O FATOR CAOS capítulo 9 - O mistério de Andrômeda

CAP.9 – O MISTÉRIO DE ANDRÔMEDA


Sumir de novo de casa, apenas informando que estaria “viajando por alguns dias” (afinal, ela tinha advogados de confiança para cuidar dos seus negócios) foi o passo seguinte. Ela sabia que não poderia dormir e tomou uma nova dose de seu remédio anti-sonífero.
Marcara com o pessoal e não poderia faltar.
Passara pela sua cabeça a idéia de que o inspetor procuraria segui-la, vigiá-la, mas não se preocupou muito com isso. Afinal, o perfil do inspetor apontava em outra direção... Mas Sonia possuía, de qualquer modo, os macetes para se evadir despercebidamente.


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— Espero — observou o Padre Oronte, que agora trajava um “clergyman” para viagem — que você saiba o que está fazendo. Desaparecer por alguns dias não vai melhorar muito o meu relacionamento com o bispo ou com os meus paroquianos.
— Não se preocupe — Andrômeda continuava enigmática, imperscrutável. — As razões são muito fortes e você terá sua justificativa.
— Bem, vamos embora com a graça de Deus. Estamos todos aqui, a equipe está completa.
Andrômeda fitou Glickus e Mário. O repórter, de braços cruzados e recostado em uma coluna, com um dos pés na mesma, parecia apenas aguardar os acontecimentos; porém Glickus, o vulcaniano, tinha uma sentença a pronunciar:
— É o Dia do Destino. Vamos decidir o destino do universo.

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O Padre Oronte, vestido com seus paramentos eclesiásticos, ergueu a hóstia da patena.
“Isto é o meu corpo, que é dado por vós.”
Sonia, ajoelhada em adoração, procurou elevar o seu pensamento a Deus. A gravação posta pelo sacerdote fazia ouvir um hino eucarístico:
“E quando amanhecer
o dia eterno, a plena visão
ressurgiremos por crer
nesta vida escondida no pão.”


Sonia recebeu a hóstia e, retornando ao banco, recolheu-se ao seu mundo interior. Era estranho comungar mascarada, mas os outros estavam lá.
Terminada a missa, Sonia tomou um banho gasoso no box da Vésper e recolocou o seu traje de Andrômeda. Já se encontravam há tempos no espaço sideral, acompanhando as naves dos inimigos.

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Tudo havia acontecido com rapidez, agora que as coisas tinham se precipitado. O sexteto seguira com Liz até Itatiaia, onde repousava num esconderijo a nave espacial de Andrômeda. Vésper, que oficialmente não pertencia a Sonia, ergueu-se e buscou a velocidade de escape. Sonia e Glickus, com a ajuda de Salk e Leiber, trataram das manobras; Oronte e Mário eram leigos.


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Horas depois, Sonia deixou a direção da nave a cargo dos robôs e convocou uma reunião no salão verde de Vésper.
— É tempo — disse ela, pesando cuidadosamente as palavras — de vocês saberem algumas coisas sobre esse assunto. Eu sou órfã, e sofri muito na vida. Sofri a perda de meus pais em circunstâncias trágicas, que não mencionarei aqui.
— Espere — disse Mário, procurando o gravador portátil. — Vai nos contar a história da sua vida?
— Desligue essa joça — disse Andrômeda, com raiva ostensiva. — Esqueça as suas reportagens. Quero que preste atenção.
— Está bem, desculpe...
— Pois bem. Um dia foi um padre no orfanato, dar confissão às meninas. Era um padre estranho, de olhos brilhantes e profundos. Era alto e forte, calvo, com uns sessenta anos. Chamava-se Frei Jiri...
— Frei Jiri! Eu o conheci! Um homem lendário... — observou Padre Oronte.
— Passado algum tempo — Andrômeda, de braços cruzados, falava e andava pelo aposento, encarando seus ouvintes — eu fui especialmente chamada para falar com ele, no parlatório. Voltou ao orfanato especialmente por minha causa, queria me ver e falar comigo.
“Eu bati a porta timidamente e ele me mandou entrar com sua voz de trovão. Uma voz que ele com freqüência reduzia a um sussurro, pois o seu diapasão tornava sua fala facilmente audível... e isso nem sempre era desejável.
“Ele disse: entre e sente-se, minha filha. E eu me sentei em frente a ele, tranqüila porém curiosa. E aí, batendo com a mão no joelho esquerdo, ele pronunciou aquelas palavras incompreensíveis: — Aí está ela! Aí está a que vai combater o mal!”


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Apesar do tempo decorrido Sonia lembrava-se muito bem, inclusive da sua própria perplexidade:
— Padre... eu não entendo.
— Você entenderá, Sonia. Você é a Guerreira da Luz. O Senhor me revelou isso, louvado seja! Você está destinada a uma missão extraordinária. Já escutou falar na Irmandade dos Cavaleiros da Sagrada Família?
— Eu... nunca, Frei Jiri.
— Pouca gente ouviu falar. É uma ordem secreta e antiga, da Igreja Católica. Eu sou cavaleiro dessa ordem. E já ouviu falar nos Grandes Antigos?
— Também não, senhor.
— Um dia você terá de combatê-los... impedir os seus negros desígnios. Você deve se tornar uma Cavaleira da Ordem da Sagrada Família e aguardar o dia em que precisará agir...
— Mas, senhor... o senhor vê isso em mim?
— Vejo claramente. Com o tempo você entenderá melhor a sua missão, o alcance de tudo o que terá de fazer. Eu soube do que aconteceu com os seus pais...
(Andrômeda omitiu várias coisas em sua narrativa, atenta em não deixar pistas evidentes sobre a sua identidade. Omitiu que os seus pais haviam sido mortos numa cilada covarde, por investigarem casos de sacrifícios humanos que, mais tarde, a justiceira descobriu serem praticados por seguidores dos Grandes Antigos. A referência ao orfanato era deliberadamente mentirosa pois embora órfã, Sonia, como menina rica, não fôra porta em orfanato.)
Frei Jiri então fez as revelações a Sonia. Falou-lhe da diferença entre o nosso universo cósmico e o universo caótico, representando outra dimensão, e no qual se haviam refugiado os seres que se encontravam em oposição às leis divinas. Falou sobre os pactos que seres humanos faziam às vezes com esses demônios extradimensionais, que num passado remotíssimo — e havia referencias veladas disso no Apocalipse — tinham dominado vastos setores do universo cósmico, inclusive a Terra. Essa primitiva rebelião — de Satã, Yog-Sothot, Cthulhu e outros seres dotados de grande poder — prolongara-se pelos éons; a certa altura, causara o recuo da diáspora dos entes corporais pela Galáxia. Muito mais tarde, a encarnação de Cristo na Terra produzira um efeito muito forte nas raças do universo cósmico, levando-as a se afastar mais e mais da perniciosa influência dos Grandes Antigos.
Sonia voltou a se encontrar muitas vezes com Frei Jiri. Iniciou-se na Irmandade dos Cavaleiros da Sagrada Família, recebeu um corte na mão, selando a sua disposição de derramar o sangue pela Cristandade, se tal fosse preciso. Fez também o voto de virgindade provisória, suspendendo “sine diae” qualquer idéia de constituir família, até poder requerer a desobriga pelo cumprimento integral da sua missão. A conspiração de Lúpus encontrava-se, então, em pleno andamento, e Frei Jiri temia algo de terrível ainda naquela geração.
— Mas então — admirou-se Mário — a sua atividade de combatente do crime é meramente um disfarce?
— Não de todo, Mário. Eu tinha que me ocupar com alguma coisa, ir treinando...
— Eu ainda tenho uma dúvida. A mesma que já expus antes. Como você espera enfrentar Lúpus? – interveio o vulcaniano.
Andrômeda puxou de dentro de sua roupa um estojo pequeno e escuro, com filigranas dourados, artisticamente entalhado. Abriu o estojo e dele retirou o que parecia ser simplesmente o cabo de uma espada.
— O que é isso, Andrômeda? O seu trunfo?
— Veja você mesmo.
Andrômeda mexeu num comando qualquer do objeto e subitamente apareceu uma espécie de lâmina de luz, com coisa de um metro de comprimento.
O espanto foi geral. O Padre Oronte, levantando-se, exclamou perplexo:
— O que é isso, Andrômeda? Eu nunca vi coisa igual!
Glickus, que logo conteve o seu espanto, era talvez o mais admirado:
— Eu sei o que é isso, Andrômeda. É uma espada Jedi. Mas elas já não existem há milênios, onde você arranjou essa?
— A irmandade me deu, Glickus. Ela atravessou gerações incontáveis e agora é minha.
— E é com ela — perguntou Mário — que você vai enfrentar Lúpus?
— Sim, meu amigo. Sei que se trata de um adversário poderosíssimo, mas terei que ir em frente.
— E o que você pretende fazer?
— Terei simplesmente que matá-lo — a mascarada foi seca.
O padre protestou:
— Não pode pensar assim! Existe o quinto mandamento... é vedado matar, Andrômeda, ainda mais premeditando.
— Padre Oronte, procure compreender. É legítima defesa. Eu gostaria de poupar esse homem, por pior que ele seja, mas estou sendo realista. Lúpus certamente não se entregará com vida e, por outro lado, fará tudo para me matar, para matar a nós todos. Se se tratasse apenas das nossas vidas, padre, não teria tanta importância; mas ele está prestes a abrir o nosso universo cósmico à invasão dos seres do caos. É muita coisa para se permitir a um homem fazer. Não, padre... — e aqui ela ergueu a lâmina de luz da espada diante de seus olhos — em último caso, eu terei que matar Lúpus... porque a fera deve morrer.


CONTINUA