na hora, eu não sabia como começar a história. Sempre fui muito fechado, e conservava meus problemas para mim mesmo, só que a situação, meio que, obrigava-me a implorar por ajuda, nunca havia se envolvido tanto com alguém e saber que este alguém agora passava a me ignorar, era extremamente confuso e frustrante.
- Nada, é sobre a Aline, sabe?!
- Essas mulheres. – Correspondeu, com uma risada irônica.
- Então, ela não fala mais comigo faz algum tempo e hoje quando eu liguei pra ela, ela foi super fria, sabe!? E falou tudo bem rápido, quase que desligando na minha cara... quer dizer, quase não, ela desligou na minha cara!
A expressão no rosto de Bruno era de indiferença, eu sabia o que ele iria falar antes mesmo dele abrir a boca, só pelo seu semblante. Achava-me precipitado, e talvez eu fosse mesmo, talvez o simples fato de há tempo não ter cultivado mais intimidade com Aline me deixasse histérico. Eu me sentia como alguém que não conseguia controlar os próprios sentimentos, principalmente a indignação, algo que sempre me ocorria quando não era correspondido da forma que desejava.
- Eu acho que você está fazendo tempestade no copo d’água Leo. As vezes, sei lá, ela pode ter estado ocupada ou então, sei lá...
- É, ocupada, foi o que ela falou. – Respondi, o interrompendo.
- Então cara!
Então... então, nem eu sabia o “por que” do meu sufoco todo. Estava eufórico, e isso vinha de dias. Não sabia realmente o que me incomodava. Ao mesmo tempo em que a culpava, sabia dentro de mim que o problema era eu, e não ela. Existia uma carência dentro de mim, carência esta, que pareceu estar sendo saciada pelos carinhos de Aline, bastou algum tempo sem esses carinhos, e esta carência voltou a gritar. Era só o começo, eu ainda sofreria muito com ela.
Mesmo assim, estava decidido em resolver aquele mistério, pois ainda era um mistério. Sentia que não conseguiria descansar até chegar ao final daquela história.
- E se ela tiver um amante?
- Não viaja Leo! – Foi o que ele me respondeu. Bruno, era incapaz de me ajudar. Mudei de assunto, e comecei a jogar conversa fora com ele por quase duas horas. Não via a hora dele ir embora para que eu pudesse ficar sozinho e corroer-me em meus pensamentos e minhas dúvidas.
Logo que ele saiu, corri para o meu quarto, fechei a porta, deitei em minha cama e fiquei olhando para o teto. O verde musgo daquele quarto me distraia um pouco. Comecei a passar meus olhos por todo o cômodo. Os pôsteres das bandas de Rock na parede, ACDC, Led Zeppelin e Ozzy. Na estante do canto esquerdo sobre a mesa onde ficava meu computador, meus gibis bagunçados chamou minha atenção com todos aqueles heróis, havia alguns dentre eles que fora ela quem me havia dado, pois conhecia os meus gostos. Virei o rosto para o lado e vi sobre minha escrivaninha uma foto minha com Aline, juntos, abraçados no parque de diversões, que se mostrava mais ao fundo do retrato, quase totalmente encoberto pelos altos pinheiros. Preferi então, virar para o outro lado, e repousei minha visão sobre uma pequena cômoda, em um abajur cor de limão.
Ficava a imaginar se ela seria capaz de me trair. A infidelidade sempre fora vista por mim como um dos piores pecados de todos. Meu pai traia a minha mãe, e eu tinha de ficar com ela, enquanto essa chorava. Sofri junto dela, e a cada traição, a dor e o drama eram compartilhados. A simples lembrança me enojava. Não compreendia como alguém podia ser capaz de trair o companheiro ao lado, não entrava na minha cabeça que talvez, esse seria o motivo do desinteresse de Aline por mim naquele momento.
Peguei em minhas mãos o celular, e fiquei olhando para ele por alguns instantes, em dúvida se ligava para ela de novo ou não. Mas, como saber se ela não desligaria na minha cara novamente ou se ao menos atenderia o meu chamado. Se fosse para falar com ela, deveria ser cara a cara, deste modo, era impossível me ignorar. Precisava de uma resposta, e não descansaria até encontrá-la.
“Poderia ir até a casa dela amanhã mesmo” – começava a planejar – perguntaria a ela tudo o que gostaria de saber. Tinha esperança de uma solução, em conjunto, poderíamos resolver tudo aquilo. Com a mente divagando para muitos lados, acreditava também na hipótese de tudo não passar de um mal-entendido, mesmo sendo muito estranho tudo aquilo.
Não demorou muito para que tomasse uma atitude, pois, já era certo de que não obteria paz, ficando deitado a divagar pelas ideias. Num pulo, saltei da cama, e corri para fora de casa. Precisava saber o que estava acontecendo, e precisava saber naquele momento! Nunca fui do tipo paciente, e sentia-me sufocado com a situação.
***
Praticamente, voei com meu carro da minha garagem até a casa de Aline, um pouco próximo dali, passando a Avenida Atibaia numa ruazinha modesta chamada Nilo Peçanha. Logo que cheguei aquele local carente de cor, paredes apenas rebocadas e rodeado por um muro alto, que também era cinza, e no centro um portão vermelho vinho, com a mesma rapidez, sai do automóvel e fui em direção a campainha, hesitei em tocar, mas não ousei voltar atrás.
Logo após tocar, ouvi passos que vinham em minha direção, acompanhado por uma voz que avisava já estar chegando. Era ela, e eu me sentia preparado, pois havia chegado o momento.