Sob o véu- capítulo quatro
Como assim é o endereço de Dionísio? – Dim quase que derruba os papéis da mão de Nicole na tentativa de lê-los.
- Sim. Olhe. É o endereço dele.
Dim bufa, inconformado.
- Faça com que a garota continue confortável na saleta Nataniel. Voltaremos logo.
- Deixem comigo.
Dim e Nicole saem pelos fundos da sala para que Jackeline não os perceba deixando aquele andar. Dependendo do que descobrissem a conversa seria outra.
Eles vão ao encontro de Silvio que aparece segundos antes na porta de seu próprio escritório preocupado e atarefado.
- Mandou nos chamar chefe?
- Dimitri! Pare de me chamar de chefe, sim? Toda vez que o faz soa como puxa saquismo! Me chama de Capitão ou Silvio, estamos entendidos?
- Claro, chefe!
- Vou te dar uma suspensão!- brinca Silvio.
- Foi brincadeira.
- Bem, vamos ao que interessa. Acabamos de receber uma chamada referente a um arrombamento. Elizabete, foi a senhora que ligou, disse que deixou o filho em casa ontem quando saiu para uma viagem rápida de negócios numa cidade vizinha. Ficou espantada porque ele não respondeu aos chamados no celular, coisa atípica. Hoje quando retornou, achou a casa arrombada e numa bagunça sem precedentes. O filho não estava lá. Eu mandaria outros policiais, uma vez que estejam cuidando do caso dos buquês, mas nem fui eu... foi Olívia- esta era sua secretária – quem percebeu que o endereço da chamada e o do rapaz que pediram para convocar era mesmo.
- É uma coincidência bizarra.
- Nesse trabalho ainda acredita em coincidências Dim?- alfineta Nicole.
Ele a ignora.
- Há sinais de violência na casa?
- Estou aguardando um relatório mais preciso, mas aparentemente houve luta. Estão atrás do garoto por hora. – ele leva os olhos ao papel em suas mãos- Dionísio Vilela de Alcântara.
- Primeiro a filha é ameaçada de morte logo após alguém invadir a casa... agora o namorado desaparece... e Jackeline ainda afirma que ninguém tem birra do casal. Imagine! Ela nega, mas creio que alguém que soubesse que estavam namorando escondidos se sentiu afetado diretamente pelo romance e quis descontar a raiva. Só acho que estão indo longe demais nisso.
- Vamos até o local, se a perícia está lá podemos aproveitar para ver as coisas dele e tentar entender um pouco mais como funcionavam suas ações.
- Vão- ordena Silvio Vou colocar outra pessoa para colher as informações para vocês até retornarem. É melhor que até sabermos o que aconteceu, não entrem mais em pânico com demais surpresas.
- Precisamos saber qual foi o último horário em que os dois se viram...- continua Nicole.
- Já disse para deixarem comigo. Mando a informação no celular de ambos.
Após vinte minutos de completo desespero num trânsito caótico, Nicole e Dim chegam ao endereço que não levaria nem cinco.
Daria para saber metros antes que se tratava da casa de Dionísio, pois havia uma turba de moradores ao redor do domiciliotentando descobrir o que estava acontecendo. Tiveram que fazer um cordão de isolamento com as faixas para que os curiosos de plantão não deteriorassem a cena da perícia.
- Francamente! Já não basta os problemas do dia a dia de cada um... eles ainda tem que fuçar no do vizinho??- exclama Nicole injuriada.
- Curiosidade é um mal da natureza humana.
- Mesmo essa natureza tem limites, não?
- Deveria ter... mas não creio que tenha.
Os agentes abrem caminho por entre os moradores que os olham como se pudessem dar qualquer informação preciosa e precisa.
- Até parece que o garoto morreu!!!
Uma mulher chorosa dá um espetáculo à parte na frente da casa. Devia ser a mãe...
- Eu quero meu filho!!!! Onde está ele??? Achem meu filho... por favor achem meu filho!!! Por que estão aqui e não correndo atrás dele?- ela se alternava entre uma palavra e outra contra os peritos que apenas tentavam fazer o próprio trabalho.
- Senhora... – intervém Nicole- Ele é apenas um perito que precisa coletar informações para que saibamos o que aconteceu com seu filho. O trabalho dele é ajudar o nosso.
A mulher olha o perito com certo desdém. Como se seu esforço de nada valesse para ajudar de fato no caso.
- A senhora é mãe da vítima? – começa Dim.
- Vítima??? – ela se eleva um decibel.
- Bem, seu filho sumiu, não? E não sabemos o que houve... até lá o trataremos como uma vítima.
- Meu filho sumiu e a casa está toda revirada... e... ah... não quero sequer pensar!
- Vamos nos acalmar está bem? Para começar...- Dim lê a ficha- A senhora é Elizabete?
- Sim. Sou eu.
- Certo,Elizabete. Por favor, conte- nos exatamente o que aconteceu. Desta forma podemos ajuda-los.
Dez minutos depois e tanto Dim quanto Nicole tinham o mesmo relato que fora feito antes de comparecerem ao local acerca do que aconteceu nas últimas 24 horas.
- E, foi assim que cheguei e descobrique meu filho tinha sumido e a casa estava nessa bagunça. Meu filho nunca deixou de atender uma das minhas chamadas, ainda que sendo um adolescente.
Pouca coisa lhes foi agregada naquele breve relatório. Tudo o que eles ouviram, já sabiam.
- Por favor, ajudem a achar meu filho.
- Faremos de tudo para encontrá-lo. – tranquiliza-a Nicole.
- Acho que teremos mais chances com a casa. – Dim acrescenta longe dela. – O histerismo só atrapalha na investigação.
- Dim, você ás vezes é sem coração! Credo! É o filho dela. Você também ficaria assim se fosse o seu filho.
Não adiantaria mais conversar com ela, portanto a dupla foi atrás dos fatos na casa.
- Ah Simas! Minhasina é te encontrar hoje. – brinca Nicole ao ver que o perito que estava cuidando da cena era o mesmo que os atendera na anterior.
- Pois é. Cenas bem diferentes, eu diria.
- Interessante, por que diz isso?
- Na casaanterior os buquês haviam sido dispostos de modo ordeiro em cada cômodo. Tudo estava na mais perfeita ordem. A casa, os buquês, a maneira como foram presos. Mas, esta cena é um caos.
- Caos?
- Minha sugestão é de que houve luta e ela se estendeu por todos os demais cômodos.
- Luta? Então está descartada qualquer possibilidade de que Dionísio tenha desaparecido por vontade própria?
- Eu descartaria sem dúvidas.
Simas abre passagem para que Dim e Nicole vejam com os próprios olhos a descrição feita.
Na sala, a mesinha de centro está deslocada com o vidro espatifado. O arranjo de pequenas pedras que deveria estar dentro de um vaso transparente percorre o chão e a água colorida que outrora estivera ali, mancha de azul o carpete bege.
Há uma mancha de sangue na parede direita que ligaa sala do corredor ao quarto. Quem começara a briga, iniciara ali e depois a arrastara pela sala até o primeiro quarto. Fotos se espalhavam pelo chão. Duas rasgadas, outras presas dentro dos porta-retratos quebrados.
- Estranho. Houve luta, mas não sei se tem a mesma impressão...- Nicole coça a cabeça analisando o aposento em 360º.
- O quê? O que você vê?
- Parece-me que a bagunça e o estrago foram propositais.
- Estive pensando nisso também. Parece muita bagunça para pouca coisa.
- Olhe! Tem sangue naquela parede!
- Sim, sim. Já foi colhido para análise. Vamos comparar com o da mãe.
- Noto que de novo a fechadura não foi forçada...
- Nic, você não deixa passanada. Tem razão. Ela não foi forçada, a fechadura está intacta. A mãe deu queixa de arrombamento, mas nada foi arrombado. Ou o invasor entrou enquanto a porta e janelas estavam abertas, ou teve consentimento.
- É, isso só pode indicar conhecido.
Simas tamborila os dedos na pequena prancheta que carrega.
- Ou pessoas que normalmente deixaríamos entrar. – Nicole começa a andar pela casa. Este ato a ajudavapensar com mais clareza.
- Tipo?
- Agentes Sanitários, Vigilantes, instaladores, manutenção... telefone... pessoas que dificilmente são barradas. Pessoas nas quais invariavelmente, confiamos.
- É, não podemos descartá-los. Embora, eu não creia que o caso de Jackeline tenha algo do tipo.
- Não. De fato. Mas podem apenas ter usado como pretexto para se aproximar. Lógico que o sumiço está ligado à Jackeline.
- Deixaram recado?
- Nenhum. Nem uma mísera linha. Nada foi levado também...
- A não ser um garoto! – completa Dim, irônico.
- Vamos até os vizinhos...
- Vamos...
As abelhinhas estavam loucas atrás do mel. Então, quando Nicole e Dim saem para questionar, todos os vizinhos estavam prontos para dar declarações. Pouco ou quase nada extraíram de novo. Um vizinho afirmou que houve briga um dia antes na casa entre mãe e filho. Outro disse que isto era uma rotina. Já uma senhora simpática informou que não o vira desde as seis da tarde do dia anterior. Um garoto corroborou com outros dois de que Dionísio era um rapaz muito bom e adorado. Não tinham porque machucá-lo.
- Falei que ia ser besteira – reclama Dim. – Ninguém viu algo relevante.
- Com licença... – se aproxima um senhor baixo, com umapequena bengala.
- Sim? Podemos ajudá-lo?
- Acho que talvez eu tenha visto algo pertinente. – o senhor diz pomposo.
- Claro, claro. Quer nos contar?
Dim e Nicole o afastam da multidão.
- Bem, talvez não acreditem nas palavras de um velho cujaprincipal ocupação é trabalhar em redes na varanda de casa... – ele se justifica como quem pede desculpas- mas, estava saindo para a varanda ontem,por volta das quatro, para iniciar meu trabalho nas redes... sabe... faço redes de pesca para a casa da esquina...
- Sim, o senhor viu algo suspeito? – se impacienta Dim. Cada minuto era crucial para ajudar a encontrar Dionísio.
- Um senhor... foi bem esquisito sabe?
- Esquisito?
- É... mesmo sem saber o que havia acontecido, isso já tinha me chamado à atenção. Estava um pouco quente para o sobretudo que preto que ele estava usando. Ele tinha um andar imponente, cabelos molhados penteados para trás. Notei porque aquele brilho me lembrava o da época em que eu usava brilhantina.
- O que tem este senhor em particular?
- Bem, ele bateu diversas vezes, bem forte na porta até que o menino Dionísio atendeu. Ele entrou e ficou por lá. Não vi seu rosto, portanto não há como fazer-lhes uma descrição detalhada.
- E o que o senhor achou esquisito?- insiste curiosa Nicole.
- Eu voltei para dentro para apanhar uma tesoura que havia esquecido... – ele passa as mãos nervosamente pela barba esbranquiçada, como que um ritual que o ajudasse a relembrar.- Voltei uns dez minutos depois, quando finalmente lembrei onde tinha a colocado...acho que o senhor já tinha ido embora... então, sentei-me e continuei tecendo a rede. Acho que uma hora depois mais ou menos, o mesmo homem voltou... esquisito, é porque eu tinha admirado a maneira como ele caminhara antes... mas, agora... ele não parecia a mesma pessoa. Estava cabisbaixo e acho que era até mais baixo...eele coxeava. Não tinha nada daquela imponência anterior. Chegou e bateu diversas vezes na porta, mas desta vez ninguém atendeu. Então elefoi embora do mesmo jeito que chegou. Aquilo ficou na minha cabeça, porque eu podia jurar que era o mesmo homem, entendem? Desculpe-me se falo besteira, mas acho que precisava contar-lhes.
- Imagine. O senhor fez muito bem. Talvez quando o homem bateu pela segunda vez e não foi atendido, Dionísio já não estivesse aqui. Temos um horário mais aproximado. Obrigada. Muito obrigada, de verdade. – Nicole aperta as mãos do senhor e a chacoalha num gesto mais efusivo do que um aperto de mãos convencional seria.
O senhor apenas assente, com o sentimento de dever cumprido e sai em direção à própria casa. Não era dado a mexericos, realmente viera cumprir com um dever e apenas isso.
- Ufa, pelo menos agora temos alguém a quem investigar. Podemos começar... - mas o pensamento de Nicole é cortado por uma balburdia que começa a tomar conta da turba. As pessoas que ali estavam, simplesmente começam a se deslocar de maneira rápida demais para outro ponto. Quase que correndo.
- O que será que houve?
De repente, os peritos, assim como as pessoas, também começam a correr para outro local e Nicole com Dim resolvem copiá-los.
Eles seguem para o fim da rua, numa casa depredada. Os policiais impedem a passagem da vizinhança e os peritos se inclinam para ver algo. Um dos vizinhos começa a espalhar a notícia do que ele tinha visto, mas de maneira tão derradeira que mal se distingue uma palavra.
Um grito ecoa por toda a rua. Um grito de mulher ecoa agudo e desesperado. Elizabete se debruça sobre algo e os policias tentam afastá-la.
Os agentes abrem caminho e finalmente o veem.
O corpo de Dionísio está caído no chão do terreno.
- Acharam ele. Acharam o Dionísio!!!- berrava um dos vizinhos.
- Meu filho!!!! Meu pobre filhinho!!!!! – Elizabete se descontrola e os peritos tentam mantê-la longe da cena para que possam coletar pistas.
- Isso sim é esquisito. Este bairro está cheio de esquisitices!!! – o senhor que tinha rumado para casa mudara de direção e estava agora próximo aos outros vizinhos.
- É, depois de tanto caos... esta ordem... pobre garoto!!!- exclama Dim tentando entender a cena.
Dionísio estava estirado no chão. Retilíneo. A poeira da casa abandonada fora toda retirada. Estava bem limpo ali. Ele estava vestido num terno preto, impecável, e sobre seu peito pairava um buquê de apenas três rosas vermelhas. Porém, omais esquisito era o fato de um véu azulado feito de tule cobrir-lhe dos pés a cabeça, deixando-o intocado pelo resto da cena.
- Certo! Definitivamente este caso está me dando mais nós do que marinheiro em corda!