O FATOR CAOS capítulo 11: A batalha de Andrômeda

CAPÍTULO 11


A BATALHA DE ANDRÔMEDA


Salk e Leiber, fazendo das engrenagens coração, seguiram Andrômeda. A mascarada investiu sobre os monstros que buscavam cercá-la e esmagá-la; inutilmente, pois a espada Jedi começou a fazer estragos. Andrômeda espalhou braçadas e pernadas em ritmo frenético e logo os esqueletos foram se desmontando e espalhando suas ossadas pelo piso. Caveiras caíam, soltando-se de descarnados pescoços, e todas as tentativas de tocá-la falharam. O Padre Oronte dissera: “Uma virgem consagrada não pode ser ferida por objetos movidos pelo Mal”.
Salk e Leiber quase não interferiram. Andrômeda lembrou-se deles:
— Não se importem comigo! Vão cuidar da equipagem! Peguem Liz e vão à luta!
-E parem de se abraçar, seus covardes! Esses esqueletos não são de nada!
Sonia prosseguiu em seu combate, desmontando um a um os esqueletos com sua espada Jedi, recebendo apenas alguns rasgões na roupa. Quando se livrou de todos eles a Serpente reapareceu no fundo do salão, ao lado da porta do refeitório, com sua gargalhada histérica soando novamente:
— Guerreira maldita! Pois de nada adiantará sua espada Jedi! Chamarei a Grande Salamandra e ela acabará com você! Ninguém pode vencer a Grande Salamandra!
Jogou seus magnésios no ar, provocando o aparecimento de chamas flutuantes, ergueu as mãos com unhas pontiagudas e começou a recitar um encantamento maligno:
— Ó Grande Salamandra, ó potestade das chamas! Tu, que te alimentas do sofrimento dos que morrem queimados, vem, manifesta-te visível com teu poder e devora com tuas chamas irresistíveis essa atrevida que ousa desafiar os Grandes Antigos! Vem, Grande Salamandra, e aniquila Andrômeda e seus aliados!
A Serpente prosseguiu em sua ladainha, já agora utilizando palavras incompreensíveis de uma língua morta:
“Ju’ thikguest ôôpml Tallannfef’ndôr alml utta gok’ir...”
Sonia lembrou-se dos seus estudos de línguas antigas e julgou identificar aí algum dialeto de Valúsia, do tempo do Rei Kull.
Luana ia prosseguir com a litania, quando um raio a atingiu em cheio no peito, lançando-a por terra já nas convulsões finais da agonia, enquanto uma fantasmagórica figura comprida e vermelha, que começara a se desenhar no ar, desvanecia-se inofensivamente.
Recolhendo a lâmina de luz de sua espada Jedi, Andrômeda se aproximou do cadáver de sua inimiga.
— O problema dessas invocações malignas é que elas são muito demoradas — comentou ironicamente.
Ultrapassou a porta de vai-vem do restaurante... só para ser atacada por um gordo e feio sapoide que se aproveitou do desligamento da espada. Sonia guardara o crucifixo e o atacante acertou-lhe o braço, fazendo cair a espada.
O sapoide era um ser masculino da altura de Andrômeda, mas com duas vezes o seu volume, trajando um uniforme pseudo-militar, com botas e divisas de tenente-coronel. Mas era um volume balofo. Andrômeda chutou-lhe a barriga e dando um pulo acertou-lhe uma cutelada na cara com a mão direita. O alienígena agarrou-a num abraço de urso e tentou esmagá-la. Mesmo sentindo o aperto Andrômeda acertou os dois ouvidos da criatura, num soco duplo de sanduíche, atordoando-a; vendo-se livre, a mascarada girou o corpo e acertou um pontapé de caratê no adversário, jogando-o sobre a mesa mais próxima, que se desconjuntou sob o seu peso. Quando ele se levantou Andrômeda impeliu-o para a parede, imprensando-o, e tirou-lhe a vontade de lutar com meia dúzia de bofetões sucessivos. Então ela o agarrou pelo colarinho e sacudiu-o:
— Onde está Lúpus?
— Eu não sei... não posso... dizer...
Ela o sacudiu com mais força.
— Diga-me onde ele está. Não respondo por mim se você não falar!
— Ele foi para a ponte... para ativar o feitiço do pentagrama... e ninguém poderá detê-lo.
— É o que veremos.
Andrômeda puxou o sapoide para a frente e golpeou-lhe a nuca, jogando-o ao chão quase sem sentidos.
— Aconselho-o a fugir com seu pessoal... fujam dessa nave enquanto é tempo!
Sonia pegou a espada e saiu correndo, buscando o caminho para a ponte do navio.

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A jovem de capa e máscara precipitou-se pelos meandros da Jamanta. Sua prévia sondagem revelara a planta básica e ela já sabia qual a localização da ponte de comando. Pelo seu comunicador de pulso tentou falar com seus auxiliares, mas só obteve uma cacofonia louca que incluía gritos de robô, disparos de laser, xingamentos originados em cordas vocais humanas, berros coléricos de homens-lagartos, ruídos de móveis se quebrando, de portas sendo arrebentadas e acompanhando e sobrepondo-se a tudo, a buzina histérica de Liz...
“A coisa parece que está divertida, mas não posso me preocupar com isso agora.” E assim pensando Andrômeda desligou o seu comunicador e continuou a toda, por um corredor interminável. Subiu uma escada, atravessou um almoxarifado e um gabinete de leitura e desceu outra escada, sem deparar com vivalma; aparentemente todos estavam lutando no outro lado da nave.


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A ponte de comando automático, de onde se via o negror do espaço e o pavoroso abismo negro, transformara-se numa capela macabra.
A uma distância relativamente pequena, em volta do que fôra uma estrela de neutrons, o espaço curvava-se sobre si mesmo, numa singularidade que desafiava as leis euclidianas. Um passo em falso e as espaçonaves petulantes escorregariam inevitavelmente para a singularidade, pagando o preço por sua audácia.
Sobre um quadripés metálico, vasilhames especiais abrigavam chamas que consumiam incensos. Vestido com seu manto negro e seu chapéu de chifres, o nicromante mantinha no ar, diante de seus olhos, o maligno Necronomicon, e recitava frases hediondas numa língua antiquíssima, talvez a mesma utilizada pela Serpente. O livro estava aberto diante de Lúpus, no capítulo que falava no caos extradimensional. Com os olhos inflamados de febre e loucura, Lúpus recitava interminavelmente, invocando os poderes das trevas.
— Pare, Lúpus!
Andrômeda, chegando finalmente à ponte, postara-se a sete metros do mago e, sem deixar de segurar a espada Jedi com a mão direita, com a outra mão apontou a cruz para o Necronomicon, exclamando em tom de cólera santa:
— Não o fará! Você não vai chamar as sombras malignas de dentro desse maldito livro! Pelo sangue de Jesus Cristo, eu ordeno que as criaturas do mal permaneçam aí dentro e não saiam!
— Pois eu ordeno que saiam! — Lúpus ergueu ainda mais os braços: — Saiam, sombras malignas! Ordeno que saiam e que destruam Andrômeda!
Asquerosas silhuetas escuras, com mãos terminadas em garras aduncas, já procuravam escapar do livro, mas a presença da cruz as inibia. Lúpus prosseguia com suas objurgatórias. Perdendo de vez a paciência, Andrômeda lançou com a espada uma rajada energética sobre o Necronomicon. Lúpus deu um pulo para trás, assustado, e o livro, envolvido pelas chamas, caiu no chão pesadamente. Em poucos instantes o Livro dos Nomes Mortos foi consumido pelo fogo, e tudo o que restou foi um montículo de cinzas, uma fumaça esverdeada e um odor penetrante de enxofre. Lúpus fechou os punhos e fez uma careta de frustração e ódio:
— Maldição!
Andrômeda ergueu verticalmente a espada com a ponta para o alto, diante de seus olhos, e disse com sarcasmo:
— Mais alguma coisa, Lúpus? Ainda tem algum truque escondido na cartola?
Lúpus não respondeu: dando as costas à paladina, correu na direção oposta. Sem um instante de hesitação, Andrômeda foi atrás dele.
A nave era imensa, como indicava o seu nome. Passaram por intermináveis e sinistros corredores, enfeitados com gárgulas medonhas e grotescas estátuas de homúnculos alados, que se supõe terem habitado a Terra na era de Cthulhu; atravessaram correndo a Central Nervosa de Informática e ladearam os antros dos tubos de urânio envoltos em grafite e moderados por lâminas de cádmio, parte dos recursos que asseguravam tração suficiente para escapar, a mais de três milhões de quilômetros, da atração do abismo negro.
Numa das esquinas Lúpus se voltou e com seu bastão mágico disparou uma carga energética contra Andrômeda. Esta pulou e rolou pelo chão, escapando ao ataque, e ao se levantar lançou por sua vez uma carga, que não alcançou o adversário. Prosseguindo na corrida, ao ladear à sua esquerda um misterioso painel de cristal azul, ela disparou várias vezes com a espada Jedi, mas as descargas morriam no manto do mago, sem lhe causar dano.
A sala que agora percorriam terminava estreitando-se até uma porta com o desenho em alto relevo de uma caveira embaiximada por dois ossos em X, e o conjunto parecia dizer: pare aqui, não ultrapasse.
A porta, porém, abriu-se para Lúpus, que não precisou sequer diminuir a carreira; ele entrou e Andrômeda, antes de segui-lo, derrubou a porta com duas descargas da espada, pois algo lhe dizia que não podia confiar naquilo.
O aposento em si não era grande e apresentava algumas estantes com velhos livros, discos de holovídeo e de som, prateleiras com retortas e instrumentos diversos para fins alquímicos e de feitiçaria, e uns escaninhos. Lúpus ordenou o “abre-te sésamo” para um dos escaninhos e uma espada encurvada, tipo de uma alfanje do deserto, voou até a sua mão; Lúpus voltou-se para Sonia e imediatamente a espada se inflamou, e o cheiro de enxofre invadiu o ambiente. Andrômeda estacou de repente, evitando alcançar o mago, que deu um diabólico sorriso de triunfo:
-Pois bem, Andrômeda. Vamos ver se você é capaz de enfrentar as próprias chamas do inferno!
Andrômeda sorriu e mostrou a espada:
-Está bem, Lúpus. Vamos ver. Afinal... esta é a hora da verdade.
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O cabo do sabre de Lúpus era comprido e não estava inflamado. As flamas só atingiam a lâmina da espada e ondulavam pelo ar ao seu redor. Chamas verde-escuro, feias. Lúpus ergueu o sabre e atacou. Andrômeda defendeu-se com a espada Jedi. Lúpus prosseguiu o ataque, do alto dos seus dois metros, e com sanha assassina. Ele tinha uma força de louco, muito superior à de Andrômeda, e a moça foi obrigada a recuar cada vez mais, incapaz de deter o ímpeto do atacante.
Assim Andrômeda retornou caminho até a comprida sala do painel. Lúpus brandia o sabre de fogo, tentando sucessivamente derrubá-la; Sonia, brandindo a espada Jedi, conseguia aparar os golpes, mas a fúria homicida de Lúpus não lhe permitia uma brecha por onde pudesse contra-atacar. Só conseguia recuar. O mago negro procurou então envolvê-la, passando para a sua direita; uma platibanda de 70 centímetros costeava o painel e Andrômeda, buscando uma posição melhor, pulou meio para-trás-e-de-lado, subindo na plataforma, colocando-se assim acima do bruxo. Lúpus gargalhou demoniacamente, como a revelar que aquilo era precisamente o que ele queria, e gritou qualquer coisa no extinto idioma de Valúsia.
O painel se abriu, suas duas metades recuando cada qual para um lado. Existia de fato um controle na parede, ao final do painel e antes de chegar à sala macabra da alfanje; mas o mago não carecera usá-lo.
Andrômeda olhou de relance e viu, a uns dez metros abaixo, estranhas chamas... granuladas, ofuscantes, e desviou a vista.
— Que é isso?
— É o forno de chamas solares... do ciclo do hélio... principal propulsor desta nave. E o seu túmulo, Andrômeda!
Assim dizendo, Lúpus galgou a plataforma e arremeteu contra a mascarada, com tanto ímpeto que ela caiu para trás, com os cotovelos no chão, perigosamente próxima à borda do precipício.
Certamente uma camada de vácuo isolava as radiações do caldeirão solar, mas não deteria a queda de um corpo pesado.
— Morra! — gritou Lúpus, erguendo bem alta a sua arma infernal e descendo-a sobre a jovem.
Tudo se passou de forma rapidíssima. Ao erguer Lúpus sua arma, Andrômeda introduziu sua mão esquerda no compartimento de sua blusa que guardava o crucifixo, tirou-o e esticou ao máximo que pôde o braço esquerdo; a espada chamejante embateu na cruz de prata e pulou para trás como que repelida, soltando-se das mãos do feiticeiro e caindo no poço; erguendo rapidamente o corpo, Sonia moveu o braço direito para cima e para a frente, enterrando a espada Jedi no estômago de Lúpus. Ele urrou de dor; conseguindo erguer-se mais, apoiando-se no joelho esquerdo, Andrômeda puxou fora a espada e com o braço esquerdo golpeou o torso de seu inimigo, desequilibrando-o. Lúpus caiu de costas no abismo de fogo, berrando de dor e desespero. Ao por-se finalmente de pé, a moça teve tempo apenas de vislumbrar o corpo de Lúpus sendo tragado pelas chamas solares.

CONTINUA